"Catalanistas" à procura de alternativas para lá do discurso independentista

Nos últimos anos, surgiram vários partidos no centro-direita catalão que não defendem o processo independentista e estudam agora hipóteses de concorrer numa só plataforma às próximas eleições autonómicas, previstas até fevereiro de 2022.
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No dicionário da Real Academia Espanhola, a palavra "catalanismo" designa não apenas uma palavra, frase ou expressão proveniente do catalão, mas também o amor e apego ao catalão. Contudo, já desde a segunda metade do século XIX, que esta palavra ganhou um significado político, de corrente ideológica daqueles que defendem que a Catalunha é uma nação, tornando-se quase sinónimo de independentismo nos últimos anos. Mas não são sinónimos e esse catalanismo não independentista quer recuperar espaço.

Em agosto, nasceu a Lliga Democràtica, que o jornal El Confidencial apresentou como "novo partido catalanista para superar o independentismo". Os seus líderes são a politóloga Astrid Barrio e o ex-presidente da Sociedade Civil Catalã (organização contra a independência) Josep Ramon Bosch, que foi conselheiro do ex-primeiro-ministro francês, Manuel Valls, na sua candidatura à câmara de Barcelona.

O partido defende um catalanismo que "em pleno respeito da Constituição, trabalhe pelo desenvolvimento da singularidade da Catalunha, que alcance a sua máxima capacidade de autogoverno com um financiamento justo e equitativo e que contribua lealmente para o avançar do conjunto de Espanha como força de governo".

Na última quarta-feira, alguns membros da Lliga reuniram-se com cerca de duas dezenas de representantes de outros partidos e movimentos no restaurante Principal de Barcelona para abordar a possibilidade de uma candidatura conjunta às próximas eleições autonómicas. O objetivo é congregar o eleitorado de centro-direita catalanista.

Entre os políticos presentes havia antigos membros do Partido Popular, representantes do Lliures (Livres, um partido que já tinha sido constituído em junho de 2017 e se apresenta como defensor do liberalismo, catalanismo e humanismo), mas também elementos do Units per Avançar (Unidos para Avançar, também nascido nesse mesmo mês, que além de catalanista e humanista, diz-se pró-europeu e moderado) e do Convergents.

Este último foi fundado em novembro de 2017, como uma cisão do Partido Democrata Europeu da Catalunha (PDeCat), que por sua vez já era o resultado da refundação da Convergência Democrática da Catalunha (CDC). Esta formação de centro-direita era a maior da Convergência e União (CiU), como era conhecida a aliança com a União Democrática da Catalunha (UDC), que esteve durante mais de duas décadas no poder na Catalunha. Em 2014, a CDC seria abalada pela confissão do seu presidente e fundador, o ex-presidente da Generalitat Jordi Pujol, de que tinha há mais de 30 anos uma fortuna escondida no estrangeiro.

Pujol, que sempre foi federalista, já só era presidente honorário da CDC quando, sob o comando de Artur Mas, o partido se encaminhou para a via independentista. E deixou "órfãos" alguns eleitores de centro-direita, catalanistas. Os dirigentes do Lliures, incluindo o seu ex-presidente Antoni Fernández Teixidó, ou do Units per Avançar, cujo secretário-geral é Ramon Espadaler, são também antigos membros da CDC ou da UDC. Tal como Germà Gordó, ex-conselheiro de Justiça da Generalitat de Mas, que lidera o Convergents.

Problemas

Mas unir esse eleitorado numa só formação ou movimento não parece fácil. Na reunião desta semana, os membros do Convergents presentes optaram por não assinar o texto comum. Segundo o El Periódico, queriam que o documento incluísse a defesa do "soberanismo", que os outros não concordavam. Estão por isso fora deste jogo.

Já o Units per Avançar, que está coligado com o Partido Socialista Catalão no Parlamento da Catalunha, demarcou-se como partido do encontro, poucas horas antes de este começar. Alegaram que não eram a favor da criação de novos "instrumentos eleitorais", mantendo contudo aberto a porta ao diálogo.

Dentro do Lliures também existe uma cisão, depois de Teixidó ter abandonado a liderança. Um grupo de dirigentes defende que ele não tem legitimidade para falar em nome de todo o partido neste tipo de encontros.

Depois há problemas dentro da própria Lliga Democràtica. Uma das promotoras, Eva Parera, abandonou já o projeto político que ajudou a fundar por causa da sua possível aliança com o Convergents, denunciando "uma mera refundação da Convergência". O seu principal alvo era Germà Gordó, dos Convergents, tendo a decisão sido tomada antes de estes resolverem sair.

"Vou-me embora por coerência pessoal e política. Parece-me demente querer confrontar o independentismo pelas mãos de alguém que votou as leis de desconexão no Parlamento da Catalunha e que defende a existência de presos políticos", disse na terça-feira, citada pelo El País.

No final, o documento assinado na reunião de quarta-feira, citado pelo jornal ABC, estabelece como fim a "construção de uma opção catalanista de centro" para se apresentar às próximas eleições autonómicas. Os objetivos da nova formação passam pelo "reconhecimento da identidade nacional da Catalunha e a defesa por parte dos poderes do Estado da sua singularidade", "o exercício pleno das faculdades e competências reconhecidas no Estatuto da Catalunha", "conseguir um sistema fiscal próprio [para a Generalitat", "fazer da Catalunha um motor económico de Espanha e do sul da Europa" e "a defesa das pequenas e médias empresas e dos trabalhadores independentes".

"Nacionalismo moderado"

Já este sábado, alguns dos que estiveram presentes nesse encontro num restaurante de Barcelona, estarão numa outra reunião, a do chamado "nacionalismo moderado", em Poblet. São esperadas 200 pessoas, segundo o La Vanguardia, chamadas a discutir "o conflito entre Catalunha e Espanha".

A ideia é também criticar o atual processo independentista, mas sem esquecer esse objetivo. Pedem "coragem" às formações independentistas para admitir publicamente o "fracasso estratégico" do seu procés, questionando a legitimidade do referendo de 1 de outubro de 2017, mas defendem que a independência "é um objetivo legítimo a que ninguém deve renunciar".

A ideia, defendem, é "repensar a estratégia soberanista", que inclui "curar as feridas" e "recuperar o prestígio das instituições", apesar da esperada radicalização dos discursos com a decisão sobre o julgamento dos líderes independentistas, "que muitos catalães veem como um castigo e humilhação".

Estas movimentações surgem poucos dias depois da Diada, o Dia da Catalunha, que levou às ruas o valor mais baixo de manifestantes desde o início do processo. Segundo os dados da Guarda Urbana de Barcelona, cerca de 600 mil pessoas participaram na manifestação deste 11 de setembro, o número mais baixo desde 2012. Em 2016, o ano em que menos pessoas tinham participado até agora, tinham saído às ruas 875 mil, segundo a mesma fonte, e já chegaram a ser quase dois milhões. No ano passado, foram cerca de um milhão.

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