Sexo, espionagem e uma nomeação. O que causou os impeachments antes de Trump

Na história dos EUA só três presidentes viram o Congresso iniciar contra eles um processo de destituição. Bill Clinton e Andrew Johnson acabaram ilibados. Richard Nixon demitiu-se para evitar um mais do que certo afastamento.
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Na Constituição dos EUA lê-se que o Congresso pode destituir um presidente se considerar que cometeu "traição, suborno ou outros crimes e delitos graves". Ora é esta última expressão que abre a porta ao processo agora iniciado pela Câmara dos Representantes contra Donald Trump. A maioria democrata acusa-o de ter tentado pressionar o presidente da Ucrânia a investigar as ligações a uma empresa ucraniana de Hunter Biden, filho de Joe Biden, ex-vice-presidente e candidato à nomeação democrata para as presidenciais de 2020. Iniciado o processo, a dúvida é se levará mesmo à destituição de Trump.

Olhando para o passado, a verdade é que tal nunca aconteceu. Só três presidentes americanos foram alvo de impeachment - Andrew Johnson em 1868, Richard Nixon em 1974 e Bill Clinton em 1999. Um por ter destituído o secretário da Guerra à revelia do Senado, outro por espionagem e o terceiro por ter mentido sobre a relação sexual com uma estagiária da Casa Branca. Nenhum foi afastado: Johnson e Clinton foram ilibados; Nixon demitiu-se antes do início do processo.

Um só voto salvou Johnson

Ainda os Estados Unidos estavam a recuperar da Guerra Civil (conflito que entre 1861 e 1865 opôs o norte abolicionista ao sul esclavagista) quando viveram o primeiro impeachment. Em fevereiro de 1868, a Câmara dos Representantes abriu um processo de destituição contra Andrew Johnson, o presidente que chegara ao poder após o assassínio de Abraham Lincoln. Tudo porque Johnson, um democrata, tentara substituir Edwin M. Stanton, o secretário da Guerra que herdara de Lincoln, substituindo-o primeiro pelo general Ulysses S. Grant e depois pelo major-general Lorenzo Thomas.

Democrata pró-União, que recusara seguir o seu estado, o Tennessee, quando este optou pela secessão, Johnson não deixava de ser um sulista racista. E quando chegou à Casa Branca entrou várias vezes em conflito com o Congresso, vetando leis que considerava demasiado duras em relação aos estados do sul. A machadada final na relação aconteceu quando tentou afastar Stanton, defensor da emancipação e dos direitos civis dos escravos libertos, violando o Tenure of Office Act, uma lei aprovada pelo Congresso para restringir os poderes do presidente de forma a que não pudesse tirar altos responsáveis do cargo sem aprovação do Senado. Foi este o argumento para o impeachment de Johnson. E dos 11 artigos que foram a julgamento, só um não ficou provado, escapando o presidente à destituição apenas por um voto.
Enfraquecido por este processo, Johnson perdeu a nomeação democrata para as eleições de 1868, mas a vingança chegaria em 1874, quando foi eleito senador, fazendo dele o único ex-presidente a servir no Senado. Morreu em julho do ano seguinte, poucos meses após tomar posse.

Nixon demite-se e antecipa destituição

A 30 de outubro de 1973, a Câmara dos Representantes dos EUA, de maioria democrata, tal como o Senado, abria um processo de impeachment contra o presidente republicano Richard Nixon. O motivo? O caso Watergate, ou seja, o assalto à sede do Partido Democrata durante a campanha para as presidenciais de 1972 e o facto de a administração ter encoberto o seu envolvimento.

Um caso de espionagem que levou Nixon a ser investigado por obstrução à justiça, abuso de poder e desacato ao Congresso. Intimado a divulgar todas as gravações das suas conversas ligadas ao Watergate e perdidos todos os apoios políticos, o presidente anunciou a demissão a 9 de agosto, evitando assim uma mais do que certa destituição pelo Senado.

Bill Clinton e o caso Lewinsky

Mentir sob juramento e obstrução à justiça: foram estes os dois crimes graves que levaram a Câmara dos Representantes, de maioria republicana, a iniciar o processo de impeachment contra o presidente Bill Clinton a 8 de outubro de 1998. A mentira referia-se à garantia dada sob juramento pelo democrata de que não tivera relações sexuais com a ex-estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky. O caso entre os dois, que durara entre 1995 e 1997, tornara-se público em janeiro de 1998, através do siteDrudge Report. No final desse mês, Clinton garantia: "Eu não tive relações sexuais com essa mulher, Monica Lewinsky."

Alvo de uma investigação por parte do procurador Kenneth Starr, Clinton acaba por ser julgado também no Senado. A 12 de fevereiro de 1999 caia o veredicto: o presidente era ilibado com 55 votos a favor da destituição e 45 contra, longe dos 67 necessários para chegar aos dois terços. A verdade é que, apesar deste processo, Clinton chegou ao fim do mandato, em 2001, com uma popularidade de 66% - acima dos 56% com o que o seu antecessor, George H. W. Bush, terminou o mandato e a anos-luz dos 34% do filho deste e sucessor de Clinton na presidência, George W. Bush.

DESTITUIÇÃO - um processo complexo que nunca resultou

Afinal, o que é o impeachment?
O impeachment - ou processo de destituição - consiste em acusações contra o presidente, que formem a base para um julgamento. Segundo a Constituição dos EUA, um presidente deve ser afastado do cargo em caso de "traição, suborno ou outros crimes graves".

Como funciona o processo?
Depois de a Câmara dos Representantes dar início ao impeachment - basta uma maioria simples dos votos -, se se considerar que há provas para isso, o julgamento passa para o Senado, onde são necessários dois terços dos votos para destituir o presidente.

Quem participa no julgamento no Senado?
O julgamento do impeachment no Senado é presidido pelo presidente do Supremo Tribunal (hoje John Roberts), enquanto a acusação fica a cargo de membros da Câmara dos Representantes e os senadores funcionam como júri. O presidente pode nomear advogados de defesa.

É provável Trump ser destituído?
Neste momento parece difícil. É que se os democratas têm a maioria na Câmara dos Representantes, os republicanos, o partido do presidente, têm a maioria no Senado. Ora, para obter os dois terços dos votos necessários para aprovar a destituição de Trump, alguns republicanos teriam de votar contra o presidente. Até agora, salvo raras exceções como o senador Mitt Romney, a maioria tem mantido lealdade a Trump.

Os americanos apoiam o impeachment de Trump?
Olhando para as sondagens realizadas depois de revelada a chamada entre Trump e o presidente ucraniano em que o americano pressiona o homólogo a investigar Joe Biden, podemos ver uma ligeira subida do apoio ao impeachment de Trump. O último estudo YouGov para o Huffington Post dá 47% dos americanos a apoiar a destituição do presidente, mais dez pontos percentuais do que em abril, depois de divulgado o relatório do procurador especial Robert Mueller sobre o alegado conluio entre a administração Trump e a Rússia para influenciar as presidenciais de 2016.

Algum presidente americano já foi destituído?
Não. Só três foram alvos de impeachment. Andrew Johnson, em 1868 e Bill Clinton, em 1999, foram absolvidos no Senado, Richard Nixon, em 1974, demitiu-se antes do julgamento.

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