Manafort: os luxos, a amante do ex-sócio e as referências a Trump
Um tribunal federal, um juiz que não tem medo das palavras nem de mandar calar os advogados, um arguido cuja vida luxuosa e as manobras que terá usado para a financiar foram relatadas ao pormenor e uma testemunha-chave que fez um acordo com a acusação, mas que a defesa quer responsabilizar por todos os crimes do seu cliente e já obrigou a admitir ter levado uma "vida secreta". A cereja em cima do bolo: a hipótese de a qualquer momento poder ser referido o nome do presidente norte-americano.
Para os amantes das séries de advogados, o julgamento de Paul Manafort é uma desilusão. Mas só porque não está a ser transmitido em direto, nem na televisão (porque é proibido) nem nas redes sociais (os jornalistas têm de deixar os telemóveis à porta), podendo apenas ser seguido pelos relatos dos repórteres que têm que sair da sala de audiências do tribunal federal de Alexandria, na Virgínia, para contar o que está a acontecer. Fotos e gravações também não são permitidas.
O ex-diretor de campanha de Donald Trump, de 69 anos, é acusado de 18 crimes de fraude bancária, evasão fiscal e outros crimes financeiros, que remontam ao tempo em que trabalhava como lobista na Ucrânia. O dinheiro foi usado para financiar o seu estilo de vida luxuoso. O arguido, que está detido, declarou-se inocente de todas as acusações, podendo ser condenado a mais de 300 de prisão se for considerado culpado no julgamento que começou a 31 de julho e está previsto durar três semanas.
Manafort é o primeiro ex-conselheiro de Trump a sentar-se no banco dos réus num processo que parte da investigação do procurador especial Robert Mueller à alegada ingerência russa nas eleições presidenciais de 2016 e eventual conluio da campanha do republicano.
O julgamento é presidido pelo juiz T.S. Ellis III, um veterano de 78 anos que foi nomeado por Ronald Reagan, que não tem papas na língua. "Vocês não se importam com Manafort. Vocês importam-se com a informação que Manafort vos pode dar que possa levar a Trump e a um impeachment", disse numa audiência preliminar, em maio, dirigindo-se aos procuradores.
O tribunal federal de Alexandria mostrou logo no primeiro dia porque é que está numa jurisdição conhecida por "rocket docket", devido à rapidez com que os processos avançam: a seleção dos 12 jurados (seis homens e seis mulheres) e dos quatro suplentes durou apenas oito horas, tendo sido ouvidas cerca de 65 pessoas. Os especialistas previam que, devido à natureza complicada do caso, esse procedimento pudesse levar um ou dois dias.
A 31 de julho, no primeiro dia do julgamento, houve por isso ainda tempo para ouvir as alegações iniciais, tanto da acusação como da defesa, e a primeira testemunha.
"Um homem neste tribunal acreditava que a lei não se aplicava a ele", foram as primeiras palavras da alegação inicial do procurador Uzo Asonye, que acusou o ex-chefe de campanha de Trump de ser um "mentiroso astuto", de ter um estilo de vida "extravagante" financiado por um "rendimento secreto" ganho a fazer lóbi para políticos ucranianos. Do lado da acusação sentam-se outros dois procuradores, ambos da equipa de Mueller: Greg Andres e Brandon Von Grack.
Da parte da defesa, o advogado Thomas Zehle revelou a estratégia: apontar o dedo ao ex-braço direito de Manafort, Rick Gates. "Este caso é sobre impostos e confiança", disse, alegando que o seu cliente "depositou a sua confiança na pessoa errada". Gates declarou-se culpado de dois crimes no outro processo que envolve ambos (que irá decorrer em Washington e é sobre o trabalho de lóbi na Ucrânia) e está a colaborar com a acusação.
Zehle, um de cinco advogados de defesa, apelidou Gates de "testemunha-estrela" e disse que a sua equipa irá provar que foi ele o responsável por muitos dos negócios que a acusação diz serem criminosos, enganando Manafort. Um dos crimes que Gates admitiu é o de ter mentido aos investigadores, o que, segundo a defesa, revela que não pode ser confiável.
