"Eu acabei com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no Governo", disse Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, 7, em cerimónia no Palácio do Planalto. A frase gerou reações em cadeia da oposição, de dissidentes do Governo de extrema-direita e, também, de Sérgio Moro, o juiz que liderou a maior operação contra a corrupção na história do Brasil.."As tentativas de acabar com a Lava-Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?", disse o ex-ministro da Justiça, que saiu do executivo acusando Bolsonaro de interferir nas polícias para benefício da sua família..Para o antigo membro da task force da operação em Curitiba, Carlos dos Santos Lima, o presidente acabou com a Lava-Jato "por medo". O procurador afirmou ainda que ao ser "um dos responsáveis por matar" a operação", Bolsonaro se une a "Renans [o ex-presidente do Senado Renan Calheiros], Maias [o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia], Aras [o procurador-geral da República Augusto Aras], Toffolis e Gilmares [os juízes do Supremo Dias Toffoli e Gilmar Mendes], e todos, de mãos dadas em torno do grande acordo nacional para salvar o sistema podre e nefasto da corrupção política"..Segundo Lima, o presidente é "um estelionato [fraude] vergonhoso". Em campanha, Bolsonaro foi um ávido defensor da Lava-Jato: "Os que hoje se colocam contra ou a relativizam estão também contra o Brasil e os brasileiros. Todo o apoio à operação que está tirando o país das mãos dos que o estavam destruindo", disse logo antes das eleições. E logo que ganhou a presidência convidou Moro para ministro da Justiça..Já o deputado Ivan Valente, do esquerdista PSOL, disse que Bolsonaro "jamais poderia dizer que acabou com a Lava-Jato, porque isso é interferir no MPF". O discurso do presidente, continuou, "é criminoso e ridículo"..A ex-líder parlamentar do Governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL), hoje em rota de colisão com Bolsonaro, acusou o presidente de mentir. "Ele acabou com a Lava-Jato para proteger os novos aliados", escreveu, referindo-se ao "centrão", conjunto de partidos que trocam assumidamente apoio aos governos por cargos no poder público e foram alvejados pela operação..Paulo Ganime, deputado do partido Novo, preferiu analogias para criticar. "Eu cancelei o plano de saúde pois eu estou saudável. Parei de fazer exercício pois estou já estou magro. Cancelei o seguro do carro pois não bati. A lógica é péssima, e fica pior ainda pelo facto de a corrupção não ter acabado no Brasil.".Roberto Freire, do Cidadania, falou do aparalhamento da polícia durante o Governo de Boslonaro. "Bolsonaro desmanchou o COAF [órgão que investiga transações financeiras suspeitas]; colocou o amigo do amigo dos filhos no comando da Polícia Federal; pôs na Procuradoria-Geral da República um inimigo da Lava-Jato; forçou a demissão de Moro; mudou a Receita [equivalente à Autoridade Tributária e Aduaneira] para blindar o enriquecimento familiar; indicou para o Supremo um aliado do 'centrão' [o juiz Kássio Nunes]. O que acabou foi o combate à corrupção.".E, apesar do que disse Bolsonaro, no seu Governo há casos de corrupção: o ministro Marcelo Álvaro Antonio, titular do Turismo e com a tutela da Cultura, é arguido num esquema de lançamento de candidatas-fantasma na eleição de 2018..O ministro Ricardo Salles, do Ambiente, foi condenado, em primeira instância, pela Justiça do estado de São Paulo, por cometer fraude na elaboração de um plano de proteção ambiental com o propósito de beneficiar empresas de mineração..O ministro Paulo Guedes, da Economia, é investigado pelo Tribunal de Contas no âmbito de operação que apura irregularidades cometidas por si ainda como empresário do mercado financeiro..O ex-ministro Osmar Terra tornou-se arguido por improbidade administrativa ao suspender a autorização de produções audiovisuais LGBT para a televisão pública, já depois de ter gasto 400 mil euros no processo de seleção..O também ex-ministro Luiz Mandetta, da Saúde, é alvo de quatro processos na qualidade de secretário municipal da mesma pasta, em Campo Grande, capital do estado do Mato Grosso do Sul..E o ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, fez um acordo com a justiça para devolver dinheiro não declarado para as suas campanhas..O líder parlamentar do Governo no Senado, Fernando Bezerra, foi alvo de mandado de busca e apreensão por receber subornos em obras no nordeste do país..E o senador Flávio Bolsonaro, que não pertence ao Governo, é figura central de um escândalo milionário de corrupção que envolve desvio do salário dos assessores para seu proveito, compra de imóveis em dinheiro vivo e lavagem de dinheiro numa loja de chocolates..A prerrogativa de encerrar operações como a Lava-Jato, no entanto, não cabe a Bolsonaro, mas sim à PGR. E a PGR, embora tenha ajudado a encerrar a secção de São Paulo da operação, afirma dar ainda apoio institucional aos trabalhos. No mesmo dia do discurso de Bolsonaro a dar por concluída a operação, era deflagrada no Rio de Janeiro a sua 76.ª fase - com quatro mandados de busca e apreensão relacionados a esquemas de corrupção na área comercial da Petrobras.