Tomada de Caracas pode ser o "início de uma revolta sem prazo para acabar"

Portugueses falam em clima de tensão por causa da manifestação marcada pela oposição, que o governo de Maduro acusa de ser uma tentativa de golpe apoiada pelos EUA. "O protesto é a única arma que temos", diz conselheira portuguesa
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"Se o regime que governa este país, que não se pode dizer que é um governo porque é autoritário, deixar as pessoas em paz, então não haverá problemas. Se não, tudo pode acontecer." O alerta é de María de Lourdes Almeida, conselheira das comunidades portuguesas na Venezuela, que hoje estará na Tomada de Caracas. A manifestação pacífica foi convocada pela oposição, para exigir um calendário para o referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro. Mas a portuguesa diz que "o cenário é tão frágil" e o "desespero tão grande" que se as autoridades reagirem com violência, o protesto poderá tornar-se "no início de uma revolta sem prazo para acabar".

O governador do estado de Miranda e ex-candidato presidencial, Henrique Capriles, lembrou que "é importante que fique claro que o objetivo é ter uma jornada de protesto pacífica". Há sete pontos de encontro dos manifestantes nos arredores de Caracas, que depois se devem concentrar em três avenidas da capital: Libertador, Francisco de Miranda e Rio de Janeiro. "Estamos a preparar-nos para que haja 18,7 quilómetros de manifestação, o que representaria um milhão de pessoas", explicou Capriles.

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"A Tomada de Caracas será o início de uma nova etapa de mobilização massiva. Haverá manifestantes como poucas vezes houve e o governo sabe, por isso está desesperado por evitá-la. Nós lembramos que esta mobilização será pacífica, com hora de início e fim [das 8.00 às 14.00 locais, isto é, 13.00 às 19.00 em Lisboa], e com um objetivo claro. Vamos demonstrar que somos uma grande maioria e que queremos a mudança em paz", disse Tomás Guanipa, secretário-geral do Primeiro Justiça, que pertence à Mesa de Unidade Democrática (MUD).

Maduro acusa a oposição de, com o apoio dos "imperialistas" de Washington, querer repetir com a Tomada de Caracas os acontecimentos de 11 de abril de 2002, quando 19 pessoas morreram e o então presidente Hugo Chávez acabou por ficar afastado do poder durante 47 horas. Naquela ocasião, os manifestantes resolveram a meio do protesto marchar até ao Palácio Presidencial com o objetivo de derrubar Chávez, que tinha tomado posse em 1999 e sempre acusou os EUA de estarem por detrás da tentativa falhada de golpe.

Em relação a esta acusação, o secretário-geral da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba, lembrou que o objetivo é exigir um calendário para a convocação do referendo revogatório e não ir até ao Palácio Presidencial. "Quando formos até Miraflores é para ficar", explicou à Globovisión. Sobre a alegada falta de autorização para as manifestações, Torrealba respondeu: "Segundo a Constituição, não se pede autorização, informam-se as autoridades municipais. E todas as participações foram enviadas às autarquias." O município de Libertador, governado pelo chavista Jorge Rodríguez, não autorizou a passagem dos manifestantes, dizendo tratar-se de um "território de paz".

Nos últimos dias, vários opositores foram detidos. Um deles tinha alegadamente na sua posse explosivos, com o governo a denunciar também a apreensão de falsos uniformes da polícia que seriam usados para desestabilizar o protesto.

Clima de tensão

"A situação é de aparente calma, mas existe muita tensão", explica María de Lourdes Almeida, dizendo que ontem já havia relatos de autocarros de manifestantes impedidos de seguir para a capital. "Existe uma grande expectativa e o ambiente está muito tenso", contou outro português que vive na Venezuela e que, por receio de eventuais represálias, pediu para não ser identificado. Em causa está o facto de o governo ter autorizado uma manifestação de apoio a Maduro para o mesmo dia do protesto da oposição. "Não são no mesmo local, mas há uma zona onde podem estar muito próximo", referiu este português.

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Já a conselheira diz que tudo pode acontecer. "Tudo é possível. Estamos num cenário tão frágil que tudo pode acontecer. Não sabemos o que estão a preparar do outro lado. A MUD diz que tem que ser pacífico, com diálogo, porque mesmo quando é pacífico acusam-nos de sermos terroristas. Se cometermos o erro de não ser um protesto pacífico, imaginem o que diriam. Mas serão tantos milhões de pessoas, tudo pode acontecer", indicou.

María de Lourdes Almeida conta que vai participar na manifestação "com um grupo de mais portugueses", mas explica que este é um problema que não afeta só a comunidade, mas todos os que vivem no país, que apesar de ter as maiores reservas de petróleo do mundo enfrenta uma grave crise económica e e de desabastecimento. "O salário mínimo, com o último aumento, equivale a cerca 31 dólares à taxa de câmbio oficial. Ninguém vive com 31 dólares por mês", refere. "O protesto é a única arma que temos."

Em causa está a realização do referendo revogatório do mandato de Maduro, cuja segunda fase, a recolha de assinaturas de 20% do eleitorado só está previsto começar no final de outubro. "O problema é que eles não aceitam fazer o revogatório, que 80% das pessoas querem. Eles estão a adiar o assunto, mas se não for este ano, não há necessidade de haver um referendo, porque o regime vai continuar no poder", referiu a conselheira portuguesa.

O outro português não está confiante do futuro. "Acredito que não vai acontecer nada, que se houver referendo não será este ano e portanto o governo não irá cair, assumirá o poder o vice-presidente que até poderá ser a mulher de Maduro", explicou, falando na hipótese de Cília Flores ser nomeada para número dois para, caso o marido seja afastado no referendo, poder ela assumir a liderança do país. "Ficariam no poder até 2019 e mesmo depois, tudo depende da pressão que houver da comunidade internacional. Tem que ser a OEA [Organização de Estados Americanos] a pressionar", acrescentou.

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