"É uma satisfação ver como tem mudado a perspetiva dos americanos sobre Portugal"

Entrevista em Washington ao embaixador de Portugal nos Estados Unidos, Domingos Fezas Vital.
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Em entrevista ao DN na chancelaria da embaixada de Portugal em Washington, o embaixador Domingos Fezas Vital faz um primeiro balanço da apresentação do festival Terras Sem Sombra que decorreu nos últimos dias na capital americana. Uma iniciativa que contou com o apoio da embaixada. No seu gabinete do segundo andar no edifício de tijolo vermelho que exibe a bandeira de Portugal ao lado da da União Europeia, o diplomata, no cargo desde setembro de 2015, garante que a comunidade portuguesa está a mudar, mas que diferentes gerações e diferente profissões se unem quando se trata de projetar o peso que os portugueses e lusodescendentes têm hoje na América.

Que balanço faz desta iniciativa do festival Terras Sem Sombra que trouxe até Washington não só o cante alentejano, mas também uma delegação que inclui empresários, políticos?

Eu acho que foi uma excelente iniciativa. É a ilustração do que é a atividade diplomática hoje. Às vezes há uma tendência para apresentar a diplomacia como se fosse um conjunto de silos. Diplomacia económica, diplomacia cultural, diplomacia científica, etc. Eu nunca gostei muito dessa apresentação da diplomacia. Acho que a atividade diplomática é una. E tem depois as suas várias dimensões. O que prova esta missão é que a vertente cultural pode alavancar uma expressão diplomática institucional, económica, que é aquilo que o programa extremamente rico desta missão tão bem ilustra. Tivemos aqui uma delegação cultural, institucional e económica. O programa cultural, como vimos, foi um enorme sucesso. Tivemos o cante alentejano numa sala emblemática da vida cultural americana e com o sucesso que se viu. Um sucesso que, vou ser franco, ultrapassou largamente as minhas expectativas. Foi um dia de tempestade de neve, de shutdown, o Kennedy Center a abrir ao público praticamente em cima da hora do espetáculo. Mesmo assim tivemos a casa cheia, com gente sentada nos degraus e tudo, para ouvir. E o entusiasmo com que as pessoas receberam o espetáculo foi muito interessante. Na parte institucional, esta terça-feira, tivemos os encontros no Congresso, que correram muitíssimo bem. Ficou aliás já aprazada uma missão de luso-eleitos a Portugal que incluirá uma visita ao Alentejo, para verem tudo aquilo que foi agora apresentado por quem lá esteve a nível institucional e económico. E vamos ter duas reuniões ainda na Câmara de Washington. Uma delas é para explicar como funciona a Câmara Municipal da capital dos EUA, os desafios que enfrentam, como se organiza para lhes dar resposta. Outra é sobre o conceito das smart cities. A inovação aplicada à gestão camarária. Isso é extremamente interessante para os nossos autarcas. Depois, na parte económica, temos tido inúmeros encontros. Quem integrou esta comitiva tem podido encontrar os seus contrapartes americanos, de associações, e também de interesses económicos específicos. Isto permite abrir aqui uma porta para uma cooperação futura que é extremamente promissora.

Ninguém duvida do peso da diplomacia portuguesa, sobretudo desde a eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU, mas este lado de soft power é muito importante para um pequeno país se dar a conhecer na América?

Absolutamente. Aqui temos procurado apostar muito no que se chama a diplomacia pública. Que é colocar Portugal no radar americano e chamar a atenção dos americanos para o facto de nós sermos um país próximo, que tem muito para oferecer. E acho que esse esforço tem sido largamente compensado. É uma fonte de satisfação para nós todos aqui na embaixada ver como tem mudado a perspetiva dos americanos sobre Portugal. O que se traduz no crescimento exponencial do turismo americano para o nosso país. Temos de fazer um esforço acrescido para que os números que já são melhores do que eram sejam ainda melhores também no que diz respeito ao investimento em Portugal. Na parte comercial os números são excelentes, tem crescido muito o comércio entre os dois países. Os EUA são neste momento o nosso quinto maior mercado no mundo e o maior depois da União Europeia. Claro que não devemos ter receio de ser ambiciosos, querer sempre mais e melhor. É para isso que aqui estamos. Mas acho que, olhando para trás e vendo o caminho que foi feito, temos razões para estar muito satisfeitos.

