May já admite atrasar Brexit. Costa é favorável
Depois de ter negado várias vezes que essa era uma opção em cima da mesa para si, a primeira-ministra britânica admitiu esta terça-feira na câmara dos Comuns a possibilidade de o Reino Unido pedir uma extensão do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. A ser aprovada - por unanimidade - pelos restantes membros da União Europeia - e a acontecer - isso significaria pelo menos uma coisa: depois de tanto debate, tanta tensão, o Reino Unido já não sairia da UE no próximo dia 29 de março.
Fazendo algumas concessões à ala mais moderada do Partido Conservador, sob pena de sofrer novas fugas de deputados, como as que aconteceram na semana passada quando três eleitas desertaram para O Grupo Independente, Theresa May comprometeu-se esta terça-feira a regressar à câmara dos Comuns com um acordo do Brexit revisto até 12 de março. Nomeadamente no que toca à questão do backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Caso este não seja aprovado, no dia 13 votam sobre um No Deal Brexit. Se esta hipótese também for derrotada, no dia seguinte, dia 14, será aprovada uma moção no sentido de perguntar se os deputados querem uma extensão do artigo 50.º Se estes votarem sim, May voltará à UE27 para pedir a extensão, in extremis, se votarem não, daí a 15 dias haverá um No Deal Brexit. Quer os deputados britânicos queiram ou não.
"Se o governo não conseguir o apoio para o seu plano no próximo dia 12 de março, apresentaremos no dia seguinte uma nova moção perguntando aos deputados se estão dispostos a sair da UE sem um acordo. Se recusarem esta possibilidade, apresentaremos no dia 14 uma nova moção a perguntar à Câmara se devemos solicitar uma extensão breve e limitada do artigo 50.º", declarou Theresa May, na esperança de, com esta promessa, conseguir também evitar mais demissões no seu governo aquando do Conselho de Ministros desta tarde. Segundo Carl Dinnen, jornalista de Política da ITVNews, pelo menos dois secretários de Estado que tencionavam demitir-se recuaram, pelo menos para já, na sua decisão.
Ao mesmo tempo, May tentou não provocar demasiado a ala dos eurocéticos conservadores, representada pelo líder do think tank European Research Group Jacob Rees-Mogg. Estes vão reunir-se esta tarde, pelas 18.00, para debater os passos seguintes. Mogg, que chegou a apresentar - e a perder - uma moção de censura interna no partido contra May, já avisou que não apoiará qualquer novo acordo que a primeira-ministra consiga se este for insatisfatório só para que não haja uma extensão do artigo 50º do Tratado de Lisboa. No passado, por várias vezes, Mogg foi citado como preferindo um No Deal Brexit do que qualquer extensão que possa ser percecionada como manobra para reverter todo o processo de saída da UE. Recorde-se que a 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos votaram pelo Brexit, 48% contra o Brexit.
Apesar de tudo, a incerteza, que tem sido a palavra de ordem no que ao Brexit diz respeito, mantém-se. A deputada trabalhista Yvette Cooper indicou que, apesar da declaração de May, mantém a intenção de levar a sua emenda a votação esta quarta-feira. "A declaração de hoje da primeira-ministra aceita a maior parte das provisões da nossa proposta de lei, ao possibilitar um voto que possa impedir um No Deal Brexit a 29 de março. Ainda estamos a desenhar as emendas entre partidos de forma a conseguir assegurar a confirmação do compromisso hoje assumido pela primeira-ministra".
Concretamente, a emenda de Cooper pede que, caso não haja acordo até meados de março, May apresente uma moção ao Parlamento a explicar o seu plano de sair sem acordo a 29 de março. Para avançar, precisará de ter uma maioria do Parlamento. Se os deputados rejeitarem essa opção, May terá de apresentar no dia seguinte uma proposta para estender o período de negociação e, se os deputados aprovarem, tem de a negociar com a UE.
A primeira vez que esta emenda foi discutida, no mês passado, perdeu por apenas 23 votos. E desde então tem vindo a ganhar mais apoio, havendo até ministros do governo de May que dizem que votariam ao lado de outros rebeldes conservadores e da oposição para impedir que o Reino Unido saia da UE sem acordo - recorde-se que May não tem maioria e basta alguns dos seus deputados votarem contra ela para perder. Votar contra o Executivo poderá custar aos ministros o cargo, restando saber quantas deserções aguentará até ser obrigada a demitir-se.
Segundo a BBC, só o facto de a emenda passar (e até ao dia do debate não se sabe sequer se será discutida) significa uma derrota massiva para o governo que é o responsável por estabelecer a agenda parlamentar há mais de um século, implicando que os deputados retiram o controlo do Brexit das mãos da primeira-ministra.
