Kenny Alameda: uma vida passada a abastecer navios

Filho de emigrantes de Fornos de Algodres e dos Açores, Kenny Alameda, de 68 anos, é dono da Clipper Oil, uma empresa de San Diego que surgiu no contexto da pesca do atum mas que não acabou quando esta indústria entrou em declínio, pelo contrário - expandiu-se. Hoje tem um volume de negócios anual da ordem dos 200 milhões de dólares. <em>Neste verão o DN republica algumas das reportagens integradas na rubrica sobre portugueses e luso-americanos de sucesso Pela América do Tio Silva. Este artigo foi publicado originalmente a 5 de janeiro de 2018.</em>
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Kenny Alameda tem raízes portuguesas mas o oceano que melhor conhece não é o Atlântico. É o Pacífico. Numa das salas do seu escritório tem um mapa ampliado de todas as ilhas espalhadas pelo meio daquele oceano. Kiribati, Palau, Marshall, territórios longínquos, de uma perspetiva portuguesa, são para ele nomes muito familiares. Nascido em San Diego, na Califórnia do Sul, sempre esteve ligado ao mar, por vir de uma família de pescadores de atum, por ter trabalhado na indústria conserveira e por se dedicar há décadas ao negócio do abastecimento de navios que operam no oceano Pacífico. O declínio da indústria do atum, que no século passado chegou a ser a terceira força económica em San Diego, não o desanimou. Viu na crise oportunidade. Os barcos de pesca foram cada vez para mais longe. E ele foi atrás deles. A empresa Clipper Oil, que fundou em 1984, tem hoje um volume anual de vendas na ordem dos 200 milhões de dólares.

"Eu corri mundo a comprar atum. Trabalhei na indústria conserveira. Agora o meu foco é basicamente no negócio do combustível", diz ao DN Kenny Alameda, de 68 anos, numa das muitas salas que tem o seu escritório na marina de San Diego. Em cima da mesa, espalhadas, dezenas de fotografias testemunham os tempos áureos da pesca do atum naquela zona dos EUA. O pai, George Alameda, emigrante natural de Fornos de Algodres, dedicou toda a sua vida à pesca do atum. A mãe era açoriana de São Miguel. "O meu pai levava-nos quando éramos crianças, ficávamos a ver. Depois, eu e o meu irmão, já adolescentes, chegámos a sair algumas vezes para o mar. 35 dias de viagem foi o que acho que fizemos da primeira vez que saímos. Mas eu no total só saí quatro vezes em viagem a bordo de um atuneiro. Toda a minha carreira foi na indústria do atum, mas eu comprava e vendia o atum dos barcos", explica Kenny Alameda, contando que estudou na Universidade de San Diego e formou-se em Marketing. Com recurso às fotografias antigas e a recortes de jornais que guarda religiosamente, vai contando a história que liga as famílias portuguesas à pesca do atum, e como a indústria na qual muitos fizeram fortuna entrou em declínio.

Normalmente os pescadores pescavam atum com caniços, mas isso permitia-lhes apanhar pouco peixe e quando os japoneses inundaram o mercado com produtos baratos os preços caíram de forma abrupta e tornou-se difícil competir. "Muitos barcos deixaram de operar, faliram, os preços foram de 320 dólares para 120 dólares a tonelada de atum entre 1948 e 1958", recorda o empresário, assinalando ainda que, com os caniços, há ainda "o problema de ser preciso ter isco e de os peixes terem de morder o isco". Depois da pesca com caniço, foi inventada a pesca com recurso à técnica de purse seine, ou seja, pesca com redes de cerco. "Foi preciso converter os barcos e isso era financeiramente arriscado. O primeiro a fazê-lo aqui em San Diego foi um senhor chamado Lu Brito. Como teve sucesso, outros o seguiram." Os navios foram adaptados para a pesca com redes de nylon, tendo a quantidade de atum capturado aumentado consideravelmente. E a indústria voltou a sorrir. Não por muito tempo. Depois veio a problemática dos golfinhos, que ficavam presos nas redes e, apesar dos esforços dos pescadores, alguns não eram resgatados com vida. A polémica foi engrossando, engrossando, a pressão dos ambientalistas também, levando a uma série de proibições por parte do governo dos Estados Unidos.

"Havia observadores do governo nos barcos e tiravam fotografias. Houve um que tirou, nem foi num barco dos EUA, a mostrar golfinhos mortos. Depois de mostrarem as fotos era difícil tirar a imagem da cabeça das pessoas. O consumidor forçou a questão. A indústria conserveira recebeu muitas cartas porque as pessoas realmente achavam que estavam a enlatar golfinhos juntamente com o atum. Puseram muita pressão na Heinz, que tinha parte do seu negócio na Starkist. Ameaçaram deixar de comprar qualquer produto que fosse da Heinz e então eles capitularam e deixaram de comprar atum porque não quiseram pôr em perigo todo o seu negócio. E, por isso, os pescadores foram-se mudando de San Diego para a Samoa Americana", conta o dono da Clipper Oil, notando que "dos 315 barcos que hoje pescam atum no Pacífico Ocidental, só 35 são de bandeira americana. Os EUA já não são um fator decisivo na pesca do atum. São, sim, a Coreia do Sul, o Japão, a República Popular da China"... Kenny Alameda nota que Banguecoque é a nova San Diego do século XXI. "Substituiu-a como capital do atum. Eles pagam 0,35 cêntimos à hora, nós pagávamos nove dólares à hora"...

Depois de os barcos começarem a ir pescar para mais longe, o empresário pensou que poderia abastecê-los de tudo o que precisassem, desde combustível, óleo, sal... Atualmente, a Clipper Oil abastece navios em locais tão diferentes como Adak no Alasca, Vancouver no Canadá ou Majuro nas ilhas Marshall. Além disso, a empresa, que tem parcerias estabelecidas com a Shell e com a Exxon/Mobil, também fornece abastecimentos em alto-mar através de tanques. Além de San Diego, onde trabalham 17 pessoas, tem escritórios na Samoa e em Singapura. Entre os membros da equipa da empresa há um outro Alameda, Kevin, filho de Kenny e vice-presidente da Clipper Oil. Formado em Economia e Ciência Política pela Universidade do Michigan, tem como responsabilidade expandir os negócios da empresa a novos mercados.

Kevin e a irmã Christine estudaram ambos um semestre fora, mas não foi em Portugal. Foi em Espanha. "Infelizmente falam melhor espanhol do que falam português", admite Kenny, cuja mulher, Kathy, também é filha de emigrantes dos Açores e do continente. Alguma vez foram a Portugal? "Sim. Eu já estive três vezes em Portugal. Estive no Pico, nos Açores, é um sítio espetacular para se visitar. Eu acho. Também já estive na Madeira, Algarve, Évora, Porto", conta o empresário. Kenny cumpriu serviço militar no Marine Corps e em 2012 foi nomeado por Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, como comissário para o Conselho das Pescas do Pacífico Ocidental e Central na questão da gestão das espécies altamente migratórias. "Até sou republicano, mas pronto, aceitei a nomeação. Já fui a Washington algumas vezes, mas nunca cheguei a conhecer ninguém da Administração."

*Em San Diego
A jornalista viajou no âmbito da parceria DN/FLAD

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