May sobrevive a moção de censura mas não cala pedidos de demissão
Eram 21.00 quando, na sala 14 da câmara dos Comuns, Sir Graham Brady, líder do Comité 1922, que trata dos assuntos internos dos Tories, anunciava que os conservadores tinham renovado a sua confiança na primeira-ministra Theresa May. Foi interrompido por aplausos. E levou algum tempo a anunciar um resultado que, depois de analisado à lupa, deixa poucos motivos para festejar: num total de 317 deputados, 200 votaram a favor de May, 117 votaram contra ela e a favor da moção de censura, ou seja, mais de um terço dos conservadores estão contra ela e atual formulação do acordo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
A boa notícia para a chefe do governo é que, durante 12 meses, não pode voltar a ser desafiada internamente como líder do Partido Conservador. A má notícia é que a oposição ao acordo do Brexit se mantém e fazer passá-lo no Parlamento parece neste momento tarefa impossível. Ainda ela não tinha reagido ao resultado da votação da moção de censura já o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, emitia um comunicado de imprensa a desafiá-la a submeter o acordo do Brexit a votação na câmara dos Comuns na próxima semana. Neste momento, na formulação atual, o acordo fechado pelo Reino Unido e a UE, no final de novembro, recolhe a oposição do Labour, dos rebeldes do Partido Conservador e de outras formações como o Partido Unionista Democrático, da Irlanda do Norte, com cujos deputados May contava para ter maioria absoluta no Parlamento.
"O voto desta noite não faz qualquer diferença na vida das pessoas. A primeira-ministra perdeu a maioria no Parlamento, o seu governo está um caos e é incapaz de levar o Brexit a bom porto de uma forma que sirva para o país e ponha o emprego e a economia em primeiro lugar. Foi por isso que ela adiou a votação no acordo do Brexit esta semana e está a tentar evitar trazê-lo de novo ao Parlamento. Está claro que ela não é capaz de negociar as alterações necessárias com a UE. Ela tem que trazer o acordo de volta à Câmara dos Comuns na próxima semana. O Labour está pronto a governar para o país no seu conjunto e de levar a bom porto um acordo que proteja os níveis de vida e os direitos dos trabalhadores", disse Corbyn no comunicado divulgado após ser conhecido o resultado da votação interna dos conservadores.
Mantendo-se firme, Theresa May disse ter percebido a mensagem enviada pelos conservadores que votaram contra si, que levará as suas preocupações ao Conselho Europeu, que se realiza em Bruxelas, esta quinta e sexta-feira, mas que é preciso seguir em frente. "Temos que seguir em frente com a tarefa de levar o Brexit a bom porto e construir um futuro melhor para o país. Isso deve começar em Westminster com políticos de todos os quadrantes unidos e a agir em nome do interesse nacional. Eu, da minha parte, ouvi o que a câmara dos Comuns disse sobre o backstop relativo à Irlanda do Norte e vou amanhã ao Conselho Europeu à procura de garantias políticas que tranquilizem as preocupações que os membros do Parlamento têm relativamente a esta questão. A nossa missão renovada é: levar o Brexit a bom porto, o Brexit em que as pessoas votaram, unir o país de novo, construir um país que realmente funcione para toda a gente", disse a líder britânica, junto à árvore de Natal gigante que foi montada em frente ao N.º 10 de Downing Street.
O backstop é o pomo da discórdia no que toca ao acordo do Brexit. Trata-se de um mecanismo de salvaguarda acordado entre o Reino Unido e a UE destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (Estado membro independente). A UE sempre esteve, neste ponto, do lado da Irlanda, dizendo que nunca aceitaria que a ilha fosse dividida por uma fronteira física e que o acordo do Brexit teria que respeitar o Acordo de Sexta Feira Santa (de 1998). Do outro lado, muitos desconfiam do backstop, pois se o Reino Unido saísse da União Aduaneira e a Irlanda do Norte ficasse nela isso seria quase como que uma reunificação acidental da ilha da Irlanda. Lembre-se que esta questão foi motivo de um conflito sangrento que durou anos e só acabou, precisamente, com aquele acordo de 1998.
O primeiro-ministro da Irlanda e o presidente da Comissão Europeia falaram ao telefone esta noite e concordaram que o acordo sobre o Brexit, fechado entre o Reino Unido e a UE e aprovado no final de novembro, não pode ser reaberto nem renegociado. Segundo um porta-voz do governo irlandês, citado pelas agências, Leo Varadkar e Jean-Claude Juncker concordaram que: "Apesar de ser preciso dar garantias ao Reino Unido, o acordo não pode ser reaberto ou reformulado". Por outro lado, o primeiro-ministro da Áustria, país na presidência rotativa da UE, congratulou May pelo resultado da votação desta noite. "Estou satisfeito com o resultado do voto desta noite. Estou ansioso por reunir-me com Theresa May amanhã no Conselho Europeu em Bruxelas. O nosso objetivo comum é evitar um cenário de não acordo", escreveu Sebastian Kurz na sua conta de Twitter. Mediante isto, falta ver que concessões poderão os europeus fazer ainda a May, sob que forma. E se isso será suficiente para levar o acordo ao Parlamento e garantir uma aprovação.
"Depois de ver que os rebeldes conservadores não apoiam o seu acordo, a primeira-ministra tem que mudar o rumo. O seu acordo está condenado a ser derrotado nos Comuns, por isso ela tem que mostrar uma verdadeira liderança e trazer a questão de volta ao povo e permitir que ele vote. A UE já deixou claro que não há mais nada a negociar, portanto ou é este acordo ou não há Brexit. É sobre isso que os eleitores devem poder votar", disse esta noite o líder dos liberais-democratas, Vince Cable, defendendo um referendo sobre o acordo. Recorde-se que isto tudo começou com a realização do referendo prometido pelo então primeiro-ministro David Cameron sobre o Brexit, a 23 de junho de 2016. O resultado foi: 52% a favor do brexit, 48% contra. O Reino Unido tem data prevista de saída da UE a 29 de março de 2019.
"Este resultado é uma mera vitória de Pirro para a primeira-ministra, a qual admitiu que o seu tempo neste governo é limitado. Mesmo depois de ter sido forçada a dizer que saía, quase 40% do seu grupo parlamentar votou contra ela", constatou a líder do Partido Nacionalista Escocês, Nicola Sturgeon, referindo-se ao facto de os media britânicos terem noticiado que, antes da votação, ela manifestou aos deputados conservadores a intenção de não se recandidatar nas eleições de 2022.
Mas para o líder da rebelião no Partido Conservador, Jacob Rees-Mogg, May deveria demitir-se já. Falando à BBC e à Sky News, o líder do European Research Group (ERG), um think tank eurocético nascido nos anos 1990 para contestar a assinatura do Tratado de Maastricht por parte do então primeiro-ministro John Major, o promotor da moção de censura admitiu a derrota, aceitou o resultado da votação. Porém, sublinhou que May tem duas opções: ou faz como Margaret Thatcher e demite-se ou faz como John Major e leva o partido até à derrota nas eleições. Questionado sobre se alteraria a sua posição se May trouxer de Bruxelas concessões sobre o backstop, o líder do ERG, que já foi acusado por críticos de "ser um partido dentro de um partido", sinalizou alguma abertura. Denunciando o facto de o ministro das Finanças, Philip Hammond, ter classificado os rebeldes conservadores como "extremistas", Jacob Rees-Mogg, declarou: "Não tão fanático como o ministro pode pensar".