Depois de Theresa May ter falado esta terça-feira na câmara dos Comuns, apresentando um calendário preciso, as hipóteses de ver a emenda de Cooper ir para a frente reduziram consideravelmente. Oliver Letwin, deputado conservador que era um dos principais apoiantes da emenda da trabalhista Yvette Cooper, escreveu, no Twitter, que depois de ter ouvido a primeira-ministra deixou de ser necessária a apresentação da chamada emenda Cooper-Letwin. "Muito boas notícias. A declaração da primeira-ministra faz o que é preciso para evitar um No Deal Brexit a 29 de março e permite aos deputados forjarem um consenso entre partidos sobre um caminho a seguir caso o acordo da primeira-ministra não seja aprovado a 12 de março. Já não há necessidade agora para a proposta de lei Cooper-Letwin".
Reagindo à declaração de May na câmara dos Comuns, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, disse ter já "perdido a conta" às explicações "grotescas" inventadas pela chefe do governo para adiar o Brexit. "A primeira-ministra continua a dizer que ou é uma saída com o acordo dela ou é uma saída sem acordo, mas esta Câmara já rejeitou o acordo dela e já rejeitou claramente uma saída sem acordo. O que bloqueia a resolução disto é a teimosia da primeira-ministra", afirmou Corbyn, um dia depois de ter admitido uma ideia à qual sempre resistira até hoje. Tal como May. A ideia de um segundo referendo. Esta é apoiada por muitos deputados trabalhistas, nomeadamente pelos nove que, na semana passada, saíram do Labour para O Grupo Independente.
Sobre durante quanto tempo pediria o Reino Unido uma extensão do artigo 50.º May deixou no ar uma pergunta: "Se o artigo 50.º se estendesse até finais de junho, o Reino Unido teria que participar nas eleições europeias, mas que mensagem estaríamos a enviar aos eleitores nessa situação?". O novo Parlamento Europeu, que sair das eleições de maio, tomará posse a 2 de julho. O número de deputados para a próxima legislatura - 705 - já foi calculado sem o Reino Unido. Por isso, o último dia em que o Reino Unido poderia permanecer na UE seria 1 de julho. Se permanecesse para além disso, os britânicos teriam direito, tal como os cidadãos dos restantes 27 países da UE, a eleger eurodeputados. Caso contrário, qualquer decisão tomada pelo Parlamento Europeu, sem a participação do Reino Unido, continuando o Reino Unido a pertencer à UE, poderia ser passível de um pedido de anulação por parte de qualquer cidadão da UE. O problema, jurídico, segue dentro de momentos.
Alguns países, eventualmente os que aumentaram o seu número de eurodeputados com a saída dos britânicos do PE, poderiam apresentar algumas exigências sobre um prazo máximo aceitável para a extensão do artigo 50.º . Várias fontes europeias têm insistido também que a UE27 só concordará com uma extensão se ela tiver uma razão forte para ser pedida, como seria por exemplo o caso de um segundo referendo ou de legislativas antecipadas no Reino Unido. E não se dar o caso de estar a ser apenas pedida para que os deputados da câmara dos Comuns continuem a discutir entre si.
Portugal é um dos países favoráveis a uma extensão do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Na segunda-feira, à margem da cimeira UE-Liga Árabe em Sharm el-Sheikh, no Egito, o primeiro-ministro António Costa, afirmou: "É a visão de que se não é possível resolver em duas semanas, damos a oportunidade para resolver em mais tempo, mas sobretudo não vamos desistir de criar condições para que não haja Brexit ou a haver Brexit ele se desenvolva de uma forma articulada e planeada e não de forma caótica, como estava à beira de acontecer. Tudo o que se possa fazer para evitar um Brexit caótico é desejável e saudável". No mesmo sentido falara já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, aquando da apresentação do plano de contingência português para um cenário de No Deal Brexit a 29 de março.
Esta terça-feira, já em Lisboa, Costa reafirmou que uma saída sem acordo é o pior cenário de todos: "Seria a pior forma de resolver o problema quer para a UE, quer para o Reino Unido, quer para a economia mundial. Uma situação dessas não deixaria de impactar no conjunto da economia mundial e não seria só um problema da economia europeia (...) Se a decisão soberana do Reino Unido for sair, lamentamos, respeitamos e negociamos a saída. Se for continuar por mais algum tempo, ficamos satisfeitos. Se a decisão do Reino Unido for ficar duradouramente na UE, ficamos muito satisfeitos".