Ex-procurador brasileiro revela que quis matar juiz do Supremo

Rodrigo Janot, que exerceu no auge da Lava-Jato e dos escândalos em torno de Michel Temer, chegou a ter a mão no gatilho para matar Gilmar Mendes, um dos mais controversos membros da corte. Ele conta o episódio na primeira pessoa. O alvo aconselha-o a "procurar ajuda psiquiátrica".
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Rodrigo Janot, procurador da República do Brasil de 2015 a 2017, quase matou Gilmar Mendes, um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) do país. É o próprio quem o afirma em entrevistas ao jornal Folha de S. Paulo e à revista Veja e num livro de memórias que vai lançar em breve. No livro, Janot, que exerceu o cargo no auge da Operação Lava-Jato e durante quase toda a controversa gestão de Michel Temer na presidência da República, não nomeia Gilmar mas na entrevista admite que era ele o alvo. "Ainda tenho uma dificuldade enorme em pronunciar o nome dessa pessoa".

"Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com a minha filha", diz Janot no livro. "Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou o meu ombro e disse: não."

Na entrevista ao jornal, o ex-procurador disse que seu plano era matar Gilmar antes do início da sessão no STF: "Na antessala, onde eu o encontraria antes da sessão".

"Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara dele e depois me suicidaria. Estava movido pela ira. Não havia escrito carta de despedida, não conseguia pensar em mais nada", disse, entretanto, à Veja.

"Quando cheguei à antessala do plenário, para minha surpresa, ele já estava lá. Não pensei duas vezes. Tirei a minha pistola da cintura, engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele. Mas algo estranho aconteceu. Quando procurei o gatilho, o meu dedo indicador ficou paralisado. Eu sou destro. Mudei de mão. Tentei posicionar a pistola na mão esquerda, mas o meu dedo paralisou de novo. Nesse momento, eu estava a menos de dois metros dele. Não erro um tiro nessa distância. Pensei: "Isso é um sinal". Acho que ele nem percebeu que esteve perto da morte".

A motivação para o ato ocorreu quando Janot pediu ao STF a suspeição de Gilmar para atuar em processos contra Eike Batista porque a mulher do juiz, Guiomar Mendes, atuava no escritório que defendia o ex-multimilionário. Na resposta, Gilmar Mendes afirmou que a filha de Janot, a advogada Letícia Monteiro de Barros, trabalhava para uma construtora investigada, e poderia "ser credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava Jato".

Despertando, com isso, a ira de Janot.

Em resposta à revelação, Mendes recomendou a Janot "procurar ajuda psiquiátrica".

Rodrigo Janot Monteiro de Barros, 63 anos, foi nomeado por Dilma Rousseff por sugestão do coletivo de procuradores. Exerceu o cargo de procurador-geral antes de Raquel Dodge, que assumiu em 2017, a convite de Temer. Dodge, entretanto, foi substituída esta semana por Augusto Aras, o escolhido de Jair Bolsonaro. Num intervalo de uma semana, o luso-brasileiro Alcides Martins ocupou o posto interinamente - chegou até a cogitar-se que o atual presidente o poderia efetivar.

Gilmar Mendes, também de 63 anos, foi indicado para o STF pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem ficou próximo enquanto Advogado-Geral da União, cargo equivalente ao de ministro, no seu governo. É considerado um dos mais controversos juízes da corte e o mais crítico de todos eles aos métodos da Lava-Jato. Tem apartamento no Príncipe Real, em Lisboa, cidade onde promove conferências com frequência.

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