Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), depôs ontem no seu julgamento no Senado Federal por 45 minutos e ainda respondia a perguntas de senadores a favor e contra a sua destituição à hora do fecho desta edição, num dos dias mais históricos da jovem democracia brasileira e, seguramente, o mais simbólico desde o início deste processo de impeachment há quase um ano. O discurso e as respostas da presidente afastada foram considerados, pela maioria dos observadores, suficientemente fortes e emocionantes do ponto de vista técnico e político para criar impacto no público, mas não o bastante para obter resultados práticos na votação final de hoje - e provavelmente amanhã.."Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada durante dias seguidos, submetida aos que nos faziam duvidar da humanidade e do sentido da vida, e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado a minha existência, hoje só temo a morte da democracia", disse Dilma, numa fase do discurso em que quase chorou, aludindo à sua prisão durante o regime militar e a um cancro a que sobreviveu.."Não é legítimo senadores afastarem presidentes pelo conjunto da obra, quem o pode fazer é o povo nas urnas; e o povo nas urnas não escolheu este programa do governo interino", disse noutra ocasião. E concluiu: "O povo nas urnas escolheu uma mulher para dirigir o país e agora tem um governo sem uma única mulher." Para Dilma, "a condenação política exige crime de responsabilidade". "Por isso, lembrem-se do terrível precedente de condenar inocentes.".[destaque:"O povo nas urnas escolheu uma mulher para dirigir o país e agora tem um governo sem uma única mulher."].Dilma respondeu ao longo da sessão a perguntas de Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), seu rival nas eleições de 2014, e a dois dos mais aguerridos senadores de oposição ao PT, Ronaldo Caiado, do Democratas, e Magno Malta, do Partido da República..Para a queda de Dilma e consequente substituição imediata pelo presidente interino e seu ex-vice--presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), são necessários 54 dos 81 votos dos senadores. As sondagens da imprensa dão conta de 51 a 53 senadores já convencidos pela destituição de Dilma e 18 a 19 contrários à sua queda. Os restantes nove a 12 parlamentares não revelaram o seu voto. Por isso, enquanto a presidente afastada e os senadores dialogavam de frente para as câmaras de televisões, nos bastidores do Congresso Nacional prosseguia disputada luta ombro a ombro pelos senadores cujo voto é considerado mais volúvel..Romero Jucá, ministro do Planeamento de Temer entretanto demitido por envolvimento na Operação Lava-Jato, e Lula da Silva, antecessor de Dilma e também com a justiça à perna, foram os protagonistas das negociações nos corredores de Brasília, tanto no Congresso como nos hotéis de luxo da capital federal. Lula, que esteve com mais 18 ex-ministros de Dilma e o músico Chico Buarque nas galerias, apostou no diálogo com senadores da região nordeste do país, por tradição próxima do PT, nomeadamente com Edison Lobão (PMDB), ex-ministro das Minas e Energia de Dilma, e com o senador Collor de Mello, do Partido Trabalhista Cristão, que vem votando contra a presidente afastada mas é suscetível de mudança. Jucá recebeu no seu gabinete os mesmos e outros senadores..A votação deve decorrer ainda hoje ou na madrugada de amanhã - provavelmente com manifestações de grupo anti-impeachment em frente ao Congresso. O campo de Temer tem pressa de resolver a situação o mais depressa possível para poder viajar para a cimeira do G20 em Pequim já com o presidente interino confirmado no cargo..O processo de impeachment começou há quase um ano, quando os juristas Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior protocolaram um pedido nesse sentido na Câmara dos Deputados baseados em decretos suplementares pedidos pela presidente afastada sem a autorização do Congresso, como prevê a lei, e nas "pedaladas fiscais", ou seja, manobras orçamentais..Eduardo Cunha (PMDB), entretanto também afastado do cargo de presidente da Câmara, recusou aceitar o pedido daqueles juristas até perder o apoio do PT no Conselho de Ética, que o julgava por ter mentido ao Parlamento no âmbito da Lava-Jato. Perdido esse apoio, retaliou no dia seguinte aceitando o impeachment. O PMDB aproveitou o momento para romper a aliança com o PT e convencer parte dos partidos que apoiavam o governo de Dilma a votar pela destituição da presidente. E venceu as votações tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, levando ao afastamento temporário de Dilma e à ascensão de Temer a chefe do governo provisório..Desde a redemocratização, é a segunda vez que um presidente sofre um processo de impeachment, depois de Collor de Mello ser destituído em 1992 para dar lugar ao seu vice-presidente Itamar Franco.