Anna Sorokin, a jovem que dizia ser milionária e enganou Nova Iorque

A história da jovem vai ser transformada numa série da Netflix e da HBO. Tribunal considerou-a culpada. A sentença vai ser a 9 de maio.
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Uma herdeira alemã, com uma fortuna avaliada em 60 milhões de euros que vive em hotéis cinco estrelas, frequenta festas exclusivas e viaja em jatos privados não parece um cenário fora do normal. Mas, uma mulher sem dinheiro conseguir fazer todas estas coisas já é algo menos comum e levanta mais dúvidas.

Anna Delvey acabou por se tornar um caso polémico em Nova Iorque, quando a sua verdadeira identidade e conta bancária foram expostas e a jovem foi presa, acusada de várias burlas a pessoas do seu meio e a instituições, como bancos e hotéis. Anna foi acusada de roubar 263 mil euros, através de "diversas burlas cometidas entre novembro de 2016 e agosto de 2017", segundo afirmações do Ministério Público, citando a BBC.

Em 2017, as autoridades americanas descobriram que Anna Delvey era afinal Anna Sorokin, uma mulher russa sem dinheiro e não uma herdeira alemã, como esta alegava ser. Mas como é que com tão pouco dinheiro, conseguia Anna levar uma vida tão luxuosa e vestir grandes marcas como Balenciaga e Supreme?

Quem é Anna Sorokin?

Durante 10 meses, a jovem conseguiu mentir sobre a sua identidade e enganar todos os que a rodeavam sobre quem era e quais as suas intenções. De acordo com uma das pessoas que frequentava os meus locais que Anna, esta encontrava-se "sempre nos sítios certos" e fez vários amigos do mundo da moda e das artes plásticas.

A jovem apresentava-se como uma rapariga rica com uma herança de 60 milhões de euros e alegava estar na cidade para abrir um centro de artes, parecido ao conhecido Soho House. Anna visitava diversos espaços para perceber qual o indicado para a Fundação Anna Delvey e falava com vários dos seus novos amigos sobre querer a sua presença no seu espaço.

Dormia num hotel de luxo em Nova Iorque onde pagava 400 euros por noite. O hotel teve a jovem como hóspede durante meses, sem nenhum cartão de crédito registado. Quando os responsáveis do hotel se aperceberam da situação, ameaçaram expulsá-la mas esta conseguiu arranjar dinheiro para liquidar a dívida e continuar o seu disfarce.

Anna apresentava alguns comportamentos considerados estranhos pelas pessoas que a rodeavam, como pagar sempre com dinheiro, "esquecer-se" de pagar a renda e pedir dinheiro emprestado em grandes quantidades aos amigos e depois "esquecer-se" de devolver. Mas apesar de inúmeros episódios deste género, os amigos de Anna nunca julgaram que a realidade seria que a jovem era uma fraude. Um dos amigos de Anna disse que quando esta se esquecia de devolver o dinheiro, acreditava que a jovem "tinha tanto" que não ligava à quantidade que tinha pedido emprestada.

Um dos episódios mais polémicos da jovem, foi quando esta convidou uma amiga para lhe fazer companhia numa viagem a Marrocos, prometendo que pagaria tudo, no entanto, quando tentou pagar a primeira conta e o seu cartão foi rejeitado, Anna pediu à sua amiga Rachel Williams para pagar as contas, que quando regressassem a Nova Iorque, a jovem lhe devolveria todo o dinheiro. Williams gastou 54 mil euros na viagem e acabou por nunca mais os voltar a ver, conta num artigo escrito por si na revista Vanity Fair.

"Gostaria de nunca ter conhecido a Anna", disse Williams no tribunal, durante um depoimento protagonizado por lágrimas. A fotojornalista diz ter sofrido várias consequências da relação com Anna, como ataques de pânico consumidos pelo stresse de tentar recuperar o dinheiro prometido.

Além das diversas burlas aos amigos e instituições, a mulher é acusada de apresentar documentos falsificados a um banco, para pedir um empréstimo de 19 milhões de euros, com o objetivo de abrir a Fundanção Anna Delvey, citando a BBC. Para o banco emprestar o dinheiro a Anna, a jovem apresentou extratos bancários alterados e depositou cheques sem fundos.

Apesar de nunca ter conseguido milhões, conseguiu obter 88 mil euros que pediu emprestado a um banco estatal através do representante, Ryan Salem a quem prometeu devolver o dinheiro por transferência eletrónica." Ela entendia a linguagem financeira necessária para interagir e transacionar neste ambiente", disse Salem, testemunhando contra a jovem durante o seu julgamento.