A primeira testemunha foi o consultor político Tad Devine, conselheiro das campanhas presidenciais dos democratas Al Gore (2000) e John Kerry (2004) e principal estratega da campanha de Bernie Sanders, em 2016. Devine trabalhou com Manafort em campanhas políticas na Ucrânia e foi nos contactos que este terá no país que se centrou o testemunho.
Manafort trabalhou para o ex-presidente Viktor Ianukovitch, que fugiu para a Rússia após ser afastado do poder em 2014, e Devine revelou como tentou (sem sucesso) ajudar a construir um partido da oposição e trabalhar para o atual chefe de Estado, Petro Poroshenko. Falou ainda da ligação ao oligarca Rinat Akhmetov, apoiante do Partido das Regiões de Ianukovitch.
O consultor político Daniel Rabin foi chamado ao banco de testemunhas, falando do trabalho que fez na Ucrânia para Ianukovitch. Rabin trabalhou com Devine e Manafort. No contrainterrogatório, os advogados de defesa questionaram para quem iam as faturas do seu trabalho na Ucrânia e Rabin confirmou que iam para Gates. "Parece que ele lidou com muita logística e questões da empresa", disse Richard Westling, um dos advogados.
A testemunha seguinte foi o agente do FBI Matthew Mikuska, que esteve nas buscas que foram feitas à casa de Manafort, em Alexandria, e que descreveu como um "condomínio de luxo". Nas buscas, em julho, foram encontrados vários documentos financeiros que servem agora de prova.
A vida luxuosa de Manafort esteve precisamente no centro do segundo dia de julgamento, mas a acusação - que alega que este luxo era pago com dinheiro ilícito - sofreu um revés quando o juiz não autorizou que fossem mostradas imagens desse luxo, incluindo do relógio de 21 mil dólares ou do casaco de 15 mil dólares feito de pele de avestruz. Um pormenor (entre outros) que não escapou, por exemplo, ao comediante John Oliver, no Last Week Tonight.
Mas o juiz não estava para ouvir mais. "Já chega", disse a certa altura (quando o júri não estava na sala). "Não condenamos as pessoas porque têm muito dinheiro e o gastam à tripa forra", referiu. As imagens foram mais tarde reveladas pelo Departamento de Justiça, mas não estão disponíveis para os jurados.
Entre as testemunhas do dia estiveram Maximillian Katzman, filho de Alan Katzman e gerente da loja de roupa de luxo em Manhattan Alan Couture. Testemunhou que Manafort gastou em média cem mil dólares por ano entre 2010 e 2012 na loja e quase 450 mil em 2013. Era o único que pagava com transferências de dinheiro internacionais, sendo certo que num e-mail o ex-diretor da campanha de Trump lhe fala diretamente da Leviathan, uma das empresas de fachada de Manafort. Ronald Wall, executivo da House of Bijan, outra loja de luxo, mas em Beverly Hills (Califórnia), descreveu Manafort como "um cliente muito bom" e que pagava através de contas offshore, em Chipre.
As testemunhas que se seguiram - Daniel Opsut, de um concessionário da Mercedes-Benz na Virginia, Steve Jacobson e Douglas Deluca, que fizeram obras nas suas casas, ou o agente imobiliário, vizinho e amigo de Manafort, Wayne Holland - falaram todas de como os luxos eram pagos ou com contas offshore ou através de empresas de fachada e que os pagamentos eram feitos diretamente por ele. No total, descreveram todos mais de seis milhões de dólares em itens e serviços de luxo.
Steve Jacobson foi o primeiro a usar a palavra "Trump" no tribunal, quando explicou que fez as obras de renovação no apartamento de Manafort na Trump Tower, em Nova Iorque.
O segundo dia de julgamento ficou marcado também pelas declarações de Trump, no Twitter. Ainda durante a manhã, o presidente foi para a rede social falar do ex-colaborador. Lembrou que trabalhou com ele "durante um curto período de tempo", questionou porque é que a administração não lhe disse que ele estava a ser investigado e reiterou que as acusações "não têm nada que ver com conluio" .
"Olhando para trás na história, quem foi tratado de forma pior, Alfonse Capone, lendário patrão da máfia, assassino e "inimigo público número um" ou Paul Manafort, agente político e querido de [Ronald] Reagan/[Bob] Dole, que agora está preso na solitária - apesar de não ter sido condenado de nada? Onde está o conluio russo?", escreveu numa das mensagens.
