Caso Jamal Khashoggi. Há uma cortina de ferro no mundo árabe?

<em>Liberdade de expressão é o que o mundo árabe mais precisa</em> é o título do último texto do jornalista Jamal Khashoggi, que terá morrido no consulado saudita em Istambul. Que liberdade têm os países do Médio Oriente e África do Norte?
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"O mundo árabe enfrenta sua própria versão de uma cortina de ferro, imposta não por atores externos, mas por forças internas que disputam o poder", concluiu Jamal Khashoggi no seu texto final, publicado pelo Washington Post na quarta-feira.

O título não dava azo a equívocos: Liberdade de expressão é o que o mundo árabe mais precisa. O saudita inspirara-se no mais recente relatório sobre liberdade no mundo da Freedom House para a peça.

"Os árabes que vivem nesses países são desinformados ou mal informados. São incapazes de abordar de forma adequada, muito menos discutir publicamente, assuntos que afetam a região e as suas vidas quotidianas. Uma narrativa estatal domina a psique pública e, embora muitos não acreditem nisso, a grande maioria da população é vítima dessa falsa narrativa. Infelizmente, é improvável que essa situação mude", lamentou.

Que resultados apresentam os países do Médio Oriente e de África do Norte?

A Tunísia é o único país com a classificação de livre, seguidos de Jordânia, Marrocos e Koweit, que têm a classificação de "parcialmente livre". Os restantes são "não livres".

Turquia deixa de ser livre

A Turquia é o país do mundo que mais perdeu liberdades em 10 anos.

"A pontuação do país está em queda livre desde 2014 devido a uma série crescente de assaltos à imprensa, aos utilizadores das redes sociais, manifestantes, partidos políticos, o sistema judicial e o sistema eleitoral, enquanto o presidente Recep Tayyip Erdogan luta para impor o controlo personalizado sobre o Estado e a sociedade num ambiente de segurança doméstica e regional em deterioração", lê-se no relatório.

À frente lembra o documento que o presidente levou adiante um sistema "superpresidencial" sem contrapesos. A resposta à tentativa de golpe de 2016 resultou numa "caças às bruxas" com a prisão de cerca de 60 mil pessoas, o encerramento de mais de 160 meios de comunicação, e a prisão de mais de 150 jornalistas.

Tunísia cai oito pontos

O único país considerado livre, a Tunísia, deu um trambolhão de oito pontos em relação ao ano anterior, só superado ao nível mundial pelo Gabão. A Freedom House lembra que o país passou em apenas quatro anos de "não livre" para livre, na sequência da primavera árabe e do afastamento de Ben Ali.

"Sem um cuidado desenvolvimento e consolidação, a nova democracia pode não aguentar a pressão da velha guarda, que nunca foi totalmente desmantelada. Problemas iminentes em 2017 incluíram a continuação do adiamento das eleições subnacionais, a capacidade dos agentes do antigo regime em proteger os interesses através de nova legislação, a incapacidade em criar e financiar organismos independentes como previstos na constituição, o domínio do executivo na legislatura e intimidação dos media. Se a Tunísia continuar o seu caminho atual, os ganhos duramente conquistados de 2011 podem desaparecer, e a democracia perderá a sua posição numa região repressiva e instável", lê-se no relatório.

Deste grupo de países dois merecem uma nota de observação para 2018: Iraque (que subiu quatro pontos) e Arábia Saudita. Sobre o Iraque, antevia nas eleições já realizadas um "teste à resiliência do sistema político do país".

Quanto à Arábia Saudita, palavras críticas: "O controverso programa de reformas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman provavelmente causará ainda mais revolta no governo e na sociedade da Arábia Saudita, já que pequenos ganhos em liberdades sociais e tentativas de atrair investidores estrangeiros andam de mãos dadas com tentativas de aniquilar discordâncias e combater adversários."

Perante os resultados da falta de liberdades nos países árabes, Khashoggi concluiu: "O mundo árabe precisa de uma versão moderna dos antigos media transnacionais para que os cidadãos possam ser informados sobre eventos globais. Mais importante, precisamos fornecer uma plataforma para as vozes árabes. Nós sofremos com a pobreza, com a má governação e educação deficiente. Através da criação de um fórum internacional independente, isolado da influência dos governos nacionalistas, que espalham o ódio através da propaganda, as pessoas comuns no mundo árabe seriam capazes de abordar os problemas estruturais que as suas sociedades enfrentam."

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