"Há dúvidas de que o eleitorado do Vox seja de extrema-direita"
O mapa político espanhol ficou ainda mais dividido. Vai ser agora mais difícil formar Governo?
Sem dúvida. Estas eleições foram convocadas pelo Governo em funções para tentar desbloquear a impossibilidade de formar governo depois do fracasso dos acordos em julho e setembro. Pedro Sánchez estava a pedir aos cidadãos uma maioria para formar governo em solitário mas durante a campanha eleitoral esse pedido deteriorou-se, sobretudo pela crise da Catalunha, e hoje o PSOE tem 900 mil votos e três deputados a menos, com uma fragmentação parlamentar em 16 partidos. A capacidade de formar governo é menor agora. Desse ponto de vista o motivo da convocatória das eleições fracassou.
Porque falhou a aposta de Sánchez?
Por dois motivos. Convoca eleições para ampliar a sua maioria e não aconteceu e também não tem mais capacidade de negociar um pacto. E agora encontra-se com um problema adicional. Quando foram convocadas as eleições, Espanha tinha nomeadamente três problemas: ingovernabilidade, gestão da desaceleração económica e Catalunha. E hoje o quarto problema é a irrupção de uma força de extrema-direita que era minoritária.
O problema catalão prejudicou muito o PSOE?
Houve dois motivos. Um é a deterioração da promessa eleitoral do PSOE quando entra no Governo com a moção de censura. Sánchez prometeu uma política de desinflamação do conflito catalão e para isso fez acordos com a ERC e o Junts per Catalunha. E a segunda promessa foi chegar a um pacto de esquerdas para dar estabilidade. Quando em julho convoca as eleições, tinha fracassado nos dos dois pontos. O problema catalão agrava-se com a violência na Catalunha e a sensação de fracasso prejudicou as expectativas de governo socialista.
Vox foi o grande vencedor. A surpresa da noite eleitoral?
Claramente foi uma surpresa que um partido que em abril teve um resultado moderado e em maio quase desaparece, em seis meses reaparece como terceira força eleitoral. É um crescimento que só tinha conseguido o Podemos em 2015
Espanha junta-se ao fenómeno da extrema-direita na Europa.
O Vox é um partido que faz parte do fenómeno de extrema-direita europeu mas há dúvidas de que o seu eleitorado seja de extrema-direita. Os líderes são-no claramente, com uma oferta populista: soluções simples para os problemas pequenos, com reminiscências a épocas passadas que nunca existiram. O sentimento identitário da pátria é semelhante aos outros países europeus. Mas não na política fiscal. Neste aspeto, o Vox é conservador, de direita, mas não de extrema-direita porque não quer acabar com a sociedade do bem-estar, com a democracia. Há uma diferença muito importante. O Vox cavalga entre dois princípios: a xenofobia e o nacionalismo espanhol. São os seus vetores.
Quem votou Vox?
Nestas eleições muitas pessoas iam votar indignadas com a incapacidade dos governos de chegar a acordos e o Vox conseguiu penetrar num eleitorado que não era da direita. Ficou com uma parte importante do eleitorado de Ciudadanos e uma parte que votava antigamente nos socialistas. E, na zona de Madrid, os operários votaram Vox - outro dos fenómenos da extrema-direita. É um voto dividido entre pequenos proprietários, jovens e a classe operária tradicional. Houve uma transferência direta de votos socialista para o Vox, cerca de 300 mil a 400 mil votos
O Ciudadanos é o grande perdedor. Como explicar que passe de 57 para 10 deputados?
Houve uma cadeia de erros estruturais. Albert Rivera podia ser hoje vice-presidente do Governo. O normal era que PSOE e Ciudadanos formassem governo porque os dois somavam maioria absoluta. Isso foi um erro fundamental de Rivera que não conseguiu superar a sua desconfiança para com Pedro Sánchez. O PSOE pediu a abstenção para governar e não quiseram. Em segundo lugar, a gestão dos acordos municipais. O seu voto nas eleições municipais de maio serviu para consolidar a posição do seu inimigo, o PP. Na Câmara de Madrid, na Comunidade de Madrid, Castela e Leão, Múrcia... Sendo assim, o normal é que as pessoas