No total houve sete mensagens do presidente sobre Manafort, a investigação de Mueller ou o alegado conluio da sua campanha com os russos.
A 2 de agosto, o julgamento continuou com a descrição da vida de luxo, com os jurados a ouvir que Manafort comprou uma máquina de karaoke no valor de dez mil dólares para a sua casa nos Hamptons da boca de Joel Maxwell, da empresa Big Picture Solutions. Apenas uma pequena parte dos 2,2 milhões de dólares que gastou em equipamento eletrónico entre 2011 e 2014.
No banco de testemunhas, o arquiteto paisagístico Michael Regolizio tinha descrito antes como Manafort gastou 450 mil dólares na sua empresa ao longo de cinco anos com trabalhos nos exteriores da casa nos Hamptons: desde os serviços de cortar a relva até à manutenção de um grande lago e de um canteiro em forme de M com flores brancas e vermelhas. Tudo pago através de transferências internacionais, de empresas que não conhecia, mas que sabia ser de Manafort porque ele o avisava e correspondiam ao que lhe era devido.
Entre as faturas apresentadas pela acusação, algumas eram falsas ou não foram reconhecidas por várias testemunhas, mas sempre que surgiram esses casos os procuradores não revelaram qual a importância que têm para a sua argumentação.
Depois de descrever ao pormenor a vida luxuosa de Manafort, a acusação virou-se para as contas e em tribunal ouviu-se o testemunho de Heather Washkuhn, contabilista de longa data do ex-diretor de campanha de Trump. Esta revelou que, em 2016, precisamente antes de começar a trabalhar para o candidato republicano, Manafort estava com dificuldades financeiras e que ele mentiu sobre isso.
Dessa forma, mentiu aos bancos para ter empréstimos quando estava desesperado por dinheiro. Washkuhn revelou que Manafort enviou uma declaração financeira ao Federal Savings Bank a dizer que a sua empresa de consultoria tinha lucrado três milhões de dólares nos primeiros nove meses de 2016, quando na realidade tinha tido prejuízo de mais de um milhão nos primeiros 11 meses desse ano. E não foi caso único.
A contabilista indicou ainda que, no auge do seu trabalho de consultoria, Manafort atribuiu a si próprio um salário de 1,99 milhões de dólares em 2012, tendo pago nesse mesmo ano 240 mil dólares ao seu número dois, Rick Gates.
A contabilista, que negou conhecer informações sobre as 14 empresas-fachada que Manafort usava, disse que este "aprovava cada cêntimo de tudo o que pagávamos". Várias dessas empresas fizeram empréstimos à consultora de Manaforte (mais de 3,5 milhões entre 2014 e 2016), mas Washkuhn disse que não sabia que ele ou Gates controlavam essas empresas.
A contabilista também revelou que Rick Gates lhe pediu inúmeras vezes para alterar antigas declarações financeiras para indicar que haveria lucros adicionais e pediu cópias de documentos que pudessem ser editados (queria os documentos em Word, em vez de PDF, que é mais difícil de alterar).
Outra testemunha foi Philip Ayliff, contabilista que tratava dos impostos de Manafort, que revelou que este nunca o informou que tinha contas em bancos estrangeiros. "Fizemos a pergunta, e a resposta era não", afirmou.
Na sexta-feira 3 de agosto, as testemunhas continuaram a mostrar como Manafort levava uma vida dupla financeira, escondendo as contas que tinha no estrangeiro dos seus contabilistas e mentindo aos bancos nos EUA em relação à origem das avultadas somas de dinheiro que depositava neles.
Ayliff voltou a testemunhar na sexta-feira, reiterando que não sabia que uma série de empresas estrangeiras, que para ele eram clientes de Manafort, podiam na realidade ser controladas pelo arguido, que as usava para pagar os seus luxos.
A contabilista que substitui Ayliff, em 2014, foi Cindy Laporta. Os procuradores ofereceram-lhe imunidade em troca do testemunho, tendo admitido em tribunal ter ajudado o ex-diretor de campanha de Trump e o seu número dois, Rick Gates, a falsificar documentos de forma a cometer fraude fiscal. "Lamento tê-lo feito", declarou. Depois do testemunho, foi demitida da empresa em que trabalhava.
