"O governo português é o modelo para a Grécia quando sair do memorando"

Entrevista ao primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, à margem da reunião dos socialistas europeus, em Lisboa
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De fato, mas sem gravata, como é sua marca. Foi um Alexis Tsipras prestes a ir para o aeroporto que recebeu o DN no Hotel Intercontinental em Lisboa para falar da Grécia, do Eurogrupo e também do governo de António Costa como modelo para o pós-2018, quando termina o período de assistência financeira. Antes esteve à conversa com Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, e Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda. Bem-disposto, em vez dos 15 minutos combinados falámos ao todo durante uns 40 minutos, perguntando mesmo se Leonídio era nome grego. No final, conversámos (já sem gravar) sobre aquela semana louca do verão de 2015 em que convocou um referendo sobre a Europa. Contei-lhe que estava lá de férias com a família e que tudo correu bem, tendo até escrito diariamente para o DN uma minicrónica com o mote "turista num país em crise". Aceitou ainda posar para Gerardo Santos, mesmo olhando para o relógio a pensar no avião. Uma rara entrevista do primeiro-ministro grego, conseguida graças ao envolvimento da embaixadora Ekaterini Simopoulou e da conselheira de imprensa Margarita Adamou. Tsipras esteve em Lisboa para uma reunião dos socialistas europeus.

Em 2018, a Grécia sairá finalmente do período do terceiro pedido de resgate. É uma vitória para o povo grego, mas também considera ser uma vitória sua, enquanto primeiro-ministro?

Antes de mais, é uma vitória para o povo grego. Para mim, é a realidade a dar-me razão, mas não gosto de debater a política em termos pessoais. Porque acredito que é um assunto do coletivo. Penso que a saída do memorando, ao mesmo tempo que conseguimos proteger as pessoas mais vulneráveis e travar a catástrofe no meu país, é um feito muito significativo, que pertence ao povo grego e não ao governo ou aos políticos. E a mensagem que está implícita é que se o povo resistir, se expressar a sua resistência às políticas correntes, então a balança de poderes na Europa pode mudar. Porque o bem-sucedido cumprimento do programa e a saída do memorando tem que ver com a participação do povo grego nos acontecimentos a partir do verão de 2015. Não esqueça que tivemos uma séria crise. Uma crise que foi financeira mas ao mesmo tempo também uma crise de democracia, ou de falta de democracia. E nós entregámos o poder de decisão ao povo grego através do referendo e depois disso, e de difíceis compromissos, perguntámos a sua opinião nas eleições antecipadas de setembro de 2015. Tivemos pela primeira vez umas eleições depois de um difícil acordo. Os anteriores governos decidiram sempre fazer os acordos só depois das eleições. Nós fizemos o oposto.

E está otimista que nas próximas eleições, previstas para 2019, receberá um novo mandato da parte do povo grego ou considera muito difícil para um governo que teve de lidar com tanta austeridade ser reconduzido?

Os primeiros anos depois das eleições de 2015 foram difíceis. Mas foram decisivos para se concluir os difíceis acordos que trouxeram as reformas necessárias. Os ajustamentos depois foram, claro, mais suaves do que nos anos antes, mas não deixaram de ser ajustamentos. E tiveram de ser feitos porque não havia outra forma de sair do memorando e reganhar a nossa dignidade, a nossa soberania e fazermos as necessárias mudanças para o bem do povo grego. Acredito que agora, aproximadamente a meio do nosso mandato, estejamos num momento crítico. O ambiente político começa a mudar rapidamente na Grécia. E acredito totalmente que se conseguirmos o sucesso da saída do memorando no verão de 2018 isso irá mudar a psicologia das pessoas. Se for agora perguntar aos gregos se acha que isto vai acontecer, a maioria, depois de sete anos de memorandos, irá dizer que não acredita. Mas se isto se tornar um facto, então a psicologia mudará rapidamente. Estou confiante de que no final do meu mandato, a comparação será entre os resultados dos anteriores governos e os do meu governo. Quando cheguei ao poder o desemprego era cerca de 27%, agora é 20% - ainda é alto, mas acredito que em setembro de 2019, quando tivermos eleições, será já abaixo de 17%, o que significa que conseguimos reduzi-lo em dez pontos percentuais, o que é um resultado muito significativo. Assim, a minha intenção não é só minorar as consequências da crise, termos uma boa saída do memorando, mas também conseguir a recuperação da economia grega e não apenas em termos de números da economia. Queremos também melhorar os números sociais. Queremos que as pessoas vejam na vida do dia-a-dia as consequências da recuperação económica. Haver mais empregos, mais justiça social na nossa sociedade, um crescimento justo e inclusivo. Às vezes os números são positivos mas a vida das pessoas continua negativa. Assim, a nossa intenção é mudar a vida das pessoas.

