Roma reconcilia-se com padre nicaraguense suspenso por João Paulo II

Papa Francisco enviou uma carta a Ernesto Cardenal, o sacerdote que na década de 1980 integrou o Governo de Daniel Ortega, a informá-lo do levantamento da suspensão das suas funções no sacerdócio imposta há 35 anos.
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Aos 94 anos, o sacerdote, cardeal, poeta, ativista político, Ernesto Cardenal, recebeu a carta que tanto ansiava e que o libertava da suspensão das suas funções na Igreja Católica, imposta pelo Papa João Paulo II, em 1983.

O castigo atribuído a Cardenal, foi assim que muitos o classificaram, por ser um ativista político na Nicarágua, tendo chegado a ministro da Cultura, foi agora levantado por Jorge Bergolio, e, por pouco, poderia chegar tarde, referem elementos da igreja ao El País, já que o sacerdote se encontra hospitalizado com, uma infeção renal.

No entanto, e segundo o mesmo jornal, o Núncio Apostólico da Nicarágua, o alemão Stanizlaw Waldemar Sommertag, foi visitar Ernesto Cardenal ao hospital e já se ofereceu para celebrar com ele a sua primeira missa, ao fim de 35 anos. Também o bispo auxiliar da arquidiocese de Manágua, Sílvio José Báez, esteve com o sacerdote na quinta-feira e lhe terá dito: "Peço-lhe a benção como sacerdote da Igreja Católica."

A suspensão das funções de sacerdote foi aplicada a Ernesto Cardenal depois do dia 6 de março de 1983, quando o Papa João Paulo II, chegou a Manágua para uma visita à região da América Central. A correspondente do EL País, naquela altura no Vaticano e que viajou no avião do Papa do México para a Nicarágua, conta ao jornal que João Paulo II terá chegado àquele país, já tenso e irritado.

No México, o Papa tinha condenado a teoria da libertação, da qual Ernesto Cardenal se assumia como seguidor enquanto teólogo, e não conseguiu disfarçar a sua irritação ao descer do avião e deparar com o sacerdote nicaraguense que o recebeu de joelhos e lhe terá dito: "Bem-vindo à Nicarágua livre Graças a Deus e à revolução." Depois, teve também Daniel Ortega a recebê-lo e a fazer um discurso de meia hora sobre a revolução. E cada vez que o Papa tentava falar, era interrompido pela multidão que o esperava que gritava: "Entre cristianismo e revolução não há contradição." Perante a impotência para terminar o seu discurso, o Papa terá dirigido olhares de ira aos três elementos da Junta do Governo que ocupavam o lado direito do palco onde falava.

Juan Arias, o correspondente do El País, conta tudo isto num texto que escreveu no verão passado sobre este episódio e justifica a atitude de João Paulo II da seguinte forma: "Era difícil para o pontífice, que tinha vivido na Polónia e sofrido a dureza do comunismo soviético, aceitar que da revolução sandinista fizesse parte uma ala mais aberta e social da igreja." Arias conta que estava ao lado do cardeal Cardenal quando este se ajoelhou perante João Paulo II e lhe pegou nas mãos para as beijar, mas o Papa retirou-as. Cardenal pediu-lhe a benção e o Papa, levantou a mão direita e disse-lhe: "Antes tem de se reconciliar com a Igreja católica."

João Paulo II esteve no pontificado até 2005, seguiu-lhe Joseph Ratzinger, Bento XVI, que era um defensor da Congregação para a Doutrina da Fé, e Ernesto Cardenal não pôde ter qualquer esperança de que a suspensão lhe fosse retirada. Durante mais de três décadas, o Vaticano pressionou Ernesto Cardenal para que escolhesse entre a sua fé em Deus e os seus ideais revolucionários.

Mas o teólogo Ernesto Cardenal, nascido em Granada, Nincarágua, em 1925, nunca o fez, pois, justificava, não se podia atraiçoar a ele próprio. Passou a escrever, muito, poemas místicos, mas sofria, também muito, afirmando estar cada vez mais triste com os desvios ou mudanças nos governos e política de Ortega.

A situação mudou quando Jorge Bergolio foi eleito Papa. Assim que assumiu funções dirigiu-lhe mensagens e Ernesto Cardenal, que sempre levou uma vida oração e contemplação, sentiu que poderia ter alguma esperança na mudança. Em 2016, o Papa recebeu um livro escrito por Cardenal e com uma mensagem do próprio. No dia 2 de fevereiro de 2019, o então sacerdote nicaraguense recebeu a visita do Núncio Apostólico na Nicarágua para lhe dizer que a sua suspensão tinha terminado.

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