Mia Couto sobre a catástrofe na Beira: "Estou quase tão destruído como a minha cidade"

Escritor moçambicano, natural da Beira, lamenta destruição causada pelo ciclone Idai em emails trocados com o seu editor da Editorial Caminho, Zeferino Coelho.
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Mia Couto diz estar tão destruído como a Beira, a cidade onde nasceu, há 63 anos. "Na verdade, estou eu quase tão destruído quanto a minha cidade", confessa o escritor moçambicano, na resposta que enviou ao seu editor em Portugal, depois de Zeferino Coelho, da Editorial Caminho, lhe ter escrito a manifestar preocupação por causa do ciclone Idai.

Autor de livros como Terra Sonâmbula e O Último Voo do Flamingo, Mia Couto terminou, em 2017, a trilogia As Areias do Imperador e preparava-se para lançar um novo livro sobre as suas memórias de infância na Beira. Segundo indicou Jamie LeSueur, da Cruz Vermelha Internacional, 90% da Beira ficou destruída com a tempestade.

"Estava determinado a ir para a Beira para mergulhar no espírito do lugar e agora, segundo me dizem, quase não há lugar. É como se me tivessem arrancado parte da infância. O Zeferino, logo na sua primeira avaliação, me tinha alertado que a Beira era a personagem central do livro. Confesso que estou meio perdido", escreveu Mia Couto, num email disponibilizado ao DN pelo editor com autorização do escritor moçambicano.

O escritor, Prémio Camões 2013, manifesta ainda preocupação com os seus amigos e conhecidos na Beira. "Esta manhã recebi fotografias da igreja do Macuti que está em ruínas. Aquele edifício está profundamente dentro da minha história. É como se estivesse a escrever a história de um amigo que, entretanto, morresse. E o problema é bem maior que a Beira. Todo o centro de Moçambique está por baixo de água: estradas, casas, torres de energia e de telecomunicações estão destruídas. Não consigo saber dos meus amigos que vivem na Beira. Enfim, sabe bem esse seu abraço", escreveu no email, enviado ao editor.

Mensagem enviada por Mia Couto ao editor da Editorial Caminho Zeferino Coelho:

Meu caro

Obrigado pela mensagem. Na verdade, estou eu quase tão destruído quanto a minha cidade. Estava determinado a ir para a Beira para mergulhar no espírito do lugar e agora, segundo me dizem, quase não há lugar. É como se me tivessem arrancado parte da infância. O Zeferino, logo na sua primeira avaliação, me tinha alertado que a Beira era a personagem central do livro. Confesso que estou meio perdido. Esta manhã recebi fotografias da igreja do Macuti que está em ruínas. Aquele edifício está profundamente dentro da minha história. É como se estivesse a escrever a história de um amigo que, entretanto, morresse. E o problema é bem maior que a Beira. Todo o centro de Moçambique está por baixo de água: estradas, casas, torres de energia e de telecomunicações estão destruídas. Não consigo saber dos meus amigos que vivem na Beira. Enfim, sabe bem esse seu abraço.

Mia

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