Nova Zelândia. "Jacindomania", a primeira-ministra que chega ao povo
"Este é um dos dias mais negros na história da Nova Zelândia". As palavras de Jacinda Ardern, após o ataque a duas mesquitas de Christchurch que fez 50 mortos combinaram com a roupa que vestiu para ir ao encontro das familiares das vítimas. De preto, lenço na cabeça, abraçou mulheres, crianças, deu-lhes a mão e depositou flores com elas. É esta proximidade da primeira-ministra neozelandesa com o povo, mesmo o que veio de fora, que tem garantido o sucesso a esta jovem governante de 38 anos, há um eleita para liderar o executivo daquele país.
Poucas horas após o massacre, Ardern falou para a comunidade atingida com um recado para toda a Nova Zelândia e para os que se poderiam identificar com as ideias e o gesto do supremacista branco Brenton Tarrant, de 28 anos. A líder do governo neozelandês lembrou que muitas das pessoas afetadas podem ser migrantes ou refugiadas, mas que escolheram a Nova Zelândia para a sua casa. "Esta é a sua casa. Elas são nós. A pessoa que perpetrou essa violência contra nós não é".
Na mesma conferência de imprensa que lamentou as vítimas anunciou medidas para travar a violência, a reforma das leis das armas, em particular a transformação de espingardas em armas de guerra, como aconteceu no massacre das mesquitas de Al Noor e Linwood, na sexta-feira passada. No país, acredita-se que Jacinda Ardern, se for rápida, e costuma ser a tomar decisões, conseguirá ultrapassar um dos mais poderosos lobbies do país, que é precisamente o do armamento.
E não é tarefa fácil para esta primeira-ministra. O lobbie das armas é muito forte, apoiado pelo partido Nova Zelândia Primeiro, o partido populista que está no governo em coligação com os trabalhistas e os Verdes, bem como por vários deputados rurais cujos constituintes não querem perder o direito às armas de fogo que usam na caça recreativa ou como ferramentas nas fazenda. A primeira-ministra tem agora a seu favor a opinião pública, mão aceitará a pressão da favor das armas depois dos trágicos acontecimentos. Este apoio só dá mais força a Ardern, que tem vindo a quebrar barreiras no seu país a colocar a Nova Zelândia no mapa do mundo.
Nascida em Hamilton, a 30 de julho de 1980, formou-se na Universidade de Waikato em 2001. A semente da carreira política começou no gabinete da primeira-ministra neozelandesa Helen Clark, onde trabalhou como assessora. Segue-se o mesmo cargo, mas em Inglaterra, no gabinete do então primeiro-ministro Tony Blair e, em 2008, é eleita presidente da União Internacional da Juventude Socialista.
Chega ao Parlamento neozelandês no mesmo ano, através de lista partidária, e em 2017 passou a representar o distrito de Mount Albert, ano em que foi escolhida , por unanimidade, como vice-líder do Partido Trabalhista, após renúncia de Annette King.É também outra renúncia, a do presidente do Partido Trabalhista Andrew Little, que via a sua liderança e o partido desgastados, que a leva ao topo daquela força política. Nas eleições de setembro de 2017, Ardern consegue que o Partido Trabalhista ganhe 46 mandatos no parlamento, mais 14 do que anteriormente, só sendo superada pelo Partido Nacional, que ganhou 56 cadeiras, mas não conseguiu as 61 necessárias para a maioria. O partido da Nova Zelândia Primeiro resolveu dar a mão aos trabalhistas e Verdes e ajudou Adern a ser primeira-ministra.
Ou seja, dois meses depois de se tornar líder do Partido Trabalhista, Jacinda Ardern torna-se a mais jovem líder de governo em 150 anos. A sua ascensão tão meteórica até ganhou nome próprio: Jacindamania. Grande parte do seu sucesso, relatado em várias publicações neozelandesas, foi feito a partir de uma rede muito eficaz de comunicação digital, mas sobretudo pela empatia que Ardern conseguiu com o eleitorado. "A sua capacidade de comunicar com as pessoas e falar de uma maneira aberta e honesta que não soava como um político tradicional ajudou o eleitorado a acreditar que tinha uma visão para o país", disse Andrew Burns, o responsável pela equipa digital do New Zeland Labour.
