Boris Johnson sob suspeita de defender No Deal para beneficiar especuladores

Irmã do primeiro-ministro britânico e ex ministro das Finanças de May, Phillip Hammond, sugeriram que Boris Johnson pode estar a defender os interesses de fundos financeiros que o apoiaram. Um desses fundos ganhou milhões ao apostar contra a libra aquando do referendo e o seu responsável defendeu a suspensão do parlamento muito antes de ser pedida por Johnson.
Publicado a
Atualizado a

Uma catadupa de revelações abriu a possibilidade de uma investigação a Boris Johnson sobre a sua relação com financeiros que apoiaram a sua campanha para a liderança dos conservadores e que poderão beneficiar com uma saída da UE sem acordo. Entre as pessoas que publicamente levantaram essa suspeita está a irmã de Johnson, Rachel, que na quinta-feira declarou à BBC que certos fundos de investimento poderiam estar a influenciar as decisões do PM ou do seu chefe de gabinete, Dominic Cummings.

"Pode ser Cummings a aconselhar o PM para ser extremamente agressivo", disse Rachel Johnson à BBC. "E podem ser as pessoas que investiram milhares de milhões contra a libra na expectativa de uma saída sem acordo."

Já este sábado, o ex ministro das finanças de May, Pillip Hammond, num artigo de opinião intitulado "Já não reconheço este partido de radicais" no The Times, escreveu: "Johnson é apoiado por especuladores que estão a apostar milhares de milhões num Brexit sem acordo - e só há uma opção que funciona para eles: um No Deal com um crash que faça descer a libra e aumente a inflação."

Estas acusações surgem depois de no domingo passado o documentário Tories at War (Conservadores em Guerra), no Channel Four da BBC, ter revelado que Crispin Odey, dono de um dos fundos financeiros que apoiaram a campanha de Johnson para suceder a Theresa May, e que antes financiou a campanha do Leave e o partido de extrema-direita UKIP, parecia saber desde pelo menos o final de julho de um plano para "suspender" o parlamento, um dia antes de Johnson ter ascendido à liderança do partido Conservador, ou seja um mês antes do plano do já primeiro-ministro para concretizar essa intenção ter sido revelado pelo jornal The Observer.

Já em julho especulador falava em "dissolver" o parlamento

Quando entrevistado pelo Channel Four a 22 de julho, Odey disse: "Se estamos à procura de alguém para levar o Brexit para a frente, precisamos de alguém que, se for contrariado, saiba o que fazer. E como não é possível mudar o atual parlamento, tem de ser dissolvido de alguma forma."

Segundo o site de investigação Byline Times , foi dado como provado pelo Supremo Tribunal [que na terça-feira 24 de setembro considerou, por unanimidade, nula a suspensão] que o plano para suspender o parlamento não foi formalmente apresentado pelos juristas ao PM antes de 15 de agosto, apesar de ter sido discutido com o chefe de gabinete, Dominic Cummings. Como já foi referido, o The Observer revelou a existência do plano a 24 de agosto e cinco dias depois foi pedido à rainha, que estava de férias em Balmoral, que assinasse a ordem.

Odey disse mais tarde aos autores do documentário Tories at War que Johnson devia avançar para eleições. Comenta o Byline Times: "O facto de Odey demonstrar um tão grande interesse nas ações do PM e parecer ter conhecimento das sua intenções, incluindo a de suspender o parlamento, um mês antes de tal ter sucedido, levanta uma questão de grande interesse público: o quão envolvidos estão e quão influentes são estes estes financeiros que patrocinaram o PM?

De acordo com o código de ética existente, os ministros não podem ter conflitos de interesse nem a aparência de conflito de interesse. O gabinete do primeiro-ministro não comentou as acusações, mas aumenta a pressão para que seja iniciada uma investigação a um possível conflito de interesses.

Ministro sombra pede investigação a Johnson

John McDonnel, o ministro sombra das Finanças, enviou uma carta para o Cabinet Secretary, um funcionário público que tem como função aconselhar o primeiro-ministro (é o Sir Humphrey de Yes Minister), perguntando se pode existir um conflito de interesses no facto de Johnson ter aceitado apoio financeiro de fundos de investimento que se prevê poderem lucrar de um descalabro económico do país. "Dada a existência de preocupação, vinda de vários setores, suscitada pelos comentários de Philip Hammond feitos hoje [sábado] sobre a possibilidade de os especuladores que patrocinaram a campanha do PM lucrarem com um Brexit sem acordo, escrevi a Mark Sedwill, o Cabinet Secretary, para que inicie uma investigação sobre este potencial conflito de interesses."

Outras vozes se têm levantado. Caso de Guto Bebb, um antigo ministro conservador que foi saiu do partido por se opor a uma saída sem acordo: "Os financiadores duvidosos que apoiaram a campanha do Leave e do primeiro-ministro estão a apostar contra a Grã-Bretanha. O PM devia pôr os interesses do país em primeiro lugar e não propiciar uma bonança financeira para uns poucos."

Também Anna Soubry, a líder de Change UK, um partido centrista fundado este ano que defende a existência de um segundo referendo, se pronunciou sobre o assunto. "Os acontecimentos desta semana demonstram que Boris Johnson não tem uma bússola moral. Não tenho qualquer prazer em acreditar que Johnson está em dívida perante uma série de pessoas e em particular aquelas que não querem saber para nada das vidas dos cidadãos britânicos e só querem ficar ainda mais ricos jogando com o futuro dos nossos filhos."

Em 2016, Odey fez 350 milhões de libras de um dia para o outro especulando com a libra quando o choque do resultado do referendo fez a moeda cair. Tinha doado mais de 800 mil libras para a campanha do Leave. No início de agosto passado, o The Times revelou que a Odey Asset Management, tinha colocado 299 milhões para apostar contra as ações de algumas das maiores firmas britânicas na data possível de uma Brexit sem acordo.

O caso Jennifer Arcuri

O município de Londres já tinha requerido a abertura de uma investigação a Johnson por conflito de interesses enquanto autarca da capital. em causa estão alegados benefícios concedidos a uma empresária (e ex-modelo) norte-americana entre 2008 e 2016. Trata-se de Jennifer Arcuri, que terá recebido 126 mil libras (141 mil euros) em dinheiros públicos e tido acesso privilegiado em viagens comerciais no estrangeiro e patrocínios, segundo o diário The Sunday Times revelou na semana passada.

O município de Londres informou hoje ter solicitado à comissão independente de queixas da polícia (Independent Police Complaints Commission), para investigar se a empresária Arcuri beneficiou da sua relação de então com o autarca.

Numa nota divulgada, o município, liderado pelo trabalhista Sadiq Khan, diz ter "informações de que um crime poderia ter sido cometido", embora "isso não signifique de forma alguma que isso esteja comprovado".

Um porta-voz de Downing Street negou qualquer conflito de interesses neste caso: "O primeiro-ministro, como prefeito de Londres, teve uma enorme quantidade de trabalho para vender a nossa capital em todo o mundo. Tudo foi feito corretamente e da maneira normal".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt