Como o pai do Pocoyo, artistocrata e amigo do rei de Espanha, perdeu a fortuna, a mulher e o prestígio

Conde e marquês, Jose Maria Castillejo geriu milhões até que em 2016 chegou a miséria. Perdeu a empresa, a mulher separou-se e ficou na rua. Não desiste e aponta as causas - a traição de um sócio mexicano e a corrupção na justiça.
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É um homem da nobreza espanhola e chegou a ser um empresário de grande sucesso. Ostentava os títulos de Conde de Floridablanca e Marquês de Aldam mas a fama e a fortuna de José María Castillejo atingiram o auge a partir de 2006 quando a sua produtora audiovisual, a Zinkia, criou um verdadeiro sucesso mediático e económico sobretudo com o boneco de animação Pocoyo. Tudo parecia encaixar no perfil do empreendedor de sucesso. Mas este mundo acabou por ruir e, conta o jornal espanhol El Mundo, desde a "traição" de um sócio à alegada corrupção na justiça, diversos fatores contribuíram para chegasse a uma situação quase de miséria. Pelo meio o divórcio da mulher Ana Maria de Guzmán, filha dos duques de Ahamada, ainda o fragilizou mais. Resistiu graças à caridade dos seus irmãos mas garante não desistir e abriu uma firma de advogados com o único propósito de lutar contra a corrupção.

Na aristocracia era bem conhecido. O seu casamento realizou-se em julho de 1997 e dele resultaram seis filhos. A celebração da boda contou com a presença daquele que é hoje rei de Espanha, Felipe, que foi colega do noivo na escola Santa María de los Rosales. O casal passou a residir numa casa em Aravaca e passava os verões em Maiorca, onde chegava no seu avião particular. Descreve o diário espanhol que o refúgio na ilha era uma impressionante vivenda à beira-mar, em Cala D'or, com 3000 metros quadrados de terreno. O seu iate de 18 metros também ficava atracado junto à propriedade.

O império acabou por se desmoronar. Jose Maria Castillejo perdeu tudo: dinheiro, mulher, prestígio, relações sociais e até mesmo sua própria empresa, Zinkia, da qual foi demitido como presidente em 9 de junho de 2016. Um furacão que o aristocrata atribui à traição de seu sócio, o milionário mexicano Miguel Valladares, e a um complexo esquema de corrupção judicial e financeira que o deixou a viver na rua e com uma dívida de 20 milhões de euros. Nesse ano, a sua mulher também pediu o divórcio. "O que eu senti? Ninguém está pronto para isso, mas não desisti. Tenho forças para pensar nos meus seis filhos ", afirma.

Hoje, o conde de Floridablanca, que sobrevive graças à ajuda de seus irmãos - "dos poucos que nunca me falharam" -, reside numa pequena habitação em Vallecas. Os seus irmãos pagam a renda de 800 euros por mês e ainda entregam-lhe mais algum dinheiro para que possa comer. A situação não o faz perder a racionalidade nem o leva a vitimizar-se. Sobrevive até com humor: "Tenho um amigo que dorme num banco em El Retiro porque também perdeu tudo por causa da corrupção e diz: 'José María, Deus é mesmo um brincalhão, nós temos que saber rir com ele'."

Na sua vida teve momentos duros. Perdeu a mãe quando tinha seis anos. Três anos depois morreu o pai. Ele e os irmãos foram viver com os avós. Na juventude chegou a frequentar um seminário mas desistiu. "Dei conta que o sacerdócio não era para mim mas permitiu licenciar-me em Filosofia e Humanidades." O percurso acabou por ser outro. Depois de trabalhar num banco, lançou-se nos negócios. Teve uma empresa de venda de telemóveis que vendeu por uma soma milionária a uma multinacional. Depois chegou o audiovisual e o verdadeiro boom das duas finanças com a Zinkia.

Em 2009 a Zinkia estava cotada na bolsa e valia 40 milhões de euros. A crise financeira atingiu em cheio a empresa e Castillejo teve que pedir um empréstimo de 16 milhões à Caja Madrid e aceitar como sócio o mexicano Miguel Valladares, dono de uma holding de comunicação. "Enganou-me. O seu objetivo era levar a Zinkia. Comprou a dívida ao banco por menos de três milhões de euros, e logo veio reclamar-me os 16 milhões", diz o nobre que foi forçado a recorrer ao tribunal para resolver os problemas com os acionistas e os credores.

"Foi a minha ruína, já que a juíza manteve uma relação sentimental com o promotor da parte contrária, Valladares, o que descobri colocando um detetive. Tenho as fotos. Todas as minhas tentativas de denunciar essa irregularidade perante o poder judiciário foram arquivadas. Os documentos estão no meu site, qualquer um pode verificar." Em 2016 chegou ao fim o reinado na ZInkia, com a sua renúncia como presidente. "Perdi o controlo de tudo, e fiquei na mais absoluta ruína".

Este momento coincidiu com o desmoronamento da sua família, quando a sua mulher pediu o divórcio. "Entendo a decisão, não estava preparada para algo tão difícil. Até recebemos ameaças de morte, e ela certamente pensou, como muitas pessoas, que o culpado era eu. Mas o nosso relacionamento é bom, vejo os meus filhos em nossa casa em Aravaca, onde moram com a mãe e até quando ela viaja, posso ficar lá", conta Castillejo.

Diz que não está disposto a atirar a toalha ao chão e é por isso que acaba de fundar uma escritório de advocacia, Dédalo, com dois advogados de Almería para lutar contra a corrupção da administração e da justiça em particular. "Percebi que muitas pessoas neste país perderam tudo por causa da corrupção, como aconteceu comigo. Respeito muito os juízes, a maioria deles é honesta e o seu trabalho é impecável, mas há uma parte, que infelizmente atinge altas instâncias de poder, que age fora da lei com total impunidade", diz o aristocrata, que não está convencido de ser o Robin dos Bosques. "Sinto mais que sou como David lutando contra Golias."

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