"Portugal e o espaço de língua portuguesa estão no radar do Cazaquistão"
Fala-se da possibilidade de haver ensino de português em universidades do Cazaquistão. Está para breve?
Acredito que sim. Portugal e o Brasil estão a trabalhar nesse sentido, temos uma proposta de acordo para consideração com as autoridades cazaques e aguardamos uma resposta. Houve, de início, uma tomada de posição do lado cazaque no sentido de existir um interesse para que isso se fizesse e as perspetivas são boas. É um bocadinho difícil dizer em que altura se poderá concretizar, mas diria que sim.
Isso significa que os cazaques, independentes só desde 1991, perceberam que o mundo lusófono pode ser importante também para os negócios e mesmo para a sua afirmação externa?
Não há dúvida nenhuma. Este é um país que se quer abrir ao mundo. Um país que está geográfica e historicamente bastante isolado mas com uma grande vontade de se dar a conhecer e de aproveitar oportunidades nos relacionamentos com outros espaços e Portugal e o espaço de língua portuguesa estão definitivamente no radar do Cazaquistão.
Temos alguma comunidade portuguesa no Cazaquistão?
A comunidade portuguesa é pequena mas muito presente e tenho muito orgulho nela. São pessoas jovens, dinâmicas e que colaboram imenso com a embaixada. Estamos a falar de jovens quadros nas empresas portuguesas e em algumas internacionais e na área do ensino.
Também há pilotos da Air Astana, certo?
Há dois.
Isto tudo somado...
Bem contados são uns 15.
Falou também de empresas portuguesas.
Existem várias. Há neste momento um maior interesse de parte a parte para explorar novas oportunidades de concretização de investimentos e tenho alguma expectativa de que em breve possam ser mais. Temos casos concretos de sucesso neste mercado.
Por exemplo?
Empresas que vendem tecnologia, eletrónica. Há também uma empresa de arquitetura que faz, com bastante sucesso, o interior de exposições e de grandes eventos. Temos recentemente um investimento que não está concretizado mas que já tem o contrato assinado na área da agricultura. Não há uma área dominante, há áreas diversas mas com uma série de histórias de sucesso. O empresário português quando chega o momento de pensar na internacionalização pensa naturalmente nos espaços mais próximos e com os quais tem mais ligações, onde as barreiras de acesso ao mercado serão menores e o Cazaquistão não está em primeiro lugar nessa lista mas existem aqui oportunidades e é um país que dá algumas garantias aos investidores e que está a trabalhar muito no sentido de melhorar o clima de investimento.
Confirma a ideia de que apesar de ser um país de maioria islâmica, o Cazaquistão é liberal em termos de costumes e muito aberto a estrangeiros?
É um país que cultiva muito a tolerância e a promove a nível internacional num plano religioso-étnico, que é um resultado da sua própria diversidade, e é francamente um bom exemplo. Isso reflete-se numa abertura ao estrangeiro, numa compreensão para com a diferença que o estrangeiro traz consigo, sempre com uma medida de exigência de respeito pelas tradições locais e pelas regras e pelos comportamentos, mas nada de muito difícil ou que constitua dificuldade para o português que aqui se instale.
Sei que é casado com uma cazaque e que tem uma filha meio portuguesa, meio cazaque. Aqui há, portanto, um diplomata que não é só um visitante. Sente que há uma ligação ao país que lhe dá uma visão mais aproximada?
O país é-me próximo por esse motivo, já era antes de ser aqui colocado. Acima de tudo permite-me um maior entendimento do porquê das diferenças. Já estive em vários países do mundo, tenho a noção de que os seres humanos são muitíssimo mais iguais do que diferentes. Mas eu, pela minha posição e pela minha forma de inserção na sociedade cazaque, tenho uma perceção mais precisa e direta de porque é que as coisas são como são.
Como se chama a sua filha?
Alma.
Alma porquê?
Porque é um nome comum às duas línguas. A lista é bastante reduzida. Alma em português sabemos o que é, em cazaque quer dizer maçã. Não terá a mesma profundidade nas duas línguas mas foi a solução. É um nome muito comum no Cazaquistão.
Que idade tem a Alma?
Vai fazer 4 anos.
É criada no Cazaquistão, com mãe cazaque, mas o pai fala com ela em português?
O pai fala com ela em português e ela fala exclusivamente português com o pai.
Estamos a falar de um país que fazia parte da União Soviética, de um país encravado que não tem acesso aos oceanos. É um país que, no entanto, tem feito muito pela afirmação internacional. Neste momento, o Cazaquistão destaca-se na luta contra a proliferação nuclear. Tiveram armas nucleares no seu território e desistiram delas no fim da União Soviética. Isto foi uma decisão sobretudo pragmática do presidente Nursultan Nazarbaiev, pai da independência?
