'El Pollo': que segredos esconde o ex-líder da contraespionagem de Chávez detido em Madrid?

O ex-general Hugo Carvajal, que os EUA acusam de ligações ao narcotráfico, apoiou em finais de fevereiro Juan Guaidó. Foi preso esta sexta-feira em Espanha, onde tinha chegado com um passaporte em nome de "José Mourinho". Fica detido a aguarda decisão sobre extradição.
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Foi chefe da contraespionagem militar da Venezuela durante o governo de Hugo Chávez, chegou a ser recebido como herói pelo presidente Nicolás Maduro depois de ter estado quatro dias detido em Aruba, mas desde finais de fevereiro que declarou o seu apoio ao presidente interino Juan Guaidó. O ex-general Hugo Carvajal foi detido esta sexta-feira, em Madrid, a pedido dos EUA, que o acusam de ligações ao narcotráfico. Tinha entrado em Espanha com um passaporte em nome de José Mourinho -- o ex-treinador português do Real Madrid e do Manchester United.

A detenção ocorreu às 15.30 quando saía da casa do seu filho em Madrid, tendo Carvajal sido presente este sábado a tribunal. Cabe à Audiência Nacional, máxima instância judicial em Espanha, analisar o pedido de extradição feito pelos EUA e que o ex-general vai tentar travar. O tribunal decidiu que ficará preso até essa decisão.

Desde 2008 que estava na lista de "pessoas de interesse" e era alvo de sanções do Departamento do Tesouro, mas só em 2014 foram reveladas parte das acusações contra si a nível judicial: desde estar na lista de assalariados de um cartel colombiano a ter investido o próprio dinheiro em carregamentos de droga e coordenar pessoalmente o envio de milhares de quilos de cocaína para os EUA.

O venezuelano sempre negou as acusações, que vieram a público depois de Carvajal, então sido nomeado cônsul-geral da Venezuela em Aruba, ter sido detido nesta ilha holandesa nas Caraíbas a pedido dos EUA. Apesar de não ter sido ainda acreditado oficialmente, acabaria por ser libertado depois de as autoridades venezuelanas acusarem Aruba de "rapto" de um representante com imunidade diplomática e ameaçarem com represálias.

Agora, essas mesmas acusações resultam na detenção em Madrid. Segundo os media espanhóis, terá chegado à capital espanhola a 18 de março, entrando com um passaporte em nome de José Mourinho. As autoridades investigam se o passaporte é falso ou se pertence a outra pessoa.

Em relação à decisão da extradição, as autoridades norte-americanas têm 40 dias para justificar o pedido de extradição. Exceto se Carvajal aceitasse ser extraditado de forma voluntária, a decisão final sobre a sua entrega aos EUA cabe ao Conselho de Ministros. O tempo que demorar o processo pode demonstrar se está a colaborar ou não com as autoridades norte-americanos para revelar os segredos que sabe sobre o regime venezuelano.

Em fevereiro, depois de toda uma vida dedicada ao chavismo, declarou o seu apoio a Guaidó, num vídeo publicado no Twitter. "Presidente interino da República Bolivariana da Venezuela, aqui está mais um soldado pelas causas da liberdade e da democracia para ser útil na consecução dos objetivos de restaurar a ordem constitucional que nos permita convocar eleições livres", disse. Desconhecia-se desde então o seu paradeiro.

"El Pollo" Carvajal

O general Hugo Armando Carvajal Barrios nasceu a 1 de abril de 1960 em Puerto de La Cruz, no oeste da Venezuela. Foi na Academia Militar da Venezuela, de onde se graduou em 1981, que conheceu Hugo Chávez, que terá sido seu instrutor. É dos tempos da academia que lhe vem também a alcunha "El Pollo" (frango, em espanhol).

Carvajal esteve desde então ao lado de Chávez, tendo participado na tentativa de golpe de Estado que este liderou a 4 de fevereiro de 1992 contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Detido junto com os outros militares, seria amnistiado mais tarde.

Em 2004, cinco anos depois da eleição de Chávez, acabaria por ser nomeado chefe da Direção de Inteligência Militar (DIM). Um cargo que ocupou até 2011 e ao qual voltou em abril de 2013, já após a morte do mentor e com Nicolás Maduro na presidência. O organismo tinha então mudado de nome, passando à atual Direção de Contrainteligência Militar.

Pelo meio, ainda liderou a agência contra o crime organizado e o financiamento do terrorismo. Na reforma desde 2012, foi eleito deputado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela em 2015.

Carvajal conhece bem por dentro os segredos de Nicolás Maduro e de outros altos cargos venezuelanos, pelo que a sua detenção e eventual extradição para os EUA é uma ameaça para o governo. O senador norte-americano, Marco Rubio, escreveu na sua conta de Twitter que em breve Carvajal "irá para os EUA para fornecer importantes informações sobre o regime de Maduro", considerando que este é um "mau dia para a 'família do crime de Maduro'."

"Fizeste-nos sofrer, ouviste", disse Maduro quando recebeu Carvajal como "herói" em finais de julho de 2014, depois de este ser libertado em Aruba.

Além das alegadas ligações ao Cartel colombiano do Norte del Valle, Carvajal também é suspeito de fazer parte do Cartel de los Soles (cartel dos sóis), que será supostamente formado por membros corruptos das Forças Armadas e do governo venezuelano. Em fevereiro, depois de apoiar Guaidó, o ex-general disse numa entrevista ao The New York Times que tinha testemunhado como vários membros do regime venezuelano estão envolvidos no tráfico de droga.

O ex-general é também suspeito de ligações à ex-guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), tendo rejeitado nessa mesma entrevista as acusações. Alegou que só esteve em contacto com com os guerrilheiros para negociar a libertação de um empresário venezuelano que teria sido raptado.

Carvajal tinha em fevereiro de 2017 pedido para ser excluído da lista negra do narcotráfico dos EUA, dizendo-se disposto a viajar para os EUA para ser investigado.

Defesa no Twitter

Há dias, no Twitter, Carvajal defendeu-se do facto de não estar a denunciar as ligações do governo venezuelano ao narcotráfico, o que sabe sobre os ativos de líderes do Partido Socialista Unido da Venezuela no estrangeiro, sobre a informação dos grupos terroristas que atuam na Venezuela ou são financiados pelo país ou sobre a presença cubana nas instituições do Estado venezuelano. Ao longo de várias mensagens defendeu que essa informação tem que estar nas mãos daqueles que têm capacidade para investigar.

"Atrás do plano político existe um que não se vê, o das informações sensíveis para os Estados. Tenham a certeza de que estou a fazer e continuarei a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para devolver a liberdade e a democracia ao meu país", escreveu na última mensagem dessa série.

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