"É inaceitável que a Rússia venda armas ao Azerbaijão"
Em entrevista ao DN, o chefe da diplomacia de Stepanakert lamenta que o Azerbaijão rejeite o diálogo e prefira as ameaças de guerra
Tirando alguns estados cuja independência também não é reconhecida, como a Ossétia do Sul e a Transnístria, quase ninguém reconhece a independência do Nagorno-Karabakh (NK). Sente que tem as mãos atadas enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros de um país que, no fundo, quase ninguém vê como país?
Por um lado, claro que sim. Se a independência do NK fosse reconhecida muitas mais portas se abririam. Mas, por outro lado, a situação em que nos encontramos obriga-me a atuar de forma mais criativa e menos tradicional, o que torna este trabalho muito interessante. Mas não quero que fique a ideia de que a nossa república não é reconhecida por ninguém. É verdade que não somos reconhecidos pelos membros das Nações Unidas, mas, a vários níveis, já conseguimos reconhecimento internacional. Para dar um exemplo, oito dos estados dos EUA reconhecem a nossa independência. Um deles é a Califórnia, que é uma das maiores economias do mundo. O reconhecimento da independência do NK não existe a nível da ONU, mas tem vindo a acontecer de forma bastante ativa a uma dimensão mais regional.
O que impede a comunidade internacional de dar o passo em frente?
Essa questão prende-se com interesses geopolíticos que acabam por ser um obstáculo ao nosso reconhecimento. Mas, vendo o problema por um outro prisma, o nosso país está perfeitamente estabelecido a nível interno, com instituições democráticas sólidas. Olhemos, por exemplo, para o precedente que se abriu com o Kosovo. As instituições kosovares eram bastante débeis, mas os interesses geopolíticos levaram a que a independência fosse reconhecida com rapidez e com que a comunidade internacional se desse ao trabalho de fazer esforços para reforçar essas instituições. O Kosovo é um precedente a nível da lei internacional porque a sua independência foi reconhecida independentemente da opinião da anterior metrópole, a Sérvia. A independência do Kosovo foi em parte justificada como uma forma de cimentar a segurança nos Balcãs. E é um facto que, depois de o Kosovo ter sido reconhecido, passou a ser muito difícil imaginar Belgrado a atacar Pristina. No caso do NK, o reconhecimento da independência também resultaria num aumento da segurança. Como essa segurança acaba por ser do interesse de todos, acreditamos que esse passo em frente possa vir a acontecer.
A Rússia joga um papel fundamental no conflito, mas Vladimir Putin vende armas ao Azerbaijão, à Arménia e ao NK. Moscovo terá de facto interesse na paz?
A Rússia é um país amigo da Arménia e um parceiro estratégico. Por isso, para nós, é inaceitável que também venda armas ao Azerbaijão. Mas a estabilidade na região também é do interesse da Rússia.
Tem alguns contactos, mesmo que informais, com o ministério dos Negócios Estrangeiros do Azerbaijão?
Não, mas até 1997, quando ainda tínhamos lugar à mesa nas negociações de paz, havia comunicações regulares e intensas entre os dois estados. A questão é que o Azerbaijão hoje em dia rejeita esse formato negocial. Atualmente não existem relações de qualquer tipo.
Está no cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros desde setembro do ano passado. Alguma vez tentou iniciar um diálogo com o seu homólogo azeri?
Por diversas vezes manifestámos o nosso desejo de dialogar, mas o Azerbaijão não tem qualquer interesse nesse sentido. Receiam que o facto de tratarem o NK como parceiro negocial possa levar, mais tarde ou mais cedo, a um reconhecimento internacional da nossa independência.
Desde o cessar fogo assinado em 1997 parece que não houve mais passos em frente e que ninguém está disposto a fazer cedências. O que está o NK disposto a conceder em retorno pelo reconhecimento da independência?
O facto de ninguém estar disposto a fazer concessões é consequência de as partes em conflito não confiarem umas nas outras. Antes de mais, é preciso restabelecer essa confiança, algo que não é possível quando o Azerbaijão mostra constantemente que está a preparar-se para a guerra. Mesmo nos livros escolares há clichés agressivos e discriminatórios contra o povo arménio. Se é assim que escolhem educar as crianças é difícil pensar que as conversações de paz possam ser retomadas em breve. As ameaças à nossa segurança são diárias e o presidente do Azerbaijão não esconde o desejo de conquistar Stepanakert. Neste contexto, não faz sentido estamos a falar de possíveis concessões. Primeiro precisamos de garantir a nossa segurança.
Amanhã preferiria acordar como um país independente reconhecido pela comunidade internacional ou como parte da Arménia?
A estratégia passa pelo reconhecimento da independência, mas claro que existe o sonho da reunificação com a Arménia, porque uma nação não deve estar separada.
O conflito no Nagorno-Karabakh remonta aos anos 1920, quando, na ressaca da Primeira Guerra Mundial, José Estaline decretou que esta região, de maioria arménia, passaria a ser parte integrante da então recém-criada República do Azerbaijão. As décadas seguintes, vividas debaixo do unificador manto comunista, foram de relativa acalmia, mas tudo mudou com o colapso da União Soviética. Em 1991 o Nagorno-Karabakh declarou unilateralmente a independência. A guerra instalou-se e as armas só se calariam em 1994, com a vitória arménia. Desde então, o conflito ficou congelado. A paz nunca foi assinada e o país não é reconhecido por qualquer Estado membro das Nações Unidas.