Num dos casos que falou, Laporta disse que Gates lhe disse que Manafort tinha uma conta "muito elevada" de impostos para pagar e que "não tinha dinheiro para o fazer". Foi por isso decidido que seria alterado o valor de um empréstimo que ele recebeu em 2014 na declaração de impostos desse ano, antes de submeter a de 2015, para que ele pagasse menos 400 mil ou 500 mil dólares em impostos.
Laporta também admitiu ter enviado uma carta falsa a um banco para garantir que Manafort teria um empréstimo de 1,5 milhões de dólares.
No total, cinco testemunhas receberam imunidade para o julgamento - sem isso poderiam alegar a Quinta Emenda da Constituição dos EUA, que protege qualquer pessoa de se autoincriminar num caso criminal.
Depois do fim de semana, a segunda semana do julgamento de Manafort começou com o contrainterrogatório da defesa a Laporta. Foi-lhe perguntado porque é que não tinha ido falar diretamente com Manafort quando desconfiou que Gates lhe estava a fornecer informação incompleta ou falsa. A contabilista disse que questionou Gates. A defesa alegou ainda que este estava a roubar "milhões de dólares" a Manafort.
A testemunha seguinte foi uma agente do Departamento do Tesouro, Paula Liss, que disse que nem Manafort nem a mulher, Kathleen (também é sócia da empresa de consultoria, mas não está acusada e tem estado todos os dias em tribunal), tinham declarado ao governo norte-americano ter contas em bancos estrangeiros.
O momento mais esperado desde que em fevereiro foi revelado que Gates ia colaborar com a justiça norte-americana chegou depois, quando o antigo braço direito de Manafort começou a testemunhar. Gates disse que se encontrou 20 vezes com o governo para preparar o seu testemunho e que lhes deu provas de outros crimes que não estavam na acusação inicial: mentiu num pedido de empréstimo, mentiu em pedidos de cartões de crédito e falsificou despesas ao antigo patrão.
Gates, de 46 anos, começou por dizer que conheceu Manafort em 1995 numa festa de Natal, quando estava a estagiar na sua consultora, tendo ficado na empresa até 1997 e sido novamente seu parceiro entre 2006 e 2016 - quando trabalhou para a campanha presidencial de Trump, como adjunto de Manafort.
Gates disse que ele e Manafort tinham 15 contas estrangeiras que não declararam, por decisão de Manafort, sabendo que era ilegal. Admitiu também ter roubado "algumas centenas de milhares" de dólares a Manafort ao longo de uma década, apresentando-lhe falsas despesas (seriam esses os documentos falsos que a acusação tinha apresentado antes). O ex-braço direito de Manafort disse ainda que, a pedido dele, o ajudou a falsificar as declarações de impostos.
Na segunda-feira, Gates falou apenas durante 78 minutos, mas voltou no dia seguinte.
Na terça-feira, Gates esteve durante mais de seis horas a responder a perguntas, incluindo o contrainterrogatório dos advogados do seu antigo patrão, sabendo que a defesa deste é culpá-lo a ele.
Respondendo primeiro às perguntas da acusação, Gates falou do funcionamento das empresas que serviam de fachada e das contas que tinham em Chipre (onde estiveram depositados pelo menos cinco milhões de euros). As empresas de fachada serviam para receber os pagamentos do trabalho feito na Ucrânia. O dinheiro era movimentado através de várias contas a pedido de Manafort, segundo os vários e-mails que a acusação apresentou.
Gates confessou ainda que foi ele o autor das falsas faturas que têm vindo a aparecer em julgamento. O dinheiro dessas faturas não ia para as empresas, mas para bancos.
Em relação aos bancos, detalhou como trabalhou com a contabilista de Manafort, Laporta, para falsificar documentos e garantir empréstimos.
Um banqueiro de um dos bancos, Stephen Calk, seria depois proposto por Manafort para um cargo na administração de Trump. Na altura ele já não trabalhava com o republicano, mas Gates sim: fazia parte da equipa de transição. Manafort também queria que tivesse um lugar na tomada de posse de Trump. Calk terá estado envolvido na decisão do banco, o Federal Savings Bank, de alargar a hipoteca com base em detalhes financeiros fraudulentos, em 2016.