Há dias o The New York Times metia os Açores na lista dos lugares a visitar em 2019. Há claramente um novo interesse por Portugal nos EUA. Desta vez foi o Alentejo, mas há projetos para dar a conhecer outras regiões de Portugal aqui na América?

Nós temos procurado fazer exatamente isso. Todos os anos, através de uma iniciativa de diplomacia pública que é o Toast to América, que lembra o facto de a independência americana ter sido celebrada com vinho Madeira, nós de alguma forma fazemos uma divulgação implícita de uma região que é a Madeira. Até porque a iniciativa é na sua larga maioria custeada pela região da Madeira. E gosto de acreditar que o facto de as exportações do vinho da Madeira para os EUA estarem a crescer exponencialmente também tem a ver com esse facto. Com a notoriedade que se tem conseguido para o vinho da Madeira por via dessas iniciativas. O Toast to America entrou claramente no léxico das festas da independência. No ano passado tivemos um grande momento dos Açores aqui na embaixada. Foi o dia da Open House da embaixada, quando tivemos 3000 pessoas que nos visitaram aqui. E o convidado desse ano, de alguma forma, foram os Açores. Tivemos uma exposição, uma ação de promoção. Temos agora o Alentejo. E estamos obviamente aqui muito abertos a quaisquer ideias, propostas ou sugestões que nos possam chegar de outros quadrantes. Acho por exemplo que há um potencial muito grande para se fazer algo interessante com o Porto e o Norte no geral. A área comercial é fortíssima no Norte, hoje há museus magníficos, a Casa da Música tem uma orquestra que é uma referência em Portugal, tem a parte económica, a parte institucional. Seria um seríssimo candidato para uma grande ação promocional aqui.

Além do Toast to America, a embaixada tem desenvolvido várias iniciativas. Tem alguma prevista para breve?

Vamos procurar ao longo deste ano dar seguimentos ao que foi o mês de Portugal. Obviamente, repeti-lo é impossível. O que aconteceu em 2018 não se pode fazer todos os anos. Mas de alguma forma queremos. Dar seguimento à isso. E também na frente económica. Vamos fazer em Nova Iorque em junho um fórum económico. Estamos ainda a trabalhar no programa. Mas tirando partido dos bons números que estamos a ter no turismo é o que eles possam representar, queremos apresentar o turismo como uma alavanca para outros sectores. Trabalhar essa ideia. Vamos fazer de novo a open house na embaixada em maio, vamos voltar a fazer o Toast to América, temos o nosso programa cultural que está atualmente para avaliação no Instituto Camões. E este ano, em articulação com as estruturas dirigentes do ministério, tenciono apostar mais nos estados americanos. Procurar ir mais ao resto dos EUA. E a estados onde julgo que haverá um forte potencial para todos nós. Em todos os domínios. E quero fazer isso de uma forma articulada, de forma a que seja possível que o programa tenha uma vertente cultural, académica, de reflexão e análise sobre o relacionamento entre Portugal e os EUA. Mas também económica e política. Pedi à nossa delegação da AICEP para me preparar uma análise sobre quais deviam ser as nossas principais apostas. Esse trabalho foi feito e é com base nele que vamos procurar definir um plano de mísseis que eu possa realizar a esses estados ao longo destes meses.

Em 2018 esteve o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, esteve cá o primeiro-ministro António Costa. Essas vindas dos líderes políticos portugueses cá foi importante para a comunidade?

Importantíssimo. Diria que toda a forma de apresentar o esquema do 10 de Junho foi extremamente bem pensada. Sabendo que a grande maioria da nossa comunidade aqui é de origem açoriana, o facto de o senhor presidente e o senhor primeiro-ministro terem vindo para os EUA dos Açores foi uma magnífica ideia. Porque para toda esta gente, eles vieram da terra de onde as suas famílias partiram também. E vieram ao encontro deles aqui. Politicamente isso tem um valor inestimável porque para os EUA eu julgo que somos o único país até hoje que elevou o seu dia nacional com o seu presidente e o seu primeiro-ministro presentes em território americano, o que permitiu também sublinhar uma das ideias que nós queríamos transmitir com o dia de Portugal que era o slogan que usámos: neighboursacrosstheocean, ou seja, a ideia da vizinhança m do quão próximos nós somos. E portanto, trazer as mais altas figuras aqui é celebrar o nosso Dia Nacional na terra deles, com a nossa comunidade, vindo dos Açores, foi uma magnífica ideia.

