Escócia não aceita acordo do Brexit e quer novo referendo à independência

A liderança do país a norte das ilhas britânicas não aceita a discriminação perante o estatuto especial encontrado para a Irlanda do Norte no acordo de Theresa May com Bruxelas. Querem fazer novo plebiscito sobre a independência, mas as sondagens mostram uma sociedade dividida.
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A aprovação do documento técnico sobre o acordo de retirada do Reino Unido da União Europeia no Conselho de Ministros britânico, na quarta-feira, não deixou apenas feridas profundas entre os conservadores. Os escoceses sentiram-se marginalizados em relação à solução específica para a Irlanda do Norte.

A líder do governo escocês, Nicola Sturgeon, do partido nacionalista escocês (SNP) reagiu ainda na quarta-feira à noite no Twitter, após ter informado que Theresa May não a quis receber antes da reunião de Downing Street: "Tentou dizer-me que os interesses 'distintos' da Escócia foram protegidos. Salientei que não há uma única menção à Escócia no acordo, que ela despreza os nossos interesses e coloca a Escócia em séria desvantagem competitiva."

A revolta dos escoceses perante o princípio de acordo entre Londres e Bruxelas pode ser resumida na intervenção de Sturgeon no Parlamento de Edimburgo, na quinta-feira: "A União Europeia é uma união de países independentes e vejam como se manteve do lado da Irlanda ao longo dos últimos dois anos. Em contraste, como disse à primeira-ministra ao telefone, o governo britânico ignorou a Escócia, marginalizou a Escócia, deixou de lado os interesses da Escócia e agora está não só à beira de nos tirar da UE contra a nossa vontade, ou de nos tirar do mercado único contra os nossos interesses, também está à beira de pôr a Escócia em verdadeira desvantagem competitiva com a Irlanda do Norte."

Para logo de seguida concluir: "Isto não é um um argumento académico ou abstrato. Vai ter consequências reais no emprego, nas condições de vida e no investimento na Escócia. E penso que os tories não se importam o mínimo."

A preocupação estende-se a todos os níveis do país de 5,4 milhões de habitantes. Por exemplo, um inquérito realizado pela associação de médicos britânicos (BMA) revela que 81% dos médicos europeus a trabalhar na Escócia não estão convencidos de que os seus direitos sejam contemplados se o Reino Unido sair sem acordo e que um terço pensa abandonar o país."Devemos ser muito claros de que perder a contribuição para o Serviço Nacional de Saúde dos médicos do resto da Europa vai ser um desastre para o serviço de saúde", afirmou ao Herald o dirigente da BMA escocesa, Lewis Morrison.

Europeístas e divididos quanto à independência

De todos os povos do Reino Unido, os escoceses são os mais europeístas. No referendo de 2016, não houve um único círculo eleitoral que não tenha votado maioritariamente pela permanência no clube europeu. No total, 62% dos eleitores escoceses escolheram ficar contra 48,1% de todo o eleitorado.

Parte significativa do eleitorado sente-se duplamente traída. No referendo pela independência de 2014 (que 55,3% votou contra), o voto foi condicionado pelo facto de o Reino Unido estar na UE (sem a saída estar no horizonte) e de que as perspetivas de a Escócia se juntar a Bruxelas não serem as melhores. "Acredito que vá ser extremamente difícil, senão impossível, um novo Estado membro surgir proveniente de um dos nossos países e ter a aprovação dos outros", disse Durão Barroso em 2014, então presidente da Comissão Europeia, dando o exemplo do Kosovo não ser reconhecido por Espanha.

Pressão para novo referendo

Questionada no Parlamento pelo deputado dos Verdes Patrick Harvie sobre os planos sobre um segundo referendo sobre a independência, Nicola Sturgeon arrefeceu os ânimos ao dizer que é necessário um "pouco de clareza" para ver o que se segue. "Já vimos os termos do acordo e fica por saber se irá a votos na Câmara dos Comuns nas próximas semanas. Vamos ver como é que toda esta triste saga se desenrola e então tomarei a cargo o compromisso, tal como afirmei", disse.

Em março de 2017 o Parlamento escocês aprovou a realização de um novo referendo sobre a independência, a ter lugar entre o outono de 2018 e a primavera de 2019. No entanto, o governo britânico nunca respondeu. Dias antes, Theresa May afirmara que "não era altura" para discutir um plebiscito.

Sem aprovação por parte de Londres, Edimburgo pode realizar na mesma uma consulta, mas sem ser juridicamente vinculativa.

"Não tenho dúvidas de que a Escócia vai ter uma nova oportunidade para decidir a questão da independência e quando o fizer estou confiante de que a Escócia vai optar por ser um país independente", declarou Nicola Sturgeon.

No entanto, na mais recente sondagem realizada pela Survation a pedido do SNP (no fim de setembro e princípio de outubro), só 47% dos inquiridos votaria a favor da independência da Escócia. Por outro lado, 36% dos inquiridos dizem que, perante o cenário da saída do Reino Unido da UE, é mais provável apoiarem a independência contra 20% que dizem ser menos provável.

Reversão unilateral nos tribunais

Numa outra frente da batalha, o Supremo Tribunal do Reino Unido recebeu um recurso do governo britânico no sentido de impedir que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) examine uma ação para se saber se o país pode reverter unilateralmente o Brexit.

Políticos escoceses de vários partidos que se opõem à saída do Reino Unido da União Europeia querem que o tribunal com sede no Luxemburgo esclareça se Londres pode retirar a notificação para sair da união sem a permissão dos outros países membros da UE. No entanto, o governo de Theresa May argumentou que a possibilidade de reverter a decisão era irrelevante, já que os ministros não tinham intenção de fazê-lo.

O Supremo Tribunal escocês determinou na semana passada que o governo britânico não poderia impedir o TJUE de realizar a sessão agendada para dia 27. Os partidários pela permanência na UE esperam que a ação legal permita um segundo referendo e em consequência o Reino Unido se mantenha na união.

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