O presidente que fala para o país todos os dias às sete da manhã
É dia de semana e são 07.00. Num dos salões do Palácio Nacional do México, os jornalistas estão a postos para mais uma "mañanera", como são conhecidas as conferências de imprensa que o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, dá de segunda a sexta-feira. AMLO, como é chamado, marca a agenda mediática do dia, sozinho em palco ou convidando ministros ou outros responsáveis para apresentarem qualquer plano de governo, mas aproveita também para responder às críticas e falar diretamente com os eleitores, mantendo-se em campanha constante.
Esta segunda-feira, AMLO festeja um ano da sua eleição, que aconteceu à terceira tentativa e com uma maioria que nenhum outro presidente tinha tido desde 1988 (obteve 53% dos votos), tendo ainda maioria no Congresso e no Senado (tem 308 dos 500 deputados e 69 dos 128 senadores). Um ano depois da eleição, a sua popularidade mantém-se elevada, à volta dos 70%.
A festa deverá reunir milhares de pessoas na praça Zocalo, a mais importante da Cidade do México, onde se localiza o Palácio Nacional ou a Catedral Metropolitana, e ao contrário do habitual não haverá "mañanera" -- termo que em espanhol designa uma pessoa que madruga e se levanta muito cedo. Na de sexta-feira, o presidente fez uma votação de braço no ar entre os jornalistas para saber a sua opinião e acabou por ganhar a opção de não haver "mañanera", visto que AMLO discursará no evento, a partir das 17.00 locais (23.00 em Lisboa).
Como escreveu a Bloomberg, "López Obrador provavelmente passou mais tempo a responder às perguntas dos jornalistas em seis semanas do que o seu antecessor Enrique Peña Nieto fez em seis anos", lembrando que a "mañanera" começou dois dias depois da tomada de posse, a 1 de dezembro de 2018.
Mas esta conferência de imprensa já tinha sido habitual quando AMLO foi chefe de governo do Distrito Federal (de 2000 a 2005), o que lhe permitia atuar muitas vezes como oposição ao então presidente, Vicente Fox, e lhe abriu caminho para a primeira candidatura presidencial, em 2006.
"Todos os dias, o presidente é capaz de definir os temas da agenda, pode abrir alguns novos e fechar os mais incómodos para ele", explicou à agência EFE Juan Manuel Ortega, perito em comunicação política do Tecnológico de Monterrey.
Desde que tomou posse, há pouco mais de 250 dias, AMLO já terá dado 148 conferências de imprensa matinais,segundo os cálculos do jornal Excelsior. Terá respondido a cerca de 2500 perguntas e esteve mais de 170 diante dos jornalistas.
Em março, quando AMLO assinalou cem dias de governo, o jornalista Jorge Monroy, do jornal El Economista, contou qual é a rotina dos jornalistas que fazem diariamente a cobertura da "mañanera". Apesar de as conferências serem às 07.00, os jornalistas começam a fazer fila no exterior do Palácio Nacional a partir das 05.30, para garantir que têm um lugar na primeira fila da sala, onde têm mais probabilidade de poder fazer uma pergunta ao presidente.
É também por volta das 05.30 que López Obrador chega ao palácio, preparado para começar às 06.00 a reunião do gabinete de segurança. Sempre que entra, é recebido com honras militares.
Às 06.05 os jornalistas entram pela porta da rua Moneda e têm que dizer, diariamente, o nome e o meio que representam. Têm acesso tanto os jornalistas de meios tradicionais, como de sites da Internet ou canais de YouTube, bastando ter uma credencial com a palavra "prensa".
Segundo o mesmo artigo, os jornalistas ainda têm que passar por dois controlos da polícia militar até chegar ao Salón Tesorería, onde decorrem as mañaneras. Lá, há seis filas de 25 cadeiras, chegando a haver discussão para conseguir um lugar na primeira fila.
