Lava-Jato chega à Igreja Católica através de esquema de corrupção no Rio
O ex-padre Wagner Augusto Portugal, que foi braço direito do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro de 1997 até aos últimos anos, confessou à Operação SOS, um desdobramento da Operação Lava-Jato, a sua participação num desvio milionário através de uma organização social ligada à área da saúde chamada Pró Saúde. Com essa delação, pela primeira vez a Lava-Jato aproxima-se das cúpulas da Igreja Católica.
O suposto envolvimento da igreja católica com esquemas de corrupção e as consequentes investigações nesse sentido da Operação SOS não eram públicos até aos últimos dias, quando Sérgio Cabral, o antigo governador fluminense que está preso e condenado a penas acumuladas de 198 anos e seis meses, disse em depoimento gravado em vídeo ao juiz da Lava Jato Marcelo Bretas que Dom Orani Tempesta, o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, teria interesses num esquema corrupto em torno da Pró Saúde.
"Não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a organização social da Igreja Católica, a Pró-Saúde. Não tenho dúvida. O Dom Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao Dom Orani, mas ele tinha interesse nisso. Tinha o Dom Paulo, que era padre e tinha interesse nisso. E o Sérgio Côrtes [secretário estadual da saúde] nomeou a pessoa que era o gestor do Hospital São Francisco. Essa Pró-Saúde certamente tinha esquema de recursos que envolvia religiosos. Não tenho a menor dúvida".
A revista Época, que está nas bancas desde esta sexta-feira, teve na sequência acesso ao tal depoimento do ex-padre Wagner Portugal, impedido de usar a batina pelo Vaticano por desobediência, e de uma irmã sua, Wanessa, falecida no ano passado, que detalha o esquema que terá desviado no mínimo 50 milhões de reais, cerca de 12,5 milhões de euros, dos cofres públicos. Wagner Portugal acompanha Dom Orani desde 1997 e geriu seis hospitais no estado do Pará quando o cardeal era arcebispo de Belém, entre 2004 e 2009.
Dom Orani, diz ainda a revista, não está entre os investigados, nem há indício de que tenha participado do esquema. Mas a operação da polícia tenta apurar se o dinheiro desviado foi usado para pagar gastos dos religiosos, como voos alugados, passagens aéreas, roupas e outros artigos. A reportagem da Época refere que a investigação apura entretanto eventuais crimes de formação de quadrilha, de organização criminosa, de desvio de verbas públicas, de lavagem de dinheiro, de constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo e de corrupção ativa e passiva.
Disseram o ex-padre e a sua irmã nos depoimentos que eram usados contratos fictícios de fornecimento e prestação de serviços para o desvio dos repasses do governo do Rio. Segundo eles, a Cúria Metropolitana pressionava o ex-secretário a interceder por pagamentos à Pró-Saúde.
A Pro Saúde é uma das maiores entidades de gestão de serviços de saúde e administração hospitalares do país. Os contratos com a administração de Sérgio Cabral chegaram a representar 50% da faturação nacional da entidade, que cresceu de 750 milhões de reais, em 2013, para 1,5 mil milhões, em 2015, ou seja, cerca de 375 milhões de euros.
Comunicado da Pró Saúde diz que "a ação está em segredo de justiça e tem resultado em importantes desdobramentos na investigação de práticas irregulares na gestão da saúde pública no Brasil. Em virtude do sigilo legal, a instituição não pode se manifestar sobre o seu teor".
A arquidiocese do Rio divulgou nota para rebater as ilações feitas por Sérgio Cabral em depoimentos a Bretas. "Podemos afirmar que a Igreja Católica no Rio de Janeiro e o seu arcebispo têm o único interesse que organizações sociais cumpram seus objetivos, na forma da lei, em vista do bem comum".
em São Paulo