Do "007 do Estoril" às "orgias canibais" da Papua. Como Boris vê o mundo
Com o Brexit a dominar a sua agenda assim que tomar posse como primeiro-ministro, Boris Johnson terá contudo muitos outros assuntos na agenda. E se os líderes mundiais quiserem saber o que o sucessor de Theresa May à frente do governo de Londres pensa deles e do seu país, nem precisam de procurar muito. Dois anos como ministro dos Negócios Estrangeiros, oito anos à frente da Câmara de Londres e décadas como jornalista e colunista dão uma ideia das suas posições.
Numa passagem por Lisboa em outubro de 2017, o então chefe da diplomacia britânica gravou um vídeo para a BBC Two no qual pretendia salientar a relação especial entre o Reino Unido e Portugal. O resultado é que não foi o esperado. Boris Johnson começou por referir o apoio de Portugal ao Reino Unido na II Guerra Mundial, apenas para ver os assessores recordar-lhe que Portugal não entrou no conflito, tendo mantido a neutralidade.
Boris apontou ainda Portugal como o quarto parceiro comercial do Reino Unido, quando na verdade é este que é o quarto parceiro comercial de Portugal. E a gravação não terminou sem o então ministro lembrar que James Bond nasceu no Estoril. Mais uma vez tendo sido lembrado que foi apenas o Estoril a inspirar Ian Fleming para criar o agente secreto 007.
O vídeo foi publicado no Twitter oficial de Boris, mas as gafes e os bastidores acabaram por se tornar públicas em novembro do ano passado.
Para o presidente americano, Boris Johnson é o "Trump britânico", mas o novo primeiro-ministro britânico também já se desfez em elogios com Donald Trump. A provar que com eles no poder a relação especial entre os EUA e o Reino Unido promete voltar ao clima de lua-de-mel, Boris já elogiou as "muitas, muitas boas qualidades" do presidente americano. A começar pelo desempenho da economia americana: "Este é um tipo que, no final de contas, pôs a economia americana crescer 3,6%".
Mas os dois homens nem sempre estiveram em sintonia. Em 2015, era Boris presidente da Câmara de Londres e Trump candidato às presidenciais americana quando o segundo afirmou que algumas zonas da capital britânica eram tão perigosas que ninguém lá podia entrar. Ao que o mayor respondeu denunciando a "espantosa ignorância" do republicano que o tornava "impróprio para ser presidente dos EUA".
Vamos ver como evolui a relação.
Na sequência dos recentes protestos em Hong Kong, Boris Johnson seguiu a linha do governo de Londres e pediu à China que respeite o conceito de "um país, dois sistemas". O ex-ministro garantiu estar "a 100%" com os manifestantes que protestam contra uma lei da extradição que permitiria a transferência de detidos em Hong Kong para a China continental. E recordou que Pequim garantiu um certo grau de autonomia a Hong Kong após a transferência de soberania do Reino Unido para a China, em 1997.
Em termos económicos, Boris mostrou-se entusiasta do projeto chinês Uma Faixa, uma Rota e garantiu aos media chineses: "Estamos muito interessados no que o presidente Xi [Jinping] está a fazer".
Em junho, Boris Johnson criticava o facto de na Rússia o poder ter sido entregue a "oligarcas e compadrios", referindo ainda que as recentes declarações do presidente Vladimir Putin sobre a morte do liberalismo são "um contra-senso tremendo".
A verdade é que Boris foi o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros britânico a visitar a Rússia em cinco anos, mesmo se no final da visita admitia: "Quando me tornei MNE achei que não havia razões objetivas para sermos tão hostis em relação à Rússia. Sim, havia motivos para suspeitarmos, muitas razões para nos preocuparmos. Mas achei que era possível - cometi o erro clássico de achar que era possível começar do zero com a Rússia".
Numa coluna publicada em 2006 no Daily Telegraph, Boris escrevia: "Durante dez anos nós no Partido Conservador habituámo-nos a orgias de canibalismo e a matar o chefe ao estilo da Papua Nova Guiné". Palavras que o próprio logo admitiu que o obrigariam a colocar a Papua na lista dos países aos quais teria de pedir desculpas.
Sendo os sauditas um dos aliados do Reino Unido no Golfo e um dos seus maiores compradores de armamento, mas também um país acusado pela comunidade internacional de recorrentes violações dos direitos humanos, qualquer ministro dos Negócios Estrangeiros britânico tem de fazer um difícil equilíbrio na relação com Riade. Boris não fugiu à regra.
Enquanto chefe da diplomacia acusou a Arábia Saudita de estar envolvida numa guerra religiosa com o Irão por interposta pessoa e criticou as lideranças fracas de ambos os países. "Há políticos que estão a retorcer e a abusar da religião para cumprir os seus objetivos políticos". Mas logo Downing Street veio esclarecer que esta era a sua opinião pessoal.
Em emails divulgados em junho pelo The Guardian, Boris terá ficado "feliz" por vender componentes de bombas a Riade - bombas que os sauditas com certeza usarão no Iémen, na tal guerra por interposta pessoa com o Irão.