Pai solteiro adotou menina com Síndrome de Down rejeitada 20 vezes

Luca Trapanese, italiano de 41 anos, gay, católico, é pai solteiro. Em 2017, adotou Alba, uma menina com Síndrome de Down, hoje com 18 meses, que fora rejeitada não só pela mãe biológica, como por 20 potenciais pais adotivos
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É uma história de amor incondicional que está a dar que falar em Itália. Luca Trapanese, italiano de 41 anos, de Nápoles, sempre trabalhou com pessoas com deficiência e sempre quis ter a sua própria família. Nunca desistiu disso. Gay, católico, adotou no ano passado Alba, uma menina com Síndrome de Down, que tem hoje 18 meses.

Rejeitada pela mãe biológica, mas também por duas dezenas de famílias candidatas à adoção, Alba surgiu na vida de Luca quando tinha apenas 1 mês. A menina que ninguém queria foi, para ele, a filha desejada. Recentemente, publicou um livro a contar toda a história. O título é Nata per Te, ou seja, Nascida para Ti.

Convidado para debates e talk shows em todo o país, Luca Trapanese diz receber 500 mensagens por dia, tem 10 mil seguidores no seu perfil público do Facebook e mais de 5600 na sua conta de Instagram. Nela partilha alguns dos momentos que ilustram como é o seu dia a dia de pai solteiro com Alba. E não só. Ao programa Outlook, da BBC World Service, transmitido na semana passada, contou como tudo começou.

"Quando eu tinha 14 anos, o meu melhor amigo, Diego, descobriu que tinha cancro em estado terminal. Quando soube disso, nunca mais saí do seu lado, fui ao hospital com ele, ajudei-o com os trabalhos de casa, estive lá quando precisou de mim. Os pais dele tinham que trabalhar, então eu ficava com ele, acompanhei-o durante essa experiência terrível. Até ao fim. Apesar de sermos apenas crianças na altura, tínhamos consciência da tragédia, o Diego era o meu melhor amigo e faria tudo para o ajudar. A morte dele deixou-me com uma consciência profunda do que é viver com uma doença. Foi por isso que comecei a ser voluntário da Igreja em Nápoles, ajudando pessoas com deficiência, foi uma grande experiência. Conheci aí muita gente que ficou minha amiga para toda a vida".

Quando percebeu que queria ajudar os outros pensou em tornar-se padre. Aos 25 anos entrou no seminário e aí ficou dois anos. Até que conheceu um homem por quem se apaixonou e teve que deixar de lado o seminário. Viveram juntos 11 anos. Juntos fundaram uma organização, em Nápoles, que trabalha com pessoas com deficiência. Organiza várias iniciativas, como viagens, por exemplo, tendo criado laços com centenas de pessoas ao longo dos anos. Um dia, uma colaboradora perguntou-lhe se podia adotá-lo para que, quando ela morresse, o filho dela tivesse um irmão. "Ao princípio fiquei hesitante, pois os meus pais biológicos poderiam achar que estava a traí-los, mas depois de falar com eles, disseram compreender. Fomos aos tribunais e então, agora, tenho duas mães". Francesco, o filho de Florinda, começou, de imediato, a tratá-lo como família. Foi aí então que Luca pensou, mais a sério, em começar a sua própria família.

"Eu e o meu companheiro sempre falámos em adotar e concordámos que adotaríamos uma criança com deficiência. Infelizmente, separámo-nos, há uns anos, eu mudei-me para uma casa sozinho. Foi um desafio. Porque eu ainda queria ser pai. Mas, na altura, em Itália, não era possível um pai solteiro adotar. Depois as coisas mudaram e, em 2017, pude candidatar-me à adoção. Disseram-me que só teria hipótese de receber uma criança que mais ninguém quisesse. Com problemas. Não tive problemas com isso e disse que não tinha problemas em adotar quem quer que fosse. Por causa da minha experiência pessoal sabia que tinha as ferramentas necessárias para lidar com qualquer problema que uma criança pudesse ter".

Em julho do ano passado, Luca recebeu um telefone do tribunal, a dizer que tinham uma menina para ele. Que ela se chamava Alba, tinha 1 mês de vida, sofria de Síndrome de Down, fora abandonada pela mãe biológica e rejeitada 20 vezes, segundo refere o programa Outlook da BBC World Service. Ele disse imediatamente que sim. E correu para o hospital para ir buscá-la. "Senti de imediato que ela era a minha filha. Apresentei-a à minha família. Às pessoas da minha organização. As minhas duas mães disseram-me já que eu não estava a segurá-la bem, mas tenho personalidade forte, por isso, umas vezes faço o que me dizem, outra não. Estou a brincar. Elas são duas avós magníficas, adoram cuidar da Alba, estou muito grato por existirem nas nossas vidas".

Atualmente, Alba tem 18 meses e, segundo o pai adotivo, "é muito alegre, gosta de dançar e brincar todo o dia, conviver com outras pessoas". Às vezes leva-a para o trabalho com ele. "Ela adora". Luca explica que a chegada de Alba revolucionou a sua vida e que, hoje em dia, tudo gira em torno dela. "Ela trouxe-me felicidade. Preenche-me. Tenho orgulho em ser pai dela. A Alba nunca foi a minha segunda escolha. Queria que ela fosse a minha filha". Ser pai solteiro, admite, é difícil, mas sublinha: "Tenho colegas cujos cônjuges trabalham todo o dia e passam também igualmente por muitas dificuldades".

O livro Nata per Te vendeu já 10 mil cópias em Itália. Agora, Luca é presença habitual em debates e talk shows um pouco por toda a Itália. E enfrenta o facto de muitas pessoas não concordarem que um homem solteiro, gay, possa adotar uma criança. "A minha história e a da Alba esmaga tantos estereótipos, a nível da parentalidade, da religião, da família. Mas, no final de contas, esta é, apenas, mais uma história de vida".

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