"Não posso sair de Moscovo". Snowden diz que países europeus têm medo de lhe dar asilo

O ex-funcionário da NSA, refugiado em Moscovo, lança uma autobiografia e conta que mal alguém admite acolhê-lo o telefone toca logo. Do outro lado, os EUA pressionam de imediato e avisam os países para as consequências.
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Edward Snowden diz que os governos europeus têm medo de o acolher e não sabe qual será o seu futuro a partir do próximo ano, altura em que termina o seu visto de residência na Rússia. O ex-funcionário da NSA, refugiado em Moscovo desde 2013, após revelar as vigilâncias massivas efetuadas pela agência de segurança norte-americana, deu entrevistas ao El Pais e ao The Guardian, antecipando o lançamento do seu livro autobiográfico "Permanent Record". Explica ao jornal espanhol que está disposto a aceitar uma oferta de asilo da Alemanha mas admite que os países democráticos europeus não o querem receber, como já fizeram no passado com outros norte-americanos. "No meu caso, não tornei público nada que ponha em perigo a vida de pessoas. Acho que os governos europeus têm medo de mim", afirmou, justificando que a pressão norte-americana é imediata quando é falada a possibilidade de algum estado lhe dar asilo político

A autobiografia de Snowden estará à venda a partir de 17 de setembro. Em Portugal, a publicação é garantida pela Editorial Planeta, com o título "Vigilância Massiva, Registo Permanente". Nela, o americano de 36 anos descreve como se tornou no homem que é, sem pátria. Anos atrás, era um patriota apaixonado por computadores que, após os ataques de 11 de setembro, ingressou nos serviços secretos, cheio de entusiasmo e ideias de vingança. Nos anos seguintes, Snowden participou decisivamente da digitalização do trabalho da CIA e da NSA. E, com o tempo, começou a ter cada vez mais dúvidas de que o programa universal de espionagem estava ao serviço do bem. Resolveu contar tudo ao mundo. Todo esse percurso até ao asilo na Rússia são abordados no livro.

Em 2020 acaba o visto de permanência na Rússia, desconhecendo-se o que fará o governo de Putin. Mas é hoje evidente que o norte-americano gostava de sair da Rússia. Snowden diz não saber o que irá acontecer e admite a hipótese de ir para a Alemanha ou outro país da UE. "Depende se um governo democrático europeu ou outro lugar no mundo me conceder asilo. Infelizmente, devido à inação dos governos ocidentais, não posso sair de Moscovo. Solicitei asilo na Alemanha e na França, e os governos procuraram logo argumentos para não me deixar entrar", disse ao El País.

Questionado se tinha medo, respondeu com um imediato "Não" e enumera possibilidades sobre o seu futuro, em tom pragmático e de forma desencantada. "Agora sei que nunca terei controlo sobre o que acontece na minha vida. Talvez um autocarro me atropele ou um prédio caia sobre mim, ou seja entregue aos Estados Unidos. Alguns agentes da CIA até podem matar-me aqui enquanto desço a rua. Ou um país europeu me aceita e posso viver uma vida feliz... até que, em algum momento, os Estados Unidos reclamem a minha extradição."

São anos a viver esta situação e por isso diz ser realista. "Conheço bem o jogo: sempre que um país admite conceder asilo político, o telefone toca. Foi assim com o então o secretário de Estado, John Kerry, ou o vice-presidente Joe Biden, que diziam logo ao ministro dos Negócios Estrangeiros do país em questão que os Estados Unidos entendiam que o direito de agir de acordo com a legalidade e que eu podia solicitar asilo ao abrigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entendiam isso mas não se importavam, porque era uma questão de importância política para os Estados Unidos e que, se esses países me recebessem, teria consequências"

Ao britânico The Guardian , Edward Snowden afirma que nos 18 anos após os ataques de 11 de setembro assistimos a "uma ladainha de destruição americana, com a promulgação de políticas secretas, leis secretas, tribunais secretos e guerras secretas". E alerta: "O maior perigo ainda está por vir, com o aprimoramento das capacidades de inteligência artificial, como reconhecimento facial e de padrões."

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