Do empréstimo, a jovem gastou 49 mil euros em "alterações no seu quarto de hotel, compras de roupa da marca Net-a-Porter e Forward by Else Walker, sessões com um personnal trainer, na marca Apple e outras despesas pessoais".

O julgamento mais fashion do século XXI

Anna optou por não testemunhar em tribunal e disse ser inocente de todas as acusações. O advogado da jovem, Todd Spodek defendeu a jovem afirmando que esta não tinha a intenção de cometer um crime e que acreditava ter dinheiro para pagar todas as suas dívidas. Spodek afirma que Anna explorava um sistema "facilmente seduzido pelo glamour" depois de ver como a aparência rica poderia aumentar as oportunidades pessoais. O advogado alega que a jovem estava a ganhar tempo até conseguir montar o seu negócio e pagar a sua dívida.

Um dos pontos mais discutidos em tribunal foi o comportamento de elite e como muitas vezes o aspeto de uma pessoa e as marcas que esta utiliza permitem atingir quem está à sua frente a vender um serviço e a acreditar que a pessoa tem dinheiro para pagar apesar de não ter. A psicóloga, Maria Konnikova diz que fingir ser outra pessoa é algo que acontece há centenas de anos. "No passado, as pessoas tiravam anúncios de jornal, aproximavam-se de colunistas de fofocas, ou eram fotografados com as pessoas certas para reforçar sua credibilidade", disse à BBC.

As redes sociais tornaram mais fácil a ascensão à fama. Ao partilhar fotografias em certos sítios e acompanhados de certas pessoas acabam por tornar mais fácil passar uma imagem de uma pessoa com possibilidades financeiras, sem realmente o ser. O crítico Ben Davis diz que Anna conseguiu criar "uma aura de glamour alimentando a curiosidade" através das suas redes sociais.

A jovem apareceu em tribunal utilizando grandes marcas como Saint Laurent, Michael Kors e Victoria Beckham, com a ajuda da estilista Anastasia Walker. Um dia, o processo teve de ser adiado por Anna ter tido problemas no guarda-roupa, o que levou a juíza Diane Kiesel a discutir com a jovem: "É inaceitável e inadequado. Isto não é um desfile de moda."

O fascínio pela história de Anna

Jeffrey Chabrowe, um ex-promotor de Nova Iorque, diz que a cidade "é um pouco obcecada" com Anna. "Ela é tão descarada", diz à TIME. "Não existem muitas mulheres de 28 anos, atraentes e capazes de enganar com sucesso várias instituições financeiras de alto nível. Ela tem um magnetismo único" declara.

Algumas das pessoas olham para a história de Anna com admiração, já que esta conseguiu viver num mundo elitista difícil de alcançar sem possibilidades monetárias. No verão passado, camisolas com a frase Free Anna Delvey tornaram-se parte da moda nova-iorquina e diversas pessoas utilizaram a sua conta de Twitter para apoiar a jovem com a hastag #FreeAnnaDelvey

A revista Marie Claire também mostrou entusiasmo pela história apesar de reconhecer as vítimas de Anna. "Ninguém morreu como resultado de suas ações, ela apenas fez as pessoas ricas parecerem idiotas".

A história da jovem chamou à atenção de Shonda Rimes, a produtora da série Anatomia de Grey que comprou os seus direitos e vai tornar Anna Sorokin a nova protagonista da sua primeira aposta para a plataforma de streaming, Netflix. Também a HBO está a trabalhar num guião com a escritora Lena Dunham sobre a historia de Anna e Rachel Williams.

Após um mês de julgamento, a jovem foi considerada culpada de quatro acusações de roubo de serviços, três acusações de furto e uma acusação de tentativa de furto. Foi absolvida de uma acusação de furto e uma de tentativa de furto. "Como provado, Anna Sorokin cometeu crimes reais de colarinho branco ao longo de seu longo baile de máscaras", disse o promotor Cyrus Vance num comunicado onde se anuncia a condenação. A sentença será lida a 9 de maio e a jovem pode ser condenada até 15 anos de prisão.

A jovem recusou um acordo proposto pelo tribunal, que poderia resultar em uma sentença mais branda, se ela concordasse em voltar para a Alemanha, onde morava desde os 16 anos. Agora enfrenta a deportação para a Alemanha porque o seu visto já terminou.

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