A luta dos habitantes da Gronelândia contra o aquecimento global

As alterações climáticas são uma realidade na maior ilha do mundo e trazem problemas, mas também algumas bênçãos.
Publicado a
Atualizado a

Aninhada entre picos cobertos de neve e banhada pelas águas geladas do oceano, a pequena cidade de Tasiilaq, no sudeste da Gronelândia, é a casa de cerca de duas mil pessoas.

Coloridas casas de madeira pontilham a paisagem subártica, atingida por um dos climas mais severos do planeta.

Mas o aquecimento global está a alterar a maior ilha do mundo, fazendo com que a camada de gelo derreta a um ritmo mais rápido do que se pensava, segundo um estudo recente.

Enquanto os cientistas estudam as ameaças do aquecimento climático, alguns dos efeitos imediatos têm sido uma faca de dois gumes para quem vive em Tasiilaq e nos arredores.

Julius Nielsen, de 40 anos, que vive a cerca de 45 quilómetros de Tasiilaq, tem pescado e caçado na região durante quase toda a vida.

"Não há neve, está muito calor e a água já não congela", disse Nielsen. Uma pequena e frágil superfície de gelo - ou a falta dele - coloca um enorme problema para os habitantes locais como Nielsen que não podem ir caçar com o seu trenó e os seus cães ou têm que encontrar rotas alternativas.

O aquecimento global vai acelerar a descongelação do manto de gelo e contribuir para o aumento do nível dos mares em todo o mundo, de acordo com os cientistas.

Um relatório das Nações Unidas divulgado em outubro apelou aos países para limitarem o aumento nas temperaturas globais a 1,5 graus Celsius acima do nível pré-industrial, de forma a minimizar a subida global das águas, reduzir as cheias e o impacto das alterações climáticas nos ecossistemas mundiais. Isso implicaria reduzir as emissões de dióxido de carbono em cerca de 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010.

Nielsen disse que, nos últimos 10 anos, tem-se tornado cada vez mais difícil chegar aos tradicionais locais de caça com o trenó puxado por cães por causa do tempo imprevisível, da redução do manto de gelo ou o facto de não haver nenhum.

"A cada ano, vemos os glaciares, a paisagem, o manto de gelo a derreter e derreter", disse. "O que sabemos dos nossos antepassados está quase perdido e não podemos recuperar. Temos que encontrar novas ferramentas."

Lars Anker Moeller costumava levar turistas numa viagem de cinco dias de trenó puxado por cães quando começou a trabalhar como operador turístico na Arctic-Dream, há mais de uma década.

Agora, Moeller tem muitas vezes que levar os clientes por caminhos alternativos por causa da falta de gelo.

Mas nem tudo é negativo.

O gelo a recuar mais cedo no ano do que o normal liberta o acesso a áreas que antes estavam bloqueadas durante mais tempo e permitiu que Moeller lançasse passeios de barco para os turistas no início do verão, contou o dinamarquês de 45 anos.

"Em vez de ter três meses, podemos ir de barco durante quatro ou cinco meses", contou.

Além disso, peixes como a cavala, normalmente impossíveis de encontrar nas águas geladas da Gronelândia, são agora abundantes - uma bênção para a indústria pesqueira local, dizem Moeller e Nielsen.

Moeller cita ainda outra vantagem temporária que o aquecimento global trouxe ao turismo: as pessoas querem ver o manto de gelo antes que desapareça.

"Vão ver os glaciares antes que desapareçam. É o que ouves uma e outra vez", disse Moeller.

Um estudo inédito realizado este ano pela Universidade de Copenhaga, a Universidade da Gronelândia e o Instituto Kraks Fond para a Pesquisa Económica Urbana tentou mostrar como os habitantes da ilha veem as alterações climáticas.

O estudo descobriu que mais de quatro em dez habitantes acreditam que as alterações climáticas os vão prejudicar, enquanto apenas um em dez acreditam que podem beneficiar com elas.

"Os nossos resultados mostram que as alterações climáticas são relevantes para a maioria das pessoas que aqui vivem e algo que a maioria já está a sentir", indicou à Reuters um dos autores do estudo, Kelton Minor, numa entrevista telefónica a partir da capital, Nuuk.

Para muitos na Gronelândia, são uma realidade do quotidiano.

"Cerca de oito em dez habitantes dizem que já sentiram diretamente na pela as alterações climáticas, com mais de 60% a defender que é extremamente importante ou muito importante para eles pessoalmente... e ligeiramente menos de metade da população pensa que as alterações climáticas a vai prejudicar", disse Minor.

Apesar dos novos desafios que as alterações climáticas trazem, os habitantes da Gronelândia são conhecidos pela sua resiliência.

"A beleza é que os gronelandeses sempre foram bons a adaptar-se, por isso vão sobreviver de qualquer forma, independentemente do que acontecer", afirmou Moeller.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt