Rei recebe partidos e Espanha faz contas à "geringonça" de Sánchez
Pela sexta vez desde que assumiu o trono em junho de 2014, o rei Felipe VI lançou no palácio da Zarzuela a ronda de consultas aos partidos com representação parlamentar para a formação de governo. Em comparação, o pai, Juan Carlos I, que foi monarca durante quase 40 anos até abdicar a favor do filho, só fez dez rondas de consultas durante todo o seu reinado.
O primeiro líder partidário que Juan Carlos recebeu foi Adolfo Suárez, o mais votado nas primeiras eleições democráticas, em 1979. Mas as coisas mudaram desde então e o mais votado a 28 de abril, o socialista Pedro Sánchez, será agora o último a ser recebido por Felipe VI, que começou esta quarta-feira as consultas com os oito partidos que elegeram menos representantes, e que esta quinta-feira recebe os restantes sete. Tanto a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) como os independentistas bascos do EH Bildu rejeitaram participar nestas consultas.
Num Parlamento tão dividido como o espanhol, os pequenos partidos podem fazer a diferença para que Sánchez consiga desenhar a sua geringonça ou pelo menos uma maioria absoluta de 176 -- necessária para ser eleito na primeira votação -- ou uma maioria simples, com a qual pode ser investido na segunda votação, 48 horas depois. Ainda não há datas para a sessão de investidura, mas calcula-se que possa ser na primeira semana de junho.
As eleições de 28 de abril deram 123 deputados aos socialistas de Sánchez, seguido pelo PP de Pablo Casado com 66, o Ciudadanos de Albert Rivera com 65, a coligação Unidas Podemos de Pablo Iglesias com 42 e o Vox de Santiago Abascal com 24. Os independentistas catalães conseguiram, no total, 22 deputados, pertencendo 15 à ERC e os restantes sete ao Junts per Catalunya. O Partido Nacionalista Basco (PNB) elegeu seis deputados, o Bildu mais quatro, a Coligação Canárias outros dois. A plataforma Navarra Suma (Na+) elegeu dois, o Compromís um e o Partido Regionalista da Cantábria o último dos 350 deputados.
Apesar de estar longe da maioria, Sánchez tem dito que prefere um governo minoritário, apoiado pela Unidas Podemos, em vez de uma coligação, que é a opção defendida por Iglesias. Isto porque até a aliança entre ambos não garante a maioria necessária para governar. Assim, a opção seria uma geringonça à portuguesa, que Sánchez elogiou no passado, com posições conjuntas com objetivos comuns e independentes próximos do Podemos em alguns cargos. E deixaria a porta aberta a outras alianças com partidos com menos representantes, sabendo-se que o líder socialista quer fugir ao apoio dos independentistas catalães.
Os juristas do Congresso espanhol não facilitaram as contas a Sánchez, decretando que a maioria absoluta continua a ser de 176 deputados, apesar de haver quatro deputados suspensos - os quatro independentistas catalães que estão a ser julgados por rebelião, sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração independentista.
Pelo menos um deles, Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), deverá renunciar ao cargo, já que foi eleito eurodeputado a 26 de maio. Os restantes três podem manter o cargo, mas não podem assistir às sessões da Câmara nem exercer o direito de voto enquanto estiverem a ser julgados. Nenhum dos quatro recebe salário.
Caso os quatro não contassem para as contas, isso significava que a Câmara dos Deputados teria apenas 347 lugares e a maioria absoluta seria de apenas 174.
Ao ficar a maioria em 176, Sánchez precisa do apoio do PSOE, do Unidas Podemos, do Partido Nacionalista Basco, do Compromís, do Partido Regionalista da Cantábria e, pelo menos, a abstenção da Coligação Canária ou da aliança Navarra Suma para conseguir a maioria simples na segunda votação.
O segundo dia de consultas do rei começa com Laura Borrás, do Junts per Catalunýa, às 10.00 (9.00 em Lisboa), seguindo-se Jaume Asens dos catalães En Comú Podem - Guanyem el Canvi. Antes do almoço, Felipe VI recebe ainda Santiago Abascal, do partido de extrema-direita Vox, e Pablo Iglesias, do Podemos, no outro lado do espetro político. À tarde é a vez de Albert Rivera, do Ciudadanos, e de Pablo Casado, do Partido Popular. Sánchez fecha as consultas, às 18.00 (17.00 em Lisboa).
O primeiro a ser recebido por Felipe VI, na manhã desta quarta-feira, foi José María Ángel Mazón, do Partido Regionalista da Cantábria (elegeu um deputado). Quer ver de Sánchez um compromisso com a construção da linha ferroviária de alta velocidade de Palencia a Cantábria, com um custo inicial de mil milhões de euros, assim como um estudo para outra linha que ligue Bilbau a Santander, em troca do apoio do partido. Também exige que não haja "concessões fora da Constituição" aos independentistas.
Joan Baldoví, do Compromís (um deputado), partido regional da Comunidade Valenciana, referiu que a condição da sua formação é "um acordo claro, nítido e com calendário" para uma reforma do sistema de financiamento autonómico. Lembrando que também Múrcia ou as Ilhas Baleares sofrem do mesmo problema.
Por seu lado, Juantxo López de Uralde, do partido ecologista Equo, que elegeu um deputado dentro da aliança Unidas Podemos, disse ao monarca que só votará a favor de Sánchez se o socialista aceitar um governo de coligação.
O último a ser recebido de manhã foi José Javier Esparza, da União do Povo Navarro (UPN, dois deputados), que deixou entender a Felipe VI que o partido está disponível para facilitar a investidura de Sánchez (através de uma abstenção no segundo voto) se os socialistas apoiarem a coligação Navarra Suma (que inclui o UPN, mas também o PP e o Ciudadanos) para a o governo autonómico da região. A aposta neste momento em Navarra é um governo socialista que, no mínimo, precisa de uma abstenção dos independentistas bascos do EH Bildu.
"Está em risco a essência, o ser como país. Disse ao rei que desde a UPN defendemos um acordo para que o independentismo não mande em Espanha e não decida o futuro de Espanha. Tal como não acreditamos que seja bom para Navarra, acreditamos que não é bom para Espanha", referiu. Esparza à saída do encontro.
De facto, as negociações para a formação do governo espanhol decorrem ao mesmo tempo que as negociações para a formação de vários governos autonómicos e municipais, o que poderá tornar as contas mais complicadas para Sánchez.
Da parte da tarde, a primeira a ser recebida pelo rei foi Ana Oramas, da Coligação Canária (dois deputados no Parlamento espanhol). "A Coligação Canária voltou a dizer ao rei que não apoiará em nenhum caso um governo de coligação com o Podemos, nem um governo programático com o Podemos", disse à saída do encontro, explicando que está disponível para dialogar com um governo socialista de minoria. Aliado com o Podemos, Sánchez não contará sequer com a abstenção da Coligação Canárias.
Seguiu-se Yolanda Díaz Pérez, do Galiza en Común (que fazem parte da aliança Unidas Podemos), que reiterou que os eleitores pediram nas urnas "um governo progressista" e que "não queremos um governo precário, mas estabilidade". Defende por isso um "acordo programático" de governo, indicando que vai reivindicar compromissos para com a Galiza para dar um voto positivo à investidura de Sánchez.
Alberto Garzón, coordenador da Esquerda Unida, defendeu junto do rei um "governo que parta de um acordo estável"; mas alertou para o risco de uma aliança entre PSOE e Ciudadanos. "Acho que a outra alternativa que está a ser posta em cima da mesa, que é o possível governo entre Ciudadanos e PSOE, é um governo que dão os números, mas que seria de mais continuísmo, mais políticas de direita e conservadora na economia", disse aos jornalistas no final do encontro.
Mas lembrou que "em qualquer negociação não há nada grátis"; defendendo que os milhões de eleitores da aliança Unidas Podemos, à qual pertence, "merecem um reconhecimento". E queixou-se que ainda não foi chamado por Sánchez para dialogar. "Parece que estão a levar tempo para ver se aparecem outras opções", referiu. "A bola está no lado do PSOE; que foi quem ganhou as eleições e tem que começar as negociações", concluiu.
O último a ser recebido pelo rei foi Aitor Esteban, do Partido Nacionalista Basco (seis deputados), que só falará na quinta-feira aos jornalistas.