Violência xenófoba à solta na África do Sul já fez 5 mortos e 189 detidos

Presidente sul-africano prometeu reprimir o que descreveu como "atos de violência arbitrária". A polícia anunciou a detenção de 189 pessoas e o cônsul-geral de Portugal disse que nenhum português foi afetado até ao momento.
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Os tumultos na África do Sul provocaram cinco mortos, em ataques descritos como xenófobos, levando o presidente do país, Cyril Ramaphosa, a prometer a repressão do que descreveu como "atos de violência arbitrária". A polícia anunciou a detenção de 189 pessoas, a União Africana e a Nigéria manifestaram-se preocupadas e o cônsul-geral de Portugal a aconselhar "cautela" à comunidade portuguesa.

Segundo a Al-Jazeera, as cinco pessoas foram mortas em ataques xenófobos, mas a polícia identificou uma maioria sul-africana entre esses mortos, sem revelar dados concretos. De acordo com os relatos da comunicação social, a polícia disparou balas de borracha e prendeu 189 pessoas no município de Alexandra esta terça-feira, um dia depois de entrar em choque com saqueadores que levaram a cabo pilhagens em empresas estrangeiras, em várias partes da cidade, na área metropolitana de Joanesburgo.

Os protestos iniciaram-se já há vários dias. Em 28 de agosto, o repórter da News24 em Pretória relatava o "caos absoluto", dando conta que centenas de táxis tinham bloqueado várias estradas no centro financeiro e de negócios da capital administrativa da África do Sul.

O presidente sul-africano só agora veio tomar uma posição pública, depois de dias de um crescente silêncio ensurdecedor. Para anunciar mão pesada. "Estou hoje a convocar os ministros da segurança para garantir que estamos atentos a estes atos violentos e que encontremos maneiras de os parar", afirmou Cyril Ramaphosa num post no Twitter. Onde acrescentou: "Não há justificação para nenhum sul-africano atacar pessoas de outros países."

Discurso de Ramaphosa e políticos é parte do problema

Mas Ramaphosa é parte do problema, denuncia uma organização ativista de advogados. Segundo a Right2Know, "os recentes ataques xenófobos a não-sul-africanos podem ser diretamente ligados a pedidos de políticos para 'defender a soberania do estado' e confirma uma perigosa tendência emergente do populismo xenófobo que leva a ataques a estrangeiros. A intenção xenofóbica era, e ainda é, muito clara. Queria fazer o que o Estado não fez: remover os estrangeiros da cidade".

A linguagem desta organização, num comunicado citado pela News24, é dura para com a classe política que governa o país. "Os altos líderes políticos encontram um alvo fácil entre os africanos vulneráveis que procuram construir um novo lar na África do Sul. De facto, existe uma tendência emergente perigosa do populismo xenófobo que leva a ataques a estrangeiros."

Duas dúzias de lojas, propriedade de estrangeiros e locais, foram vandalizadas ou saqueadas. No relato da Al-Jazeera, as críticas da organização de advogados são confirmadas por emigrantes. "Eles queimaram tudo", contou Kamrul Hasan, comerciante oriundo do Bangladesh, à agência de notícias AFP em Alexandra, acrescentando que a sua loja é atacada a cada três a seis meses. "Todo o meu dinheiro acabou. Se o governo [da África do Sul] pagar a minha passagem de avião, regresso ao Bangladesh", admitiu o jovem de 27 anos.

Quem afasta para já problemas maiores são as autoridades consulares portuguesas na África do Sul, que, citadas pela Lusa, dizem esta a acompanhar de perto os levantamentos populares na província de Gauteng.

O cônsul-geral de Portugal em Joanesburgo, Francisco-Xavier de Meireles, aconselhou os portugueses a redobrarem os cuidados, confirmando "não ter até ao momento conhecimento de qualquer incidente com portugueses, nem com estabelecimentos comerciais de portugueses".

