João Lourenço: "As relações com Portugal estão no pico da montanha"
Elogios às relações pessoais com Marcelo Rebelo de Sousa, garantias de que o combate à corrupção em Angola é para manter, voltando a deixar claro que "não há intocáveis", a certeza que a dívida às empresas portuguesas é para pagar e que hoje a economia angolana está já a sofrer transformações de forma a deixar de ser tão dependente do petróleo, que representou 90% das exportações do país.
Estas foram algumas das ideias chave da entrevista que o presidente de Angola deu à RTP, na véspera da chegada ao país do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa para uma visita que terminará no sábado (dia 9), e que foi transmitida esta segunda-feira. Durante 35 minutos, João Lourenço defendeu o trabalho do seu governo e embora reconhecendo que há pobreza no país frisou que "hoje não se pode dizer que há fome em Angola". Mas há deficiências ao nível da "habitação, acessos a água potável, energia, educação".
João Lourenço festeja esta terça-feira o 65.º aniversário o que coincide com a chegada de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma coincidência que não o foi assim tanto, como reconheceu, lembrando que esteve em Portugal em novembro, altura em que o convite foi feito. "Na política além das relações institucionais as relações pessoais ajudam e as relações com o presidente Marcelo são boas. Juntámos o útil ao agradável", sublinhou.
Questionado sobre as relações com Portugal estão num bom momento, depois do processo judicial que envolveu o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, por suspeitas de corrupção, enquanto presidente da petrolífera angolana Sonangol, disse: "Para Angola essa questão foi relevante porque estávamos perante o incumprimento de um acordo entre dois Estados e havia necessidade de uma das partes recordar à outra que existia esse acordo para cumprir. Felizmente o bom senso prevaleceu." E por isso, as relações com Portugal "estão no pico da montanha, de qualquer forma, temos o dever de continuar a trabalhar no sentido, não diria de manter esse nível, mas de subir ainda mais".
De tal forma estarão que depois de não ter feito uma referência a Portugal no seu discurso de tomada de posse - "A interpretação é vossa quando se disse que foi intencional, não fiz referência a muitos países presente" -, João Lourenço garantiu que dentro de três anos (deixando quase certa a ideia de que se vai recandidatar em 2022), "quando houver novas eleições, não vou adiantar o que direi sobre Portugal, mas será uma boa surpresa".
Pagar a dívida de Angola a empresas portuguesas - cujo valor não quis especificar - é um dos objetivos do governo, adiantou, não se comprometendo no entanto com prazos. "O montante da dívida varia consoante o momento. Desde a minha visita até agora temos vindo a reduzi-la e nos próximos dias faremos mais um pequeno esforço no sentido de a reduzir. Se fosse possível pagá-la de uma vez fazíamo-lo, mas o importante é o devedor reconhecer a dívida e Angola reconhece. Estamos a fazer um esforço para pagar", acrescentou.
Um dos temas que que mais tempo ocupou nesta entrevista à RTP foi a corrupção. João Lourenço lembrou que o combate a esta questão foi um "dos compromissos que o meu partido [MPLA) assumiu perante os angolanos. Concluiu-se que o nível de corrupção no país tinha atingido níveis insustentáveis. Tinha de se fazer alguma coisa sob pena de o investimento estrangeiro sair".
"Este é um combate de todos, embora a iniciativa tenha sido do MPLA toda a sociedade está envolvida. E eu como bom soldado estou a fazer o que foi decidido", disse ao jornalista da RTP Vítor Gonçalves. O presidente angolano reconheceu não ter sido surpreendido com os índices de corrupção no país lembrando: "Não sou alguém vindo de outro país, de outro planeta, de outro partido político. Eu sou parte do sistema, cresci dentro do MPLA, acompanhei tudo o que foi feito de bom e de mau pelo meu partido."
Disse ainda estar convencido que o país será capaz de lutar contra a corrupção e destacou o que considerou ser a grande diferença para os tempos antes da sua tomada de posse: "Ninguém pode garantir que daqui para a frente não haverá corrupção. A única coisa que posso dizer é que é possível existirem corruptos, mas que não ficarão impunes. A diferença é que anteriormente havia corruptos e impunidade e agora se houver corruptos serão punidos. Não há intocáveis. Esse tempo ficou para trás."
Também frisou que recebeu do primeiro-ministro, António Costa, o compromisso que Portugal iria "ajudar na medida do possível" a repatriar verbas que o estado angolano considera terem sido retiradas ilegalmente do país.
Quanto à retirada de Isabel dos Santos e de dois dos seus irmãos de cargos em empresas controladas pelo estado e se essas decisões não representavam uma perseguição à família do anterior presidente de Angola - José Eduardo dos Santos - respondeu negativamente. "Essas pessoas têm outros irmãos. Por que razão essas medidas foram só tomadas contra eles? Se se toca a ministros, a generais e não se toca em cidadãos, só porque são filhos de quem são? A afirmação da perseguição à família do ex-presidente não colhe", ressalva.
E quanto a José Eduardo dos Santos? "Não sou procurador geral da república. O ministério público se tiver razões abre processos".
Reconhecendo que encontrou o país numa situação económica difícil - "mas não de bancarrota" - devido à pouca diversidade da economia angolana, dependia quase em exclusivo da exportação de petróleo, João Lourenço salientou ter o governo quatro áreas em que aposta: agricultura, indústria, pescas e turismo. "Produzem riqueza, emprego e produtos de exportação que podem pesar na capacidade de gerar divisas", explicou.
E para mostrar que o país está "a mexer" lembrou que o estado abriu concurso para "20 mil professores" e outros na área da saúde. Decisões tomadas antes do pedido de ajuda ao Fundo Monetário Internacional cuja intervenção no país será de índole técnico pois as medidas que estão a ser implementadas foram apresentadas pelo governo e não impostas pelo FMI.
Quanto à relação com os empresários portugueses disse que "gostaria de ver maior presença de empresas portuguesas na área da cultura, em várias indústrias, sobretudo na transformadora, e turismo".
Na área da cooperação considera que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa devia dar mais atenção a "questões de ordem económica". "Temos privilegiado as questões de ordem histórica, cultural e linguística. Angola deve assumir a presidência dentro de um ano e esse será o objetivo", anunciou.
Finalmente, disse ter como referências Agostinho Neto - "o fundador da Nação que levou o povo para a independência. Foi o Moisés de Angola" - e Nelson Mandela pela "sua capacidade de perdão", lembrando que Israel ainda hoje "persegue os nazis, mais de 50 anos depois [da II Guerra Mundial]".