A princesa, o milionário e os militares: a Tailândia a votos

Com as regras do jogo escritas a seu favor, o antigo general Prayuth Chan-ocha quer continuar no poder na Tailândia, desta vez através das urnas. Candidatura da irmã do rei foi rejeitada e jovem milionário que podia ser terceira via arrisca ser detido esta semana.
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"Chat, satsana, phra maha kasat", isto é, nação, religião e monarquia. Os três pilares da cultura tailandesa são também a base na qual se centra a junta militar, no poder desde o golpe de 2014, para garantir que o antigo general Prayuth Chan-ocha continua à frente dos destinos do país, numas eleições que foram planeadas com esse objetivo. Para muitos, as eleições deste domingo são um referendo à liderança da junta militar.

Os militares lideraram o golpe de 2014 que derrubou os apoiantes do ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra (alvo de outro golpe em 2006 e a viver no exílio no Dubai) e apostam no nacionalismo para vencer. A nível religioso, apesar de o país não ter religião oficial, 93% dizem-se budistas e a nova Constituição escrita pelos militares em 2017 defende que o Estado deve promover o budismo teravada e protegê-lo de todas as formas de profanação.

O nacionalismo está também ligado à monarquia (a Tailândia é uma monarquia constitucional desde 1932), que está num momento de transição: Maha Vajiralongkorn, filho de Bhumibol Adulyadej que esteve sete décadas no trono, será coroado no início de maio, mais de dois anos após a morte do popular pai.

Os militares apresentam-se nas eleições como os guardiões da monarquia. Mas os membros da família real não se envolvem em política. Foi por isso um choque quando a irmã mais velha do rei, a princesa Ubol Ratana, quis ser candidata pelo partido da oposição, defensor de Thaksin. O Tribunal Constitucional proibiu o partido de ir a votos.

Camisolas amarelas vs. Camisolas vermelhas

Para entender a divisão na Tailândia, é preciso recuar até 2001. Três anos após fundar o partido Thai Rak Thai (atual Pheu Thai), Thaksin teve uma vitória esmagadora nas eleições, tendo sido o primeiro chefe de governo a cumprir um mandato completo e a ser reeleito em 2005.

Entre outras medidas, o seu executivo promoveu uma guerra às drogas, introduziu uma política de saúde pública e distribuiu subsídios e empréstimos a baixo custo aos agricultores, garantindo uma importante base de apoio a nível rural e entre a classe trabalhadora. Contudo, os seus críticos começaram a acusá-lo de populismo, de nepotismo e de corrupção.

Surgiram então os "camisolas amarelas" - nacionalistas, apoiantes da família real (o amarelo é a cor do rei), membros das elites urbanas e militares -, cujos protestos culminaram no golpe de 2006 e, em 2014, no golpe contra a irmã de Thaksin, Yingluck Shinawatra, que fora eleita primeira-ministra em 2011. Os apoiantes de Thaksin são conhecidos como "camisolas vermelhas"

Sucessão

O último golpe militar serviu não apenas para os militares retomarem o controlo, mas também para garantir uma sucessão sem problemas diante da degradação do estado de saúde do rei Bhumibol, no trono desde 1946, que viria a morrer em 2016, aos 88 anos.

O seu filho, Maha Vajiralongkorn, de 66 anos, não é nada popular, quando comparado com o pai - mas as críticas à família real são proibidas no país. A sua vida ostentosa ficou marcada por momentos controversos, como passear de top e com o corpo tatuado à mostra num centro comercial ou no aeroporto de Munique e declarar o seu cão como marechal da Força Aérea. É ainda divorciado três vezes. Maha será coroado como Rama X numa cerimónia entre 4 e 6 de maio.

A coroação surgirá poucas semanas depois das eleições de domingo, para as quais estão inscritos mais de 40 milhões de eleitores tailandeses - incluindo sete milhões de novos eleitores.

