"Integrar pessoas de 120 países é o nosso exemplo de sucesso"
Nasceu em Vila Franca de Xira...
Sim, porque Alenquer não tinha hospital. Nasci no hospital de Vila Franca de Xira mas sempre vivi em Alenquer.
Veio para o Canadá aos 15 anos. O que levou os seus pais a emigrar?
É aquela idade em que os filhos começam a crescer. O meu pai tinha cá uma tia e disse: "Vamos tentar!". Eles vieram para Toronto dois anos antes de mim.
Foi difícil adaptar-se?
Aos 15 anos foi difícil. É aquela idade em que temos os amigos na escola, estamos a começar a pensar que curso vamos tirar. E de repente, mudar para uma coisa completamente nova. Uma língua nova. Eu não falava inglês. Amigos novos, uma cidade diferente.
Veio para a zona dos portugueses?
Sim, mesmo no centro. Na Dundas com a Brock Street. Little Portugal.
Como surgiu a política? Sempre lhe interessou?
Nunca! Nunca tive interesse na política. Sempre gostei de acompanhar a atualidade. Desde pequena fui habituada a isso: o jantar era a hora do noticiário. Mas acho que a política foi uma forma de me adaptar. Comecei a envolver-me em coisas comunitárias porque tinha uma necessidade muito grande de mostrar aqui o que era Portugal. Cheguei em 1991, fui para a escola e os meus colegas tinham um desconhecimento do Portugal moderno que me impressionou. E percebi também que Portugal tinha um desconhecimento enorme em relação às comunidades portuguesas, em relação ao Canadá, etc. Comecei nos tempos de estudante, na Universidade de Toronto. Após o curso de Sociologia e Estudos Europeus a intenção era fazer o mestrado de assistente social. Mas no último ano, um vereador convidou-me para vir trabalhar com ele.
Mário Silva?
Sim. Convidou-me. E o que era para ser um part-time acabou por ser cinco anos de trabalho. Gostei imenso da experiência. Apesar de a municipalidade de Toronto ser o sexto maior governo do país - o executivo da cidade é maior do que alguns governos provinciais - tem uma grande proximidade com as pessoas. Depois o Mário Silva seguiu para a política federal. Não me interessava tanto. Queria era ficar na política municipal. Concorri. Foi difícil porque só estava cá há 12 anos e tinha 27 anos. Perdi as eleições e fui para o setor privado. Trabalhei na banca. Na altura com o Millennium BCP. Mas ficou sempre o bichinho. Em 2010 voltei a concorrer. Ganhei e fui reeleita em 2014.
Pertence ao Partido Liberal.
Eu sou liberal. Mas a nível municipal não concorremos por partidos. É por zonas. Nós é que financiamos as nossas campanhas, é que fazemos a nossa plataforma política, o programa eleitoral. Somos completamente independentes. Dos 44 vereadores eleitos, o presidente da câmara escolhe o seu executivo. Eu com este presidente da câmara tenho a pasta da Habitação.
Como liberal, acha que Trudeau veio dar uma nova imagem ao Canadá?
Com os conservadores tínhamos uma política mais fechada, individualista. E isto virou completamente. O programa eleitoral com que este primeiro-ministro foi eleito foi um programa de investimento - económico, social, de abertura ao mundo, de liderança no mundo. E no país. Um grande respeito na mesma pela diversidade, mas também mais apoios - está-se a trabalhar numa estratégia nacional de habitação, o investimento em infraestruturas, uma agenda urbana muito progressista. Lidar com assuntos de forma completamente diferente. Como a legalização da marijuana, que vai acontecer agora em julho.
Como vereadora, representar pessoas muito diversas é um desafio?
Eu represento quase 50 mil habitantes. O maior grupo étnico é o português. Mas tenho também italianos, latinos, vietnamitas. Isto é a essência de Toronto. Mais de 50% da população da cidade não nasceu aqui. As pessoas reconhecem isso e querem conhecer mais das outras culturas. O nosso moto é "A Diversidade é a Nossa Força".
Toronto é o melhor exemplo do modelo de integração canadiano?
Diria que é dos que têm tido mais sucesso. No mundo que temos, com as pressões que temos, sermos capazes de ter uma harmonia numa cidade com 2,8 milhões de habitantes, com 50% de pessoas que vieram de outros lados, que nasceram fora do Canadá, esse é o nosso exemplo de sucesso. Que num mundo com tanta pressão como temos hoje, consigamos integrar pessoas de mais de 120 países com esta harmonia.
É inevitável a comparação com os EUA, até pelo contraste entre modelos de integração. Com a chegada de Trump, o Canadá beneficiou por contraste?
A política do nosso país sempre se distanciou. Por exemplo, o Canadá sempre manteve uma proximidade com Cuba comparado com os EUA. Mas agora, por vivermos num mundo tão imediato, é que as diferenças se sentem mais. Nós continuamos a atuar da mesma maneira, temos é um governo que, enquanto eles viraram para os muros, nós virámos para deitar todos esses muros abaixo. A diferença que já havia é ainda maior e é mais notada neste momento. E nós sentimos muito orgulho disso. Sentimos orgulho neste modo de integrar as pessoas, de abraçar as pessoas, de receber o mundo aqui. Apesar da liderança nos EUA, temos uma relação de proximidade com os americanos. E dizemos sempre que não há porta melhor para os EUA do que o Canadá. Temos tudo o que é bom e estamos a dois passos do que continua a ser um grande mercado!
Também na questão dos refugiados o Canadá mostrou essa abertura...
Nós aumentámos o número de refugiados que recebemos. Não só o governo aumentou, como houve um programa de cidadãos a financiarem os custos de trazer os refugiados e a responsabilizar-se pela integração. Durante mais de um ano acompanharam as famílias e agora criaram elos de ligação tão grandes que mantêm o contacto.
A jornalista viajou a convite da TAP para o voo inaugural Lisboa-Toronto