A própria comunidade portuguesa nos EUA está a mudar. À comunidade tradicional juntou-se recentemente uma nova comunidade. Como é o convívio entre as duas?

Convivem com uma grande naturalidade. Houve um momento no mês de Portugal que acho que foi de mudança qualitativa. Extremamente importante. Foi a primeira convenção da comunidade luso-americana nos EUA. A PALCUS, em associação aqui connosco, organizou isso aqui em Washington, na embaixada. E tivemos mais de 400 delegados que vieram de todo o país e que se reuniram em Washington para falar sobre o que és comunidade de hoje o o que ela quer para o futuro. Estes delegados representavam toda essa comunidade de que me está a falar. Os mais jovens, os mais antigos, dos que têm vocação profissional num determinado ramo, ou noutro. Tivemos ali um retrato muito completo do que é a nossa comunidade. E toda essa gente se juntou para, em conjunto, pensar o presente e o futuro. Acho que foi a melhor ilustração dessa capacidade de diálogo e de quanto todos têm a ganhar com esse diálogo entre gerações, entre profissões, até entre convicções políticas diferentes. Isto representou dois valores políticos de enorme importância. O primeiro foi, para a própria comunidade, constatar o que ela é hoje nos EUA. O peso político, económico e social que tem. Isto contribui para promover algo que é essencial: a auto-estima, as pessoas perceberem o que valem efetivamente. Valem muito e todos os dias mais. O segundo foi: isto teve lugar em Washington, sede do poder político nos EUA. E por isso permitiu mostrar ao poder poder aqui o que é hoje a comunidade luso-americana, o peso que tem, o valor. Isto é extremamente importante. Tem um valor estratégico. Diria que foi das iniciativas mais marcantes do Mês de Portugal.

Ganhou em 2018 o prémio de diplomata económico do ano, este tipo de prémio, além de dar visibilidade ao trabalho do diplomata, traz mais responsabilidade?

Absolutamente. Em primeiro lugar o prémio vem da sociedade civil. Portanto, para mim, confesso que ver o trabalho que foi feito nesta embaixada - porque o prémio distingue um diplomata mas no fundo distingue a ação desse diplomata. Era a ação desse diplomata não era possível sem a equipa que eu tenho aqui. É o resultado de um trabalho que é de todos nós. E há um reconhecimento da sociedade civil perante isso. Voltamos ao reconhecimento da mais valia que a diplomacia no seu conjunto pode significar para a sociedade civil. Como disse no dia em que recebi o prémio, estou consciente que de cada vez que se concede o prémio a alguém a a algumas instituição, com ele vem uma expectativa. De que o trabalho que foi feito e que justificou esse prémio continue. Aqui ou onde eu estiver. O meu compromisso com quem me deu esse prémio é de procurar estar à altura dessa expectativa. Servir Portugal é uma honra e um privilégio. É o que sempre quis para a minha vida. Todos os dias, de alguma forma, eu recebo um prémio. Por ter a oportunidade de servir o meu país. Digo isso muitas vezes aqui, que temos de estar à altura desse prémio, desta confiança que o nosso país deposita em nós, na nossa capacidade para representar os seus interesses, a sua imagem, de dar dele a melhor imagem. Isso é uma enorme responsabilidade mas também um enorme privilégio. Isto aqui foi o consubstanciar em algo concreto um prémio que é de todos os dias.

E ainda não falámos da Base das Lajes...

Mas podemos falar! E por muito boas razões. O que se passa neste momento é que temos a base das Lajes a servir um propósito. Ultrapassámos muitos obstáculos. Estamos na fase final da análise das consequências da decisão norte-americana. E a encontrar alternativas para as quais esperamos poder contar com a parceria dos EUA. Estamos aqui a vive uma boa fase.

O DN viajou a convite do festival Terras Sem Sombra

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