Análise: Afinal, o que está em causa nas eleições intercalares?

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Quando os eleitores dos Estados Unidos forem chamados às urnas nesta terça-feira, 6 de novembro, vão estar em causa centenas de lugares eletivos, não apenas nas duas câmaras do Congresso, mas também na governação de diversos Estados e cidades. Mas, mais do que isso, as eleições intercalares irão ser o primeiro momento após as presidenciais de 2016 em que poderemos verdadeiramente medir o pulso ao eleitorado norte-americano. Todas as atenções se voltam para a figura do presidente Donald Trump, que tem participado ativamente na campanha empenhando-se em favor de muitos candidatos republicanos, e muitos comentadores e analistas consideram estas eleições intercalares como um verdadeiro referendo à presidência Trump.

É verdade que as eleições de dia 6 poderão ter uma leitura nacional, mas não poderemos pura e simplesmente somar os votos de um partido e de outro a nível nacional para efetuar essa leitura e projetar cenários para as presidenciais de 2020. É necessário ter em conta as especificidades do sistema político e constitucional norte-americano e compreender que as eleições para o Congresso são sobretudo um resultado de escolhas locais. Estas escolhas nem sempre são feitas a pensar em quem ocupa a Casa Branca, mas antes no desempenho e na popularidade dos candidatos pelos mais de quatrocentos círculos eleitorais que compõem a Câmara dos Representantes e também daqueles que representam os respetivos Estados no Senado. O mesmo se diga, por maioria de razão, das eleições para governadores dos diversos Estados. Isto significa que o sistema político e eleitoral marcadamente descentralizado que resulta da Constituição norte-americana não permite generalizar para o plano "presidencial" a soma de um conjunto de centenas de eleições locais e estaduais.

Por outro lado, mesmo que, tal como se espera, o Partido Democrático conquiste a Câmara dos Representantes, fazendo que os Republicanos percam o controlo absoluto do poder legislativo, esse facto não constitui propriamente uma novidade. Nos últimos anos, a Câmara dos Representantes mudou de maioria muito frequentemente aquando da realização de eleições intercalares. Assim sucedeu em 2010, a meio do primeiro mandato de Obama, em 2006, no segundo mandato de George W. Bush, e em 1994, durante o primeiro mandato de Bill Clinton. Todos estes presidentes cumpriram dois mandatos. Em contraste, desde os tempos de Eisenhower, na década de 1950, só nas eleições de 1998 e de 2002 é que o partido que ocupava a Casa Branca viu a sua posição sair reforçada na câmara baixa. Já o Senado mudou de maioria em 2014, 2006, 1994 e 1986.

A provável vitória democrata nas eleições para a Câmara dos Representantes não deixaria, porém, de ter reflexos no contexto político norte-americano. Significaria que o Partido Republicano deixaria de controlar as duas Câmaras no Congresso e, por conseguinte, dificuldades acrescidas para o exercício da ação governativa por parte do presidente Trump que não parece ser o tipo de líder capaz de gerar consensos bipartidários em Washington. Significaria, por conseguinte, que o sistema de checks and balances estava a funcionar e que nos próximos anos dificilmente Trump conseguiria fazer avançar a sua agenda através do Congresso. Se essa vitória se concretizar por uma margem muito significativa, poderá mesmo ser entendida como um "voto de protesto" relativamente ao modo como o presidente Trump governou nos últimos dois anos. O mesmo se diga das eleições para governador, sobretudo se esta inversão for suficiente para os Republicanos perderem a maioria dos 50 estados (atualmente governam em 33) e se ela se verificar em Estados como Wisconsin, Ohio, Geórgia e Florida, nos quais Trump venceu em 2016.

Que fatores poderão ser realmente decisivos amanhã? Em primeiro lugar, o "fator Trump". É inegável que as eleições intercalares de novembro de 2018 se revestem de características muito peculiares que derivam, acima de tudo, da própria figura de Donald Trump, que não é um presidente como os seus antecessores. A sua postura, as suas declarações e as políticas e medidas que tem adotado e anunciado têm contribuído em muito para polarizar o eleitorado norte-americano e, neste sentido, a decisão dos eleitores no dia 6 de novembro não deixará de ser influenciada pelo comportamento do presidente, podendo ser interpretada como uma avaliação destes primeiros dois anos de mandato. Em segundo lugar, é importante prestar atenção a dois números: os 42% de taxa de aprovação de Donald Trump, que representam uma recuperação notável relativamente a níveis que chegou a atingir em 2017 e que, para alguns analistas, justificam a recuperação do Partido Republicano nas últimas semanas relativamente a sondagens anteriores; os 3,7% de taxa de desemprego, que constituem o número mais baixo dos últimos 49 anos e que podem levar os eleitores a votar no Partido que ocupa a Casa Branca e que controla o Congresso e os governos estaduais. Por fim, um número decisivo a ter em conta nas eleições de 6 de novembro é o da abstenção. A dimensão do sucesso do Partido Democrático resultará, em grande medida, da sua capacidade de mobilização do eleitorado mais novo, do voto feminino e do voto das minorias étnicas. Uma boa capacidade de turnout nestes três segmentos poderá permitir uma vitória em 2018 mesmo que isso não signifique, necessariamente, um horizonte mais otimista para 2020.

Diretor do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL

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