Eleições pós-golpe

Na primeira ida às urnas desde o golpe militar de 2014, a Human Rights Watch alega que a junta não criou as condições para um escrutínio livre e justo. "Os militares prometeram repetidamente restaurar o regime democrático, mas os generais desenharam estas eleições para garantir a continuação do regime militar em fatos em vez de uniformes", disse o diretor desta organização para a Ásia, Brad Adams.

Os eleitores vão escolher os 500 membros da Câmara dos Representantes, mas o processo de eleição do novo primeiro-ministro passa também pelo Senado nomeado pela junta (250 lugares). Na prática, o partido Palang Pracharath e o general Prayuth só precisam de 126 deputados para garantir a sua continuação como primeiro-ministro -- mesmo que depois estejam dependentes de coligações para poder governar. A oposição não tem um trabalho fácil, até porque se vencer, está obrigada pela Constituição a seguir o roteiro de 20 anos para a Tailândia que foi desenhado pelos militares.

Candidaturas de risco

Além dos problemas na hora de eleger o primeiro-ministro, a oposição enfrentou outros reveses no caminho para as eleições. A 27 de fevereiro, o Tribunal Constitucional ordenou a dissolução do Thai Raksa Chart, um partido com ligações a Thaksin. O argumento: hostilidade contra a monarquia constitucional ao nomear como candidata à chefia do governo a irmã mais velha do rei, quebrando a tradição segundo a qual nenhum membro da família real se imiscui na política. A princesa Ubol Ratana, de 67 anos, abdicou do título real em 1972, quando casou com um norte-americano (de quem se divorciou em 1998). É muito popular, sendo cantora e atriz e uma estrela nas redes sociais.

Além disso, o candidato de outro partido - que pretende ser a alternativa à dicotomia entre junta e apoiantes de Thaksin -- enfrenta problemas judiciais. O jovem milionário e ultramaratonista Thanathorn Juangroongruangkit, líder do Partido Futuro Adiante, é acusado de espalhar informações falsas no Facebook. A nova lei eleitoral é muito restritiva no que diz respeito ao que pode ser partilhado nas redes sociais, com a desculpa de evitar a manipulação que se registou noutros países. A decisão da justiça deverá ser conhecida dois dias após as eleições e, se for considerado culpado, Thanathorn poderá ser detido.

No meio de tudo isto, o mais antigo partido tailandês, o Partido Democrata, de Abhisit Vejjajiva (que esteve à frente do país de 2008 a 2011 depois de o tribunal dissolver um governo pró-Thaksin), pode ser o "fazedor de reis", aquele cujo apoio deverá fazer tombar a balança para um ou outro lado. O problema é que Abhisit já disse não não apoiará a continuação de Prayuth como primeiro-ministro, mas também não quer dar o seu aval aos apoiantes de Thaksin.

Os portugueses foram os primeiros ocidentais no Reino do Sião

A embaixada portuguesa em Banguecoque é a mais antiga da Tailândia, tendo sido construída num terreno oferecido pelo Rei Rama II, em 1820. Mas as relações entre os dois países já têm mais de 500 anos: os portugueses foram os primeiros europeus a estabelecer contacto com o antigo Reino do Sião. Duarte de Fernandes foi enviado pelo então governador da Índia, Afonso de Albuquerque, numa missão diplomática ao país em 1511, depois da conquista da muçulmana Malaca, cidade vassala do Reino do Sião e do rei Ramathibodi II. A capital era então a cidade de Ayutthaya (80 km a norte de Banguecoque). As trocas comerciais foram estabelecidas oficialmente por um outro enviado, Duarte Coelho Pereira, que chegou em 1516: os portugueses fornecerem armas e munições (e formação sobre como usá-las) e receberam em troca o apoio para o comércio das especiarias a liberdade para se instalarem no Reino. Mas os portugueses levaram mais do que armas. A nível culinário, por exemplo, introduziram na Tailândia a malagueta, o milho, os cajus ou o ananás. Um dos doces é o Foi Thong, uma versão dos fios de ovos. Há ainda palavras em tailandês que têm origem portuguesa, como garça, leilão, padre ou sabão.

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