Moçambique. Centro de socorro cheio de crianças, mas sem comida
"Desde ontem, ainda não comi. Fui informada que a comida acabou", conta à Agência Lusa Guida António, em tom preocupado, porque sem comer tem dificuldade em amamentar o recém-nascido. "Sem comer não tem como sair leite para a criança mamar", lamenta, de olhos arregalados, como quem procura à sua volta por uma solução.
É uma das centenas de pessoas desalojadas pela passagem na sexta-feira do ciclone Idai no centro de Moçambique - que poderá ter provocado a morte a cerca de mil pessoas estando até ao momento confirmados 84 óbitos - e que agora enfrentam a fome devido à escassez de assistência humanitária nos centros de apoio criados de forma espontânea em escolas públicas.
Uma outra moradora relata que o desespero por falta de apoio alimentar tem aumentado diariamente no centro instalado na escola de Trangapasso, porque os únicos meios de sobrevivência ficaram soterrados quando a sua casa desabou.
"Temos problema de comida", diz Amina Zacarias, moçambicana que está com seis filhos no centro de apoio, a dormir e a comer no chão de uma sala de aula onde as mesas e cadeiras dos alunos foram empurradas para um canto. Agora, no meio da sala há uma fogueira, mas a água ao lume já só tem um resto de farinha de milho.
Amina pede que as autoridades distribuam tendas para as famílias recomeçarem a vida, "desenrascar" o dia-a-dia nos bairros de origem, na esperança de que as águas desçam e possam voltar às hortas que conhecem, nas quais sabem onde procurar comida.
Entre o choro de crianças a sofrer com fome, a população alojada nos centros de abrigo clama por assistência humanitária urgente, para poder enfrentar a crise da falta de alimentos.
"Estamos a sofrer com fome" desabafa Maria Chuva, uma idosa que sustenta sozinha quatro netos no centro de alojamento, adiantando que "outros estão a recorrer a maçaroca [de milho]", mas ela, por falta de dentes já não a consegue comer.
A primeira assistência às vítimas instaladas no centro de apoio na escola de Trangapasso, Chimoio, chegou através da organização Save The Children, mas o donativo apenas chegou para alimentar os desalojados durante dois dias, estando desde domingo sem reabastecimento.
"As pessoas estão a tentar, à sua maneira, conseguir comida", contou à Lusa Carlos Zambo, um professor desalojado pelo ciclone. Zambo disse que as autoridades já encontraram um lugar para instalar um outro centro para que a população desocupe as salas de aulas.
Pelo menos duas pontes desabaram e outras cinco estão submersas nos distritos de Sussundenga e Mossurize, na província de Manica. O distrito do Mossurize está isolado do resto da província, só sendo possível o contacto por terra via Zimbabué.
O cinturão verde da cidade de Chimoio, que garante o sustento de centenas de famílias, através de produção de cereais e hortícolas, tem as culturas alagadas.
O ciclone, com fortes chuvas e ventos de até 170 quilómetros por hora atingiu a Beira, a quarta maior cidade de Moçambique, na quinta-feira à noite, deixando os cerca de 500 mil residentes sem energia e linhas de comunicação.
No Maláui, as estimativas do Governo apontam para que tenham sido afetadas mais de 920 mil pessoas nos 14 distritos afetados, incluindo 460 mil crianças. Há registos de pelo menos 56 mortos e 577 feridos.
No Zimbabué, a avaliação das autoridades apontava para cerca de 1600 casas e oito mil pessoas afetadas no distrito de Chimanimani, em Manicaland, com registos de 82 mortes e 217 pessoas desaparecidas.