Joaquim Barbosa, o outsider que pode mudar as eleições no Brasil
Primeiro foi João Doria, o milionário prefeito de São Paulo, depois veio Luciano Huck, o politizado apresentador de TV, seguiram-se o empresário Flávio Rocha, o ativista Guilherme Boulos, o banqueiro João Amoêdo, a pró-LGBT Manuela D'Ávila. Todos quiseram erguer a bandeira da "novidade" numa corrida presidencial marcada pela rejeição dos políticos tradicionais. Mas Doria afinal só vai concorrer ao governo paulista, Huck decidiu-se pelo conforto da Rede Globo e os restantes seguem no fundo da tabela das sondagens. Até que, no último dia do prazo, apareceu Joaquim Barbosa, estreante na política e competitivo nas pesquisas de opinião.
O primeiro sintoma de que Barbosa, 63 anos, é uma aposta séria veio dos rivais. As equipas de outros concorrentes, como Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) ou Geraldo Alckmin (PSDB), querem saber, afinal, o que pensa o candidato já com 10% das intenções de voto sobre economia e sociedade. Mas o PSB, o partido de centro-esquerda que em 2014 apresentou às eleições Eduardo Campos, falecido em desastre de avião e substituído por Marina, e ao qual Barbosa se filiou após anos de namoro, não tem pressa. Dividiu a candidatura em cinco fases: a filiação, o controle de resistências internas, a adaptação ao partido, a discussão sobre propostas para o país e, só então, o lançamento.
O objetivo do PSB, e de Barbosa, é evitar desgaste precoce e criar expectativa em relação ao seu nome e ao seu programa. A imprensa, no entanto, vai divulgando a conta-gotas que o juiz é a favor de privatizar, com conta, peso e medida, que defende a redução do peso do Estado, mas através de reformas menos radicais do que as do governo de Michel Temer, e que apoia os programas sociais da "era PT", excetuando subsídios estatais a setores da economia. Ou seja, é de centro a força que vem faltando numa corrida dominada por Lula e Bolsonaro.
Por outro lado, é um rosto do combate à corrupção desde 2012 quando, enquanto relator do escândalo do mensalão, protagonizou o papel que o juiz Sergio Moro depois ocupou com a Operação Lava-Jato. Foi implacável na defesa de condenações severas para os poderosos da época, o antigo ministro da Casa Civil José Dirceu e outros dirigentes de peso do PT. Porém, não é visto, ao contrário de Moro, como hostil ao PT, partido do qual foi declaradamente eleitor. Barbosa, aliás, tem percurso de vida que se assemelha ao de Lula.
Nascido em Paracatu, pequena cidade de Minas Gerais, o mais velho dos oito filhos de um pedreiro e de uma dona de casa migrou para Brasília para fugir da pobreza. Joca, como era conhecido na família, trabalhou como empregado de limpeza e como datilógrafo na gráfica do Senado Federal, madrugada adentro, para poder estudar Direito de dia na Universidade de Brasília. "Chegava a dormir na gráfica porque não dava tempo de ir a casa", contou ao jornal Gazeta do Povo o seu chefe de então.
Já formado, passou num concurso público para procurador jurídico do Ministério da Saúde e depois noutro para procurador do Ministério Público Federal, enquanto concluía o mestrado e depois o doutoramento. Tornou-se professor universitário no Brasil e convidado em faculdades norte-americanas e europeias, aproveitando para se tornar fluente em inglês, francês e alemão.
Em maio de 2003, quatro meses após a sua primeira posse, Lula nomeou-o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), com a bênção de José Dirceu, que viria mais tarde a ser condenado por Barbosa no mensalão. E no dia 21 de novembro de 2012 tornou-se o primeiro negro a presidir ao STF, até se reformar voluntariamente, em 2014.
Conhecido pela determinação, evidenciada ao longo da vida, e pelo temperamento explosivo, mostrado ao público no julgamento do mensalão, quando se envolveu em trocas de insultos com outro juiz, e votou sempre de pé e com a testa franzida devido a dores crónicas nas costas, Barbosa tem potencial de crescimento como nenhum outro candidato, dizem os pesquisadores do Instituto Datafolha.
E o PSB sabe disso: "Nas sondagens, muitas pessoas, principalmente as mais simples, não se lembram do nome dele, quando lhes é mostrada uma fotografia, a intenção de voto cresce", disse o presidente do partido, Carlos Siqueira. Pesquisas internas colocam-no até à frente de Jair Bolsonaro, segundo classificado com 17%, e só atrás de Lula da Silva, cujo espólio eleitoral pode vir a herdar.