Numa nota publicada na página oficial do Facebook, o Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo "alerta todos os portugueses para a necessidade de se manterem atentos e, sobretudo, de seguirem todas as indicações da polícia sul-africana". "Como é do conhecimento geral, os levantamentos populares têm ocorrido com alguma frequência no centro e sul de Joanesburgo, onde ainda vivem muitos portugueses", lê-se na nota. "É por isso de toda a conveniência que adotem comportamentos preventivos para evitar situações delicadas", conclui a nota.

Segundo o diplomata português, ainda citado pela Lusa, a página no Facebook do Consulado Geral de Portugal, em Joanesburgo, registou em menos de 24 horas 9 800 visualizações e 3 800 interações, o que na sua opinião "é muito mais do que o habitual".

Habitantes de cidade rejeitam apelos à calma

A tensão está para durar, a avaliar pelas notícias mais recentes que chegam da África do Sul. Os moradores de Jeppestown, em Joanesburgo, vieram rejeitar pedidos de pacificação feitos pelo ministro da Polícia, Bheki Cele, após dias de violência pública.

Esta terça-feira, os moradores tentaram marchar em direção à esquadra de Jeppestown, onde Cele estava a ser informado dos mais recentes acontecimentos por responsáveis policiais de Gauteng, segundo o News24. A polícia disparou granadas e balas de borracha contra os manifestantes, que mais tarde se retiraram para um parque recreativo local, onde dançavam e cantavam canções tradicionais, esperando por Cele.

O ministro foi recebido com danças. Cele pediu calma e para pararem os ataques às lojas da região, até ao final da semana, quando se realizará uma reunião para se analisar a situação. Os manifestantes rejeitaram o pedido. Alegando que o fim de semana ainda está muito longe, os populares pediram que os estrangeiros sejam mandados embora antes de Cele voltar a falar com eles. E prometeram continuar com os ataques até ao próximo fim de semana.

Esta situação está a preocupar a Nigéria, ao mais alto nível. "O Presidente Muhammadu Buhari tomou conhecimento com grande preocupação de novos ataques contra cidadãos nigerianos e os seus bens na África do Sul desde 29 de agosto", lê-se num comunicado da presidência nigeriana, citado pela agência AFP.

Buhari vai mandar para Pretória, até quinta-feira, um enviado especial para solicitar um encontro com o Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa com o objetivo de transmitir-lhe as suas inquietações e "discutir a situação". Mas o Governo nigeriano já ameaçou na segunda-feira tomar "medidas decisivas" contra a África do Sul em resposta a esta nova vaga de violências xenófobas em Joanesburgo e Pretória.

"Os ataques continuados contra os nacionais nigerianos e os seus interesses económicos na África do Sul são inaceitáveis", apontou o Governo nigeriano esta segunda-feira através da rede social Twitter. "O que é demais é demais."

Fotografias de lojas pilhadas e incendiadas e imagens de imigrantes espancados nas duas cidades sul-africanas inundaram hoje as redes sociais na Nigéria e muitas personalidades públicas nigerianas apelaram ao "boicote total" de empresas sul-africanas, como a DSTV ou o gigante das telecomunicações MTN, e à expulsão do embaixador sul-africano.

As fotos de uma loja da MTN vandalizada em Lagos, capital económica da Nigéria, circulam no Twitter, mas o porta-voz do grupo, Funso Aina, afirmou que as imagens tinham sido manipulados em "Photoshop".

Muhammadu Buhari é esperado na África do Sul em outubro, numa visita de Estado agendada desde há várias semanas. Nigéria e África do Sul são das duas maiores economias do continente africano.

Já em 12 de agosto, foi anunciada a deportação de estrangeiros ilegais, num no prazo de 30 dias, que ficariam detidos no Centro de Repatriamento de Lindela, em Krugersdorp, nos arredores de Joanesburgo. As autoridades sul-africanas não precisaram então a nacionalidade e o número exato de cidadãos estrangeiros ilegais a deportar.

Milhares de estrangeiros, a maioria africanos e muitos deles indocumentados, vivem na África do Sul, nomeadamente em Pretória, Joanesburgo e Cidade do Cabo, onde se dedicam ao comércio informal de rua, muitas vezes à revelia dos proprietários de lojas e das autoridades locais.

com Lusa

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