Dívida a empresas portuguesas paga até final do ano
A negociação do programa de apoio económico do FMI a Angola estará concluída até dezembro. Que medidas podem ser antecipadas nos setores financeiro, monetário e fiscal, como a adoção do IVA prevista no OGE para 2019, que serão concretizadas pelo governo angolano?
A negociação com o FMI, que poderá vir a incluir uma componente financeira, visa obter assistência técnica para a estabilização macroeconómica. No essencial, essa assistência técnica destina-se a criar condições para a boa materialização do Programa de Estabilização Macroeconómica e do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, e vem reforçar a nossa capacidade de executar medidas que estão a ser aplicadas desde janeiro de 2018. Concretamente, são medidas vigorosas para a redução da taxa de inflação, para a redução das margens de arbitragem cambial, para a redução das taxas de juro nos diferentes segmentos do mercado financeiro, para a recuperação do nível das Reservas Internacionais Líquidas e para a consolidação fiscal. Dou-lhe alguns exemplos dos resultados já alcançados: a taxa de inflação homóloga de Setembro de 2018 foi de 21,6%, abaixo dos 23,6% registados em Dezembro de 2017; entre Janeiro e Agosto de 2018, o gap cambial entre os mercados primário e informal reduziu-se de 150% para 33,9%; as taxas de juro dos títulos do Tesouro também se reduziram substancialmente, comparativamente aos valores de dezembro de 2017, como é o caso das Obrigações a 364 dias, de 23,9 para 17 por cento, ou das Obrigações Indexadas a 5 anos, cujos juros passaram de 7,5 para 5 por cento.
Este caminho, a par com a consolidação fiscal em curso, levar-nos-á a alcançar saldos orçamentais mais favoráveis, desejavelmente superavits, de tal modo que a trajetória do endividamento seja revertida e as taxas de juro dos instrumentos do Estado continuem a reduzir-se substancialmente.
É possível antecipar um montante a ser acordado com o FMI no quadro do Programa de Financiamento Ampliado que está em negociação?
Ainda estamos a negociar os termos do Programa. O mais importante é reter que o montante que venha a ser aprovado pelo Conselho de Administração do FMI certamente vai ajudar a corrigir os desequilíbrios das contas fiscais e os custos dos financiamentos que se obtiverem por esse canal serão referência para o acesso ao mercado internacional de capitais em condições mais favoráveis. De facto, a eventual contratação desses financiamentos com o FMI poderá ser particularmente importante para a definição de um novo padrão de taxas de juros, mais baixas, para o financiamento do Estado Angolano. Essa redução das taxas de juro dos instrumentos de dívida do Estado irá, por sua vez, criar espaço para uma maior concessão de crédito ao setor privado, por parte das instituições financeiras.
Ainda sobre o OGE: as oscilações do valor do petróleo não poderão comprometer os objetivos estabelecidos, de um superavit de cerca de 1,5%?
Devido à elevada incerteza que impera neste mercado, é grande o intervalo de variação das projeções do preço do Brent para 2019, feitas pelas instituições de referência. Essas previsões oscilam entre um mínimo de 65 e 74 dólares por barril. Consideramos que é conservadora a nossa opção de basear o OGE de 2019 nos 68 dólares por barril. A par disso, está a ser feito um esforço de gestão com todas as empresas que operam no setor petrolífero em Angola para aumentar os níveis de produção. A par desse esforço, o incremento previsto para o setor não petrolífero também deverá permitir acomodar valores mais baixos para o preço do petróleo, caso ocorram.
Que áreas irão ser privilegiadas no OGE para estimular a diversificação da economia e reduzir a dependência da renda petrolífera?
Num cenário como o atual, o crescimento económico ocorre por via do investimento privado, cabendo ao Estado a criação de condições para a atração massiva de investimento privado interno e externo. Como é do domínio público em todos os países com quem Angola tem relações económicas intensas, como é o caso de Portugal, esta tem sido a agenda do atual executivo, sob a liderança do presidente João Lourenço. A proposta de OGE 2019, ao não poder incentivar o crescimento económico por via da incorrência em novos défices, aposta na criação de condições para a redução das taxas de juro dos títulos do Tesouro, mantém o foco na finalização de projetos estruturantes, reserva recursos para a regularização de parte significativa dos atrasados internos e investe na eficiência alocativa da despesa. Há, entretanto, um setor, o da Agricultura, Silvicultura, Pesca e Caça, que vê as suas dotações orçamentais crescerem cerca de 440%, por se reconhecer o papel essencial destas atividades na dinamização económica. Por outro lado, o OGE prevê a dotação de verbas para as instituições financeiras públicas vocacionadas para o apoio ao setor produtivo. Estou a referir-me concretamente ao Fundo Nacional de Desenvolvimento, ao Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrícola, Fundo de Capital Risco, Fundo de Garantia de Crédito, Banco de Desenvolvimento de Angola, para indicar os mais importantes.
O momento da relação luso-angolana tem vindo a ser definido, após a visita do primeiro-ministro António Costa a Luanda, como muito bom. Assim, que expectativas existem para o reforço da cooperação e em que áreas esta se poderá intensificar com a visita do Presidente João Lourenço a Portugal?
No domínio financeiro, temos uma grande expectativa de ver enquadrados nos saldos que ainda estão disponíveis nas linhas de crédito já negociadas alguns novos projetos estruturantes. Além dos 13 já enquadrados, estamos a trabalhar para a inclusão de outros 11, que irão beneficiar do recente incremento do limite de mil milhões para mil e quinhentos milhões de Euros, no âmbito da Convenção Relativa à Cobertura de Riscos de Crédito à Exportação de Bens e Serviços de Origem Portuguesa para a República de Angola, que enquadra as linhas de crédito cobertas pela Cosec. Essa exposição financeira de Portugal a Angola é, de resto, compatível com o facto de Portugal ser, praticamente a par da China, o principal país de origem de nossas importações. Ou seja, Portugal é o país que mais exporta para Angola.
Pode indicar os valores certificados da dívida angolana a empresas portuguesas e se está já definido um plano para o seu pagamento?
Julgo que será curial dizer-lhe que o trabalho de certificação das dívidas reclamadas pelas empresas portuguesas contou com uma colaboração inexcedível da embaixada de Portugal em Luanda. Essas dívidas dizem respeito a 24 empresas, que atuam essencialmente nos setores da Construção e Serviços. Esse trabalho conjunto permitiu certificar dívidas no valor global de cerca de 94 mil milhões de kwanzas, ou seja, cerca de 200 milhões de euros. Dos montantes apurados, cerca de 40% já foram regularizados, através de acordos celebrados com cada uma das empresas. Esses acordos compreendem pagamentos em títulos do Tesouro, compensação de créditos fiscais e em cash. É justo reconhecer a predisposição de algumas dessas empresas para reinvestirem em Angola uma parte importante desses valores. Mas também é importante sublinhar que este esforço de regularização de atrasados com as empresas portuguesas está a ser feito num quadro em que existem créditos reclamados por empresas angolanas e de outros países, a quem estamos a dedicar idêntica atenção. Estamos todos empenhados, o Estado angolano, o Estado português e as empresas envolvidas, em contratualizar a regularização dos restantes 60% ainda este ano.