O ex-braço direito de Manafort falou dos problemas financeiros que este atravessou em 2015, quando a consultora já não tinha clientes. Em março de 2016, Gates foi contratado para trabalhar numa campanha presidencial em que Manafort também trabalhava - não mencionou diretamente Donald Trump.
O nome de Trump voltou a aparecer, desta vez numas notas de um encontro entre Gates e Manafort, mas não se sabe a qual dos Trump se referia. "Bilhetes vão para Trump na próxima semana", com a Indicação Yankees, referente aos bilhetes de época para o baseball que foram comprados por Manafort por milhares de dólares. A informação foi mostrada nos ecrãs do tribunal, como um ponto na agenda, não tendo sido desenvolvido o tema.
O contrainterrogatório esteve a cargo do advogado Kevin Downing, que procurou mostrar como este tem mentido desde o início e forçando-o a admitir que mentiu ao procurador especial antes de aceitar o acordo e denunciar o ex-patrão. A defesa de Manafort tentou também levar Gates a admitir que tinha montado um esquema para roubar o arguido, com a testemunha a alegar que se limitou a juntar números aos relatórios, para mais tarde admitir ter cometido desfalque.
Gates foi depois forçado a admitir que teve uma amante há uma década, mas rejeitou as alegações de que roubou dinheiro ao patrão para financiar o seu caso. Downing disse aos jurados que Gates levava uma "vida secreta", em Londres e noutras cidades, usando o dinheiro das contas no estrangeiro de Manafort para a financiar.
"Estava a viver acima das minhas posses", admitiu Gates, assumindo ter cometido um erro. Admitiu que a mulher (e mãe dos seus quatro filhos) sabia da conta que ele usava para roubar dinheiro a Manafort e que também sabia do caso extraconjugal. Downing questionou como é que o júri poderá acreditar em Gates "após todas as mentiras que contou e fraude que cometeu".
"A única resposta que me foi dita foi para dizer a verdade", disse Gates depois de ter voltado nesta quarta-feira ao banco de testemunhas e ser questionado se tinha recebido ordens sobre como responder às perguntas da acusação e da defesa.
A defesa de Manafort perguntou entretanto se Gates tinha revelado ao governo que tinha tido quatro relações extraconjugais. Mas o procurador protestou, alegando que isso não era relevante, e depois de os advogados terem sido chamados pelo juiz, Downing acabou por perguntar: "A sua vida secreta prolongou-se por quantos anos?" Gates respondeu: "Cometi muitos erros ao longo de muitos anos."
Depois da testemunha chave, a acusação chamou a contabilista forense do FBI, Morgan Magionos, que revelou o seu trabalho a seguir o dinheiro ganho por Manafort na Ucrânia. Em causa estão 65 milhões e dólares, que terão sido depositados nas contas em Chipre e noutros paraísos fiscais, sendo que destes mais de 15 milhões foram gastos em despesas pessoais (como o tal casado de avestruz).
Também testemunhou o auditor do IRS, Michael Welch, que falou sobre a forma como o ex-diretor de campanha de Trump terá mentido em cinco anos de declarações de impostos.
Depois de mostrar os luxos em que Manafort gastava o dinheiro ganho na Ucrânia e a forma como enganou o IRS, os procuradores focaram-se nas acusações de fraude bancária - e na forma como terá mentido para conseguir empréstimos.
Mas primeiro, os procuradores quiseram que o juiz T. S. Ellis dissesse aos jurados que estava errado ao criticar os procuradores, na véspera. "Este robe não me torna mais do que humano", admitiu o juiz, que tinha criticado o facto de Welsh ter ficado na sala do tribunal a ouvir outras testemunhas - esquecendo-se que tinha autorizado.
Uma das testemunhas foi Melinda James, funcionária do Citizens Bank, que revelou como Manafort, Gates e a contabilista, Laporta, enganaram o banco para conseguir um empréstimo de 3,4 milhões de dólares em troca da hipoteca de um apartamento no Soho, em Manhattan. Os documentos que apresentaram indicava que não tinha mais nenhuma hipoteca e que o apartamento, que ele dizia que era onde vivia a filha e o genro e apelidava da sua "segunda casa", estar na realidade arrendado através da AirBnB.