Como vê o futuro da relação entre a Grécia e a União Europeia, e não falo apenas da ajuda financeira mas também da solidariedade em relação à vaga de refugiados que chega pelo mar Egeu?

Estou um pouco preocupado com os desenvolvimentos na Europa. Penso que a Europa enfrentou a crise da pior maneira. As ideias neoliberais prevaleciam na maioria dos governos durante a crise financeira e por isso foi aplicada uma má receita e criou-se uma série de feridas no corpo social da Europa. E isto não só nos países da Europa do Sul, mas também nos do Norte. Acredito que há problemas funcionais estruturais que geram desigualdades. Assim, depois da crise, as desigualdades aumentaram, infelizmente, e agora temos de enfrentar esta situação e tomar decisões corajosas, porque o resultado de tudo isto foi que a União Europeia tornou-se menos atrativa para a sua população, para os jovens, para as classes trabalhadoras e a pior das consequências foi a ascensão da extrema-direita. E essa é a grande ameaça para a Europa no futuro próximo. Não estou otimista porque existem muitas divisões, desigualdades entre países mas também dentro de cada país, nas nossas sociedades. Temos divisões causadas por estes, digamos, governos ultradireitistas na Europa de Leste. Assim, receio que seja necessário tentar refazer os nossos princípios, os nossos valores, os nossos princípios fundadores, que têm que ver com solidariedade, justiça social, igualdade e democracia. Acredito que o mais importante problema na Europa tem que ver com a democracia. Na crise dos refugiados vimos tudo isto. Alguns países pensam que não é um problema deles, mas sim um problema que tem de ser enfrentado pelos países onde chegam os refugiados. Mas não se trata de uma crise local e sim de uma crise europeia, até diria global. São os fluxos de refugiados mais significativos desde a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, o meu país ficou no epicentro de duas crises paralelas, a financeira e a dos refugiados ao mesmo tempo. Tivemos de suportar nos nossos ombros o fardo da Europa. Especialmente nas nossas ilhas a situação foi muito, muito difícil. Assim, naquele momento em que a Europa tinha de mostrar solidariedade, a Europa mostrou antes a sua cara dura. Fechou fronteiras e ao mesmo tempo alguns países, na Europa do Norte e de Leste, disseram não ter qualquer responsabilidade de ajudar a Grécia. Acredito que a Europa não pode progredir sem solidariedade. E acredito que é absolutamente injusto ter regras na economia, e muito rígidas e com mecanismos para serem aplicadas, e ao mesmo tempo haver quem queira ter benefícios mas não queira dar nada em apoio da causa comum, que é o futuro da Europa. A Europa não pode ser uma Europa à la carte. Penso que é este o assunto mais importante para o nosso futuro e temos de conversar sobre isto.

Com o brexit, França e Emmanuel Macron vão ser o único contrapeso a uma União Europeia dominada pela Alemanha?

Essa é uma grande discussão. Em primeiro lugar acredito que os alemães têm de perceber que o seu futuro não passa por criar uma Europa germânica mas sim por uma Alemanha europeia. Em segundo lugar, acredito que o futuro da Europa passa pela cooperação entre Estados membros iguais. O problema foi que tivemos algumas instituições que não funcionaram institucionalmente. As decisões mais importantes foram tomadas à porta fechada. Por exemplo, o Eurogrupo - talvez a instituição mais crucial na Europa - não foi institucionalmente funcional. Quero dizer que o Conselho Europeu é uma instituição. Temos os líderes de cada país e cada um tem igualdade de tempo, de voto. Já o Eurogrupo não é uma instituição institucional.

E vê alguma mudança se o português Mário Centeno for o próximo presidente do Eurogrupo?

Sim. Sabe que o problema não era apenas o presidente do Eurogrupo ter cometido erros, o problema é o funcionamento deste grupo. Por exemplo, no Eurogrupo as decisões são tomadas sem se saber alguns pormenores do que é discutido lá dentro. Isto é significativo para o funcionamento da Europa. Centeno, claro, é uma candidatura muito esperançosa. A primeira coisa que ele tem de fazer é criar mais transparência no funcionamento do Eurogrupo. Não decidir à porta fechada. Nos últimos oito anos, o Eurogrupo foi um grupo em que os ministros das Finanças da Europa discutiram muito, mas no final a decisão era o que Wolfgang Schäuble quisesse fazer. A decisão era o que fossem as intenções da Alemanha. Isto é a realidade. Para mim, o assunto mais crucial na discussão do futuro da Europa é o Eurogrupo, o MEE (Mecanismo de Estabilidade Europeu), as instituições europeias terem uma função democrática e terem de prestar contas. O presidente do Eurogrupo, o presidente do MEE, etc., têm de estar sob o controlo do público e sob o controlo de uma instituição eleita como o Parlamento Europeu ou, porque não, de um parlamento da zona euro - de uma nova instituição. Quero dizer que a maior falha na Europa é a falta de democracia. O maior problema é que os tecnocratas assumiram o papel dos políticos. Os políticos, mesmo que discordemos deles, estão sob o controlo do povo. Porque têm de lhe prestar contas nas eleições. Os tecnocratas não têm de prestar contas a ninguém. Esse é o problema. Estou preocupado com a possibilidade de em determinada altura irmos substituir o FMI, tecnocratas que não têm de prestar contas a ninguém, por uma organização tecnocrática europeia com a mesma função.

