Mercosul é montra para Bolsonaro e Macri
"Mercosul não é prioridade", disse Paulo Guedes, o superministro da economia do governo de Jair Bolsonaro logo após a eleição de outubro, a propósito do bloco comercial fundado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. E desde então, a cada encontro entre o presidente brasileiro e o seu homólogo argentino Maurício Macri, o assunto foi sempre tratado com desdém. Até que na reunião do G20 de junho em Osaka, no Japão, o anúncio de um acordo com a União Europeia, travado há 20 anos, catapultou o Mercosul para o topo da agenda - e para dentro do coração - de Bolsonaro e Macri. É neste contexto que os dois, ao lado dos líderes uruguaio e paraguaio, se reúnem esta terça-feira, em Santa Fé, na 54ª cimeira da organização.
O Mercosul passou de desprezado a montra política de Bolsonaro, em queda de popularidade no país - apenas 32% consideram a sua gestão ótima ou boa, o mesmo número dos que a acham má ou péssima, recorde negativo para um presidente brasileiro eleito em primeiro mandato. E também determinante para Macri, que disputará eleição em outubro com Alberto Fernández e a sua candidata a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner. Por isso, de um lado e de outro fala-se em "reinício" do Mercosul.
"Pode até mesmo vir a ser um recomeço do bloco, mas isso depende quase que exclusivamente do próprio Mercosul. Os compromissos assumidos fortalecem o bloco, mas essa é apenas uma parte da questão. Depende do próprio Mercosul organizar-se de uma maneira em que estes ganhos institucionais sejam realizados, e isso não é algo que deva vir somente dos governos, mas também da capacidade que estes governos podem ter em resistir às pressões protecionistas, que certamente existirão", disse ao portal UOL o embaixador Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Institucionais.
Para a argentina Valentina Delich, especialista da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais citada pelo mesmo portal, com o acordo, o Mercosul "reencontra-se com uma das suas missões, a negociação com parceiros fora da região". "Como isso aconteceu num contexto de grande dificuldade para o Mercosul realizar políticas comuns, muitos atores consideram o acordo como uma espécie de 'renascimento"".
Além do acordo com a UE, que deverá reduzir tarifas entre bens agrícolas e industriais mas cuja ratificação depende ainda da aprovação dos parlamentos da maioria dos estados-membro dos dois blocos, a cimeira de Santa Fé deverá anunciar a diminuição das tarifas entre os quatro parceiros do Mercosul para números equivalentes aos da Aliança do Pacífico, de que fazem parte os vizinhos sul-americanos Chile, Peru e Colômbia, além do México, na América Central.
Vai ser ainda abolido o roaming nas chamadas entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e os consulados de cada um deles espalhados pelo mundo passam a estar à disposição de todos os cidadãos do espaço Mercosul.
Escreve a Gazeta do Povo que em Santa Fé deve também avançar acordo de segurança nas fronteiras, tema que já foi amplamente debatido entre Brasil e Argentina, durante as visitas a Buenos Aires do ministro da Justiça, Sergio Moro, em maio, e de Jair Bolsonaro, em junho.
Para a Copa América em futebol, disputada nas últimas semanas, um acordo de paertilha de dados foi firmado entre os dois países, para evitar que cinco mil adeptos argentinos impedidos de entrar em estádios na Argentina assistissem aos jogos do torneio nas bancadas brasileiras.
Durante a cúpula do Mercosul, os quatro países sócios deverão assinar, finalmente, um acordo de integração migratória para a partilha de informações de segurança dos migrantes que tenham cometido crimes no seu país de origem, para facilitar o trânsito nas fronteiras e aumentar a segurança.
Perante este cenário, nos últimos dias Paulo Guedes justificou a inversão de prioridades em relação ao Mercosul dizendo que antes o bloco "estava enjaulado".