Maduro: "O mundo é maior do que o império norte-americano"
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, tomou hoje posse para mais um mandato de seis anos, quase oito meses depois das eleições que parte da comunidade internacional não reconheceu.
A cerimónia decorreu no Supremo Tribunal de Justiça e não, como tradicionalmente, na Assembleia Nacional, onde a oposição tem a maioria e cuja legitimidade o presidente não reconhece.
"Juro, em nome do povo da Venezuela", disse Maduro. "Juro pelo libertador Simon Bolívar. Juro pelo legado do nosso comandante Hugo Chávez", acrescentou, diante do presidente do Supremo Tribunal, Maikel Moreno. "Juro pelas crianças da Venezuela no futuro não dar descanso ao meu braço nem repouso à minha alma, Juro que cumprirei e mandarei cumprir todos os meus deveres previstos na Constituição para defender a independência e integridade da pátria", indicou. "Juro em nome de Deus", afirmou, antes de voltar a receber a faixa presidencial, que mais tarde disse ser a mesma que foi usada pelo falecido presidente Hugo Chávez.
Entre os símbolos da presidência, que recebeu, está também a chave que abre o sarcófago onde repousa Simon Bolívar, o libertador das Américas, e outra que abre o cofre onde está a declaração de independência original.
No seu discurso, Maduro reiterou que a sua tomada de posse é um ato "constitucional, institucional" e apelidou-a de "um passo de paz" para a Venezuela. "Este ato é um ato de paz, porque todo o ato que certifique e faça cumprir a letra, a palavra, da constituição da República, são eventos que somam ao conjunto de forças constitucionais, políticas, de paz para a nossa pátria", indicou, com a Constituição de 1999 na mão.
Maduro denunciou, em todo o mundo, uma campanha de 20 anos contra a revolução bolivariana: "20 anos de mentiras perversas, asquerosas." E reiterou que a Venezuela é um país "profundamente democrático", lembrando todas as eleições que já existiram nos últimos 20 anos e lembrando que a revolução bolivariana só perdeu em duas ocasiões.
Maduro lembra as suas origens pobres, criticando a direita venezuelana que estudou nos EUA. "Não nos formámos na escola da oligarquia que despreza os pobres", disse. "A nossa escola foi a luta social, as assembleias sindicais. Essa foi a minha escola", referiu, lembrando depois ter tido a sorte de conhecer Hugo Chávez. "Eu sou um presidente democrático, de uma cultura de bases."
"O mundo é maior do que o império norte-americanoe os seus satélites (...) aqui está presente esse mundo", disse Maduro. "Já não é um mundo hegemónico, de império, e escutem-me bem, nunca mais vai ser. Nunca este mundo voltará aos tempos coloniais", acrescentou, numa referência aos EUA.
Maduro disse que propôs uma cimeira extraordinária de líderes da América Latina e Caraíbas para debater "francamente" a situação na Venezuela e acabar com as divisões no continente, mas que ninguém quis encontrar-se com ele. "Acho que têm medo de nós", referiu o presidente venezuelano, dizendo continuar disponível para tal encontro.
Em paralelo, a Organização de Estados Americanos (que reúne todos os países do continente americano) aprovou uma resolução para declarar ilegítimo o segundo mandato de Maduro. A resolução foi aprovada por 19 voto a favor, seis contra, oito abstenções e uma ausência.
"Que levante a mão o país que não tem problemas. Que levante a mão o governo que não tem problemas", lança Maduro, dizendo que o povo continuará a resistir.
No seu discurso, Maduro agradece o apoio dos assessores russos em matéria económica que estão a ajudar o país.
Em relação à Europa, Maduro fala numa "onda de investidores europeus" na Venezuela. Mas pede respeito à União Europeoa: "Já foi suficiente o que nos fizeram em 500 anos de colonização. Basta de agressões contra a Venezuela. Não venhas outra vez com o teu velho racismo velha Europa, já tivemos suficiente escravatura", diz Maduro, dizendo que na Europa a revolução bolivariana é vista com bons olhos pelos povos, pelos movimentos sociais. Conta que lhe ofereceram um "colete amarelo", numa referência aos protestos que começaram em França.
A União Europeia, assim como os Estados-membros, estiveram ausentes da tomada de posse de Maduro.
Depois da tomada de posse, Maduro desfilará pelo centro de Caracas, com a televisão estatal a mostrar milhares de pessoas nas ruas para esse momento.
As eleições presidenciais decorreram a 20 de maio e Maduro conquistou 67,8% dos votos (a participação foi de apenas 46%), com a Mesa de Unidade Democrática (MUD, oposição) a recusar participar. As eleições estavam previstas só para dezembro e foram adiantadas, não dando tempo à realização de primárias. As eleições decorreram sem observadores internacionais e garantias democráticas.
"Tentaram transformar uma tomada de posse constitucional numa guerra mundial", disse Maduro na véspera da cerimónia. "Mas quer chova ou faça sol, vamos triunfar", indicou.
Maduro, que sucedeu a Hugo Chávez e foi eleito para um primeiro mandato a 14 de abril de 2013, tomou posse como "presidente constitucional da República Bolivariana da Venezuela", entrando no tribunal junto com a mulher, Cília Flores, conhecida como "primeira combatente".
O presidente venezuelano tomou posse para um novo mandato, até 2025, numa cerimónia no Supremo Tribunal de Justiça na presença de vários aliados, como o colombiano Evo Morales, o cubano Miguel Díaz-Canel ou o nicaraguense Daniel Ortega.
Mas não são só os países bolivarianos a estar presentes em Caracas: na cerimónia estiveram representantes da Rússia, da China ou da Turquia, por exemplo.
Mas os EUA (que o apelidam de "ditador" e a União Europeia, assim como com os seus estados-membros, incluindo Portugal, não estiveram representados.
"Os EUA não vão reconhecer a ilegítima tomada de posse da ditadura de Maduro. Vamos continuar a aumentar a pressão ao regime corrupto, apoiar a democrática Assembleia Nacional e pedir democracia e liberdade na Venezuela", escreveu John Bolton, conselheiro de segurança nacional dos EUA.
"Temos sido muito claros ao dizer que as eleições na Venezuela não foram nem livres, nem justas e que lamentamos que, apesar de todos os apelos da comunidade internacional, incluindo da UE, não tenham decorrido novas eleições, em conformidade com as regras internacionais. Neste contexto, nem a UE nem os seus Estados-membros vão participar na sessão inaugural de hoje", disse Maja Kocijancic, porta-voz do Serviço Europeu de Ação Externa.
Também os países do chamado Grupo de Lima (entre eles Canadá, Argentina, Brasil, Chile ou Colômbia) não estiveram presentes, visto que não reconhecem a legitimidade de Maduro como presidente venezuelano.
Enquanto decorria a cerimónia, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, anunciou a rutura de relações diplomáticas com a Venezuela e o fecho da embaixada em Caracas.
Nas redes sociais, os venezuelanos foram convidados a partilhar as suas mensagens a Maduro com o hashtag #YoSoyPresidente (Eu sou presidente), que foi o mais usado no Twitter da Venezuela. Em segundo lugar, vinha o hashtag #MaduroNoEsMiPresidente (Maduro não é o meu presidente).
No seu Twitter pessoal, Maduro partilhou uma foto da tomada de posse do falecido presidente Hugo Chávez, em 2007. "Ao cumprirem-se 12 anos, assumo com maior responsabilidade e compromisso, o novo período presidencial 2019-2025. Veneceremos!", escreveu numa mensagem.