Um dos problemas da Europa é a falta de força do centro-esquerda, neste momento?

A falta de credibilidade das forças de esquerda é de facto um problema para a Europa. O facto de os sociais-democratas terem perdido credibilidade por, de uma forma ou de outra, terem as mesmas posições dos conservadores e dos neoliberais. Essa foi a razão pela qual a social-democracia perdeu força na Europa e ao mesmo tempo é a razão pela qual não temos um equilíbrio na liderança europeia. E a União Europeia perdeu a sua credibilidade e a sua capacidade de atração junto das pessoas. Acredito que a social-democracia, o que chama centro-esquerda, atravessa uma grave crise. E acredito que chegou a hora de pensar fora da caixa. Talvez seja a hora de criar algo novo. Precisamos de algo mais radical em termos de propostas para lutar mais por assuntos substanciais em benefício da maioria. Mas ao mesmo tempo ter uma estratégia europeia muito clara e um rumo europeu. Na Europa agora temos três grandes tendências. A tendência do neoliberalismo, pessoas que ainda acreditam que tudo tem de ser regulado pelo dinamismo dos mercados, que os mercados resolvem todos os problemas. Acho que já ficou provado que isso nunca aconteceu. O que acontece é a deterioração dos equilíbrios, aumentando as desigualdades. Esta é a maior tendência na Europa. A segunda tendência é a extrema-direita. Pessoas que acreditam que o problema é termos refugiados, pessoas vulneráveis e que isso cria dificuldades na Europa, por isso temos de os isolar. São as forças da extrema-direita, racistas e xenófobas. E a terceira tendência, é a esquerda. As pessoas e forças que acreditam que é uma necessidade criar uma Europa mais justa, que traga benefícios à maioria. Eu acredito que até agora, neste espectro da terceira tendência, temos uma situação muito frágil e dividida. Há muitas peças, sem uma unidade. Temos de tentar encontrar a nossa base comum porque temos ideias diferentes: socialistas, esquerda radical, comunistas, verdes. É necessário encontrarmos uma base comum para darmos passos para apoiar ações concretas para reduzir as desigualdades e criar uma União Europeia mais justa.

Como comenta a recuperação económica de Portugal? E a solução governativa em Portugal que junta várias esquerdas diferentes?

Para nós, Portugal é um paradigma muito positivo. Em primeiro lugar devido à cooperação de diferentes forças de esquerda. Forças progressistas. Uma das desvantagens das forças de esquerda é que nunca cooperam. Por isso é um bom exemplo de cooperação. Mas não só. O facto de Portugal ter ultrapassado a crise com um desempenho muito bom na economia, que tenha criado espaço para apoiar os mais vulneráveis e implementar políticas sociais é uma boa história de sucesso da esquerda. Mostrou-nos o caminho para, quando sairmos do memorando, fazermos o mesmo.

Portugal pode ser um modelo para a Grécia?

Sim, é o que estou a dizer. O governo português abriu o caminho para a Grécia poder fazer o mesmo quando sair do memorando. Se António Costa conseguiu fazê-lo, claro sem o acordo dos parceiros europeus, mas se o conseguiu fazer e se o deixaram fazê-lo, é algo significativo para nós. Sei que na Grécia, com um governo que não é socialista mas é de esquerda, vamos ter mais dificuldades com o establishment europeu para fazermos coisas a favor da maioria, para fazermos políticas sociais. Mas o que António Costa conseguiu fazer é um paradigma, é um exemplo para nós. E abriu caminho para que possamos fazer o mesmo. Por exemplo aumentarmos os salários, recuperar as relações laborais, os contratos coletivos de trabalho, etc. Aprecio muito o que António Costa, com a cooperação do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, conseguiu fazer em Portugal. É crucial não só para Portugal, mas para toda a Europa. E nesta luta difícil pelo futuro da Europa, temos cooperado de forma muito próxima para lutar por posições que nos deem, a nós forças de esquerda, uma perspetiva para recuperar a igualdade e coesão social na Europa. Esta é a luta mais importante para o nosso futuro comum.

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