Por exemplo, numa transmissão ao vivo no Facebook, com o site Newshub, participou com agrado em perguntas sobre a cantora Taylor Swift, sobre o que prefere cantar nos karaokes, no caso Aerosmith, e sobre qual a melhor barrinha de cereais. No dia da sua eleição deixou-se fotografar com uma camisa de xadrez a pintar a cerca da sua casa...
Andrew Burns garante que mesmo depois de ter sido eleita, a primeira-ministra quer manter a proximidade com quem a elegeu. Para isso, tenta gravar vídeos com bastante frequência e partilhá-los nas páginas oficiais das redes sociais para que os neozelandeses saibam o que pensa e o que anda a fazer e interagir com os seus comentários.
A prestigiada Forbes colocou-a como a 29.ª pessoas mais influente do mundo. E porquê? A revista traçou um retrato resumido dos feitos da primeira-ministra neozelandesa:
1. Ardern definiu novas normas como líder do governo quando deu à luz, tirou seis semanas de licença-maternidade e contou que seu parceiro para ficar em casa;
2. Disse que usa sua plataforma para "criar um caminho para outras mulheres" para seguirem seus passos;
3. Ascendeu ao poder aos 38 anos, e é a líder feminina mais jovem do mundo e a primeira ministra mais nova da Nova Zelândia em 150 anos;
4. Como líder do Partido Trabalhista, promete um governo de "empatia" e planos ambiciosos para combater as mudanças climáticas e a pobreza infantil;
5. E anunciou reformas previdenciais, incluindo uma apoio semanal para novos pais e um aumento na licença parental remunerada de 18 para 22 semanas.
A imprensa internacional começou a prestar atenção a Jacinda pela primeira vez em agosto de 2017, quando mostrou que conseguia enfrentar as perguntas machistas sobre a sua liderança. Numa das primeiras entrevistas depois de ter sido eleita, manifestou-se aberta a responder se queria ter filhos e se o novo cargo atrapalhava os planos familiares.
Mas foi na sequência de palavras de um radialista que dias depois afirmou que a Nova Zelândia tinha direito de saber se a primeira-ministra iria gozar licença de maternidade, que Jacinda Ardern reagiu com maior violência ao criticar o machismo inerente a essa situação. "É totalmente inaceitável em 2017 dizer que as mulheres precisam de responder a essa pergunta no seu local de trabalho. A decisão de uma mulher de quando quer ter filhos não deveria predeterminar se elas recebem ou não uma oferta de trabalho".
O marido de Ardern, o apresentador de televisão Clarke Gayfor, considerou, na altura, "surreal" que as suas "habilidades reprodutivas" fossem "discutidas publicamente". E aconteceu mesmo. A primeira-ministra ficou grávida, deu à luz durante o mandato, gozou uma licença de seis semanas e o marido o restante tempo.
Também fez história quando decidiu levar a bebé Neve Te Aroha, de três meses, e o marido a assistir ao seu discurso inaugural na Assembleia Geral da ONU, na homenagem a Nelson Mandela. Neve acompanhou a mãe na viagem porque a primeira-ministra neozelandesa ainda a estava a amamentar. "Uma decisão prática", disse a governante, citada pela BBC.
Foi a primeira vez que uma líder de um país levou um bebé para a Assembleia Geral das Nações Unidas. Jacinda Ardern foi ainda convidada no programa "The Today Show", do canal NBC, e confessou que tinha sido "por vezes tão difícil" governar um país como cuidar de um bebé de três meses durante um voo de 17 horas, da Nova Zelândia até Nova Iorque. Recentemente também esteve no The Late Show, de Stefen Colbert onde também falou da sua aventura na ONU.
Jacinda Ardern estabeleceu como prioridades da sua governação o combate às alterações climáticas, com a criação de uma comissão independente para estudar medidas, e a desigualdade de género. Neste ponto comprometeu-se a que 50% dos membros das suas convenções partidárias sejam mulheres, com a igualdade salarial e dar a possibilidade às mulheres de desempenharem qualquer função.
Descrevendo-se como ideologicamente social-democrata e progressista, a primeira-ministra quer ainda acabar com a pobreza infantil, tornar o ensino superior grátis, descriminalizar o aborto e diminuir a imigração. Em troca do apoio dos Verdes, Ardern comprometeu-se a realizar um referendo para a legalização da canábis para uso pessoal em 2020.