Quando o presidente entra, às 07.00, o sinal é transmitido em direto não só para as estações de televisão, mas também nas redes sociais, incluindo o próprio canal de YouTube do presidente AMLO. "As redes sociais abençoadas", já lhes chamou. As conferências podem durar cerca de uma hora ou uma hora e meia, mas também alargar-se por mais tempo.
Numa análise feita pela revista Nexos às primeiras 12 conferências, concluiu-se que o presidente "fugia" a 30% das cerca de 20 perguntas diárias que lhe foram feitas em média.
López Obrador não chama os jornalistas que considera "mais incómodos" e aproveita-se da "debilidade dos media", já que muitos enfrentam cortes ao nível de recursos, explicou à EFE Ortega. "O presidente foge às perguntas mais incisivas e nada acontece, poucos são realmente críticos do governo", acrescentou o especialista em comunicação política.
Num artigo de opinião publicado no The New York Times em abril, o jornalista norte-americano nascido no México Jorge Ramos, da Univision, explica que há 13 regras que os jornalistas devem cumprir. Só podem fazer duas perguntas, mas não precisam de enviá-las antecipadamente e não há censura em relação ao que pode ser perguntado ao presidente. É AMLO quem indica quem pode fazer perguntas, numa rotina que pode demorar uma hora ou mais.
Mas Ramos lembra que apesar de parecer um exercício democrático, a "mañanera" serve para marcar a agenda mediática e também para criticar e desacreditar os próprios jornalistas e colunistas que são críticos do seu governo. Tal como o presidente norte-americano, Donald Trump, fala dos "fake media", López Obrador chama-lhes "fifi", um termo que designa uma pessoa presumida e pretensiosa. AMLO já disse numa entrevista o que significa para si a "imprensa fifi": são os "fantoches, conservadores, chicos-espertos, hipócritas".
O jornalista da Univision alerta para o risco das críticas do presidente, num dos países mais perigosos para os jornalistas (pelo menos dez foram mortos por causa do seu trabalho desde que AMLO tomou posse).
Mas, voltando a comparar AMLO a Trump, Ramos reconhece uma diferença importante. "López Obrador enfrentou e respondeu a todas as minhas perguntas durante a conferência de imprensa na Cidade do México enquanto Trump, em 2015, me expulsou com um guarda-costas de uma conferência de imprensa em Dubuque, no Iowa", escreveu.
Já o jornalista Daniel Moreno, diretor do portal Animal Político, considera que "as mañaneras são uma estratégia -- muito efetiva, segundo as sondagens -- de comunicação e propaganda. Útil para fugir aos intermediários. Muito pouco útil para apresentar contas", escreveu no jornal Reforma.
No domingo, AMLO reconheceu que o seu governo ainda não fez progressos em lidar com os números recordes de violência que atingem o país, no lançamento da nova força de polícia militarizada que espera possa solucionar o problema.
O presidente culpou a política económica das anteriores administrações pela exacerbação da violência e reiterou que o seu governo está a acabar com a corrupção e a desigualdade no país. "Mas ainda temos que resolver o problema sério da insegurança e violência", disse.
O México registou quase 29 mil homicídios no ano passado, a maioria ligados à guerra entre cartéis de droga. Nos primeiros seis meses de governo de López Obrador, houve 14 505 homicídios, 5,4% mais do que no mesmo período no ano anterior. Ainda assim, os números de abril e maio foram mais baixos do que em 2018.
A nova Guarda Nacional vai envolver o destacamento de 70 mil membros na primeira fase, subindo até aos 150 mil em todo o país. E não vem sem polémica: o próprio AMLO tinha prometido em campanha retirar os militares das ruas, já que as Forças Armadas são muitas vezes acusadas de abusos contra os civis e de impunidade, mas esta força de elite formada por antigos membros da Polícia Federal, Naval e Militar está sob o controlo do Ministério da Defesa.
AMLO também causou polémica devido aos planos de enviar a Guarda Nacional para as fronteiras do México, numa tentativa de travar a imigração ilegal, pressionado por Trump que ameaçou com aumentar as tarifas.