Foi uma decisão pragmática na altura. Penso que a decisão certa, mas acima de tudo é preciso realçar outra coisa: a decisão foi tomada no momento certo mas depois houve também uma vontade de usar este posicionamento na cena internacional para ser a verdadeira imagem de marca da diplomacia cazaque e o Cazaquistão tem tido uma posição de liderança em matéria de não proliferação nuclear, que continua a ser muito relevante hoje em dia e obviamente são objetivos com os quais genericamente concordamos e que apoiamos e que são um dos pontos de convergência entre a nossa visão do mundo e a deles. E no caso cazaque há razões específicas para isto. O Cazaquistão tinha aqui vários dos principais centros de testes de armas nucleares durante o regime soviético e sofre ainda hoje as consequências nos ecossistemas e nas condições de saúde das populações das zonas afetadas. Há uma sensibilidade particular.
Estamos a falar do Polígono de Semipalatinsk?
Esse era o maior mas existiam várias outras áreas onde foram testadas armas nucleares e materiais radioativos.
Só nesse principal foram feitos mais de 400 testes nucleares, incluindo o primeiro de todos pela União Soviética, em agosto de 1949.
Era uma zona, que por ser remota e com uma densidade populacional reduzida, considerada ideal. Também faziam no Ártico, que era mais difícil por razões climatéricas.
Essa densidade populacional baixa - estamos a falar de um país com 18 milhões de habitantes mas 30 vezes maior que Portugal - também mostra como os cazaques têm de fazer um equilíbrio muito grande com os dois gigantes vizinhos: Rússia e China. Como é que isso se sente?
Têm boas relações com os dois e procuram cultivá-la e conseguir os equilíbrios possíveis. Eles chamam à sua principal forma de classificação da política diplomática multivectorialidade, que significa que não querem colocar os ovos todos no mesmo cesto, embora tenham a sua inserção no espaço que é o espaço da antiga União Soviética e com uma proximidade grande à Rússia. Há uma grande abertura em relação ao investimento chinês e essa abertura está a ser correspondida. Constatamos todos os dias uma maior presença do interesse económico chinês. Mas é preciso não exagerar e não romantizar este quadro. A União Europeia mantém-se como o principal exportador e investidor no Cazaquistão.
Talvez por ter esta posição encravada entre dois gigantes, o Cazaquistão apostou, desde 1991, na ligação forte com Europa e os Estados Unidos?
Muito, fruto da oportunidade e da necessidade, que eram na altura ainda mais prementes do que são hoje. Hoje continuam a ter a necessidade de seguir um caminho equilibrado e que permita aproveitar as oportunidades que essas relações podem trazer.
Daquilo que conhece dos cazaques, eles têm noção do que é que foi Portugal na História do mundo?
É um dos poucos povos em relação aos quais não tivemos grandes contactos. Sabem que Portugal existe como um conceito que é ensinado e que já o era no tempo soviético. E se a nossa expansão que no tempo soviético não era classificada como muito positiva, havia um apreço pelos portugueses e pela capacidade que haviam demonstrado de criar esta presença à volta do mundo. Eles veem-se também como navegadores da grande Eurásia, como elo de ligação entre os diversos interesses deste grande continente.
Estamos a falar de um povo de língua turca mas que também tem imensas minorias (russos, usbeques, alemães, coreanos, tártaros). Essa coexistência é pacífica?
É e é uma coexistência muito trabalhada, há uma consciência muito grande das autoridades e das comunidades da necessidade de manter a tolerância mútua e de mostrar este exemplo a nível internacional, que tem a sua relevância também em sítios onde existem grandes dificuldades.
O presidente Narzabaiev é uma figura incontornável porque é o pai da independência e, mesmo se deixou de ser presidente este ano, passando o testemunho a Kassym-Jomart Tokayev, mantém uma tutela grande sobre o país, e até a nova capital foi rebatizada com o nome dele. O grande desafio do Cazaquistão vai ser o pós-Narzabaiev?
Há uma vontade muito grande do aparelho político de garantir uma continuidade. Obviamente Narzabaiev é uma referência incontornável, congregou o respeito e a consagração da generalidade da população, conseguiu definir objetivos que foram seguidos e permitiram manter a unidade do país. Permitiram também um grau considerável de desenvolvimento mas ninguém dura para sempre. Não penso, e falo do ponto de vista dos interesses portugueses que aqui estão, que independentemente de tudo o que possa suceder que haja um risco particular de grande instabilidade. Os cazaques conseguirão encontrar soluções, sempre numa ótica de pragmatismo e de aposta no desenvolvimento e desenvolvimento económico.
Aconselhava empresas portuguesas a virem para o Cazaquistão?
Aconselho a que considerem. Obviamente existem barreiras de acesso que são importantes, como a linguística e cultural, estamos às portas da China... mesmo a presença atual portuguesa mostra que não é do dia para a noite que as coisas vão mudar, mas o êxito comprova que é possível. O essencial é conhecer bem o mercado, ter bons parceiros locais e esse trabalho as empresas sabem como o fazer. Venham ver, experimentar. Nos dois sentidos, há uma necessidade de melhor conhecimento.