Uma das provas apresentadas foi um email em que Manafort pede ao genro para esconder o facto de o apartamento estar arrendado. "Lembra-te, ele acredita que tu e a Jessica estão a viver ali", escreveu a Jeff Yohai.
O funcionário da AirBnB, Darin Evenson, testemunhou que o apartamento esteve sempre alugado entre janeiro de 2015 e final de abril de 2016, com informações no site da plataforma, tendo desaparecido no mês em que Manafort estava precisamente a tentar conseguir o empréstimo (entre fevereiro e março de 2016).
Peggy Micheli, também do Citizens Bank, explicou como Manafort teria conseguido no máximo um milhão de dólares de empréstimo, caso se soubesse que alugava o apartamento.
Taryn Rodriguez, do mesmo banco, falou de um outro empréstimo de 5,5 milhões de dólares que Manafort teria pedido, desta vez numa hipoteca sobre uma propriedade na Union Street, mas que não foi autorizado. O juiz comentou então que os procuradores "talvez queiram passar tempo num empréstimo que foi entregue".
A manhã do nono dia ficou marcada pelas reuniões que o juiz teve com os procuradores e advogados de acusação, não tendo o júri sido chamado. A sessão da tarde também se atrasou, sem que tivessem sido dadas explicações.
Mais uma vez os procuradores pediram para o juiz retirar o comentário que tinha feito na véspera. E Ellis reiterou várias vezes que os jurados não devem discutir ou investigar coisas sobre o julgamento fora da sala do tribunal.
A primeira testemunha foi Dennis Raico, que trata dos empréstimos do Federal Savings Bank, que recebeu imunidade para testemunhar. Raico disse em tribunal que serviu de intermediário entre Manafort e o presidente executivo do seu banco, Stephen Calk, que procurava vantagens dentro da operação política de Trump.
Manafort conseguiu dois empréstimos do Federal Savings Bank, no valor de 9,5 milhões e de 6,5 milhões, com Raico a dizer que os processos foram acelerados e aprovados porque Calk sabia que Manafort estava envolvido na política. O ex-diretor de campanha de Trump terá até ditado em que condições era feito o empréstimo. Calk interveio no processo quando o presidente do banco, Javier Ubarri, tentou travar o empréstimo.
No contrainterrogatório, a defesa obrigou Raico a admitir que os empréstimos foram aprovados por um painel de três membros, não apenas Calk.
Raico falou também dos bilhetes para os Yankees, que já tinham surgido no dia 6 do julgamento, comprados através do cartão de crédito de Manafort - o que implicava uma alteração ao nível da dívida que este tinha para com o banco. O funcionário do banco disse que ele tinha emprestado o cartão a um "amigo" que comprou os bilhetes de época para o basebal, no valor de mais de 200 mil dólares. O amigo seria Gates, que prometeu pagar de volta.
A testemunha seguinte foi o funcionário dos Yankees, Irfan Kirimca, responsável pela venda de bilhetes. Disse que só Manafort controlava as contas secretas que tinha no estrangeiro e que as usava para coisas pessoais e que Gates não esteve envolvido no pagamento, que foi feito por transferência de uma das empresas fachada do arguido.
James Brennan, vice-presidente do Federal Savings Bank, foi a 27.ª e última testemunha no julgamento de Manafort. Foi-lhe dado imunidade.
Testemunhou que o banco sabia que Manafort tinha mentido nos seus pedidos de empréstimo antes de estes serem aprovados. E reiterou o que dissera o outro funcionário na véspera, que os empréstimos foram para a frente porque Calk queria que fossem para a frente.
Brennan disse sentir-se de tal forma pressionado que mentiu sobre a estabilidade do empréstimo: um de qualidade recebe um valor de 1, enquanto algo abaixo de 4 chamaria a atenção dos reguladores. O de Manafort recebeu um 4.
Brennan foi a última testemunha, mas voltou à sala de tribunal, para novos esclarecimentos, a agente Paula Liss, do Departamento de Crimes Financeiros do FBI. Reiterou que não havia indicações de que as empresas de consultoria de Manafort tivessem contas no estrangeiro, algo que teria que ser revelado às autoridades.
(Texto atualizado com os últimos três dias de argumentos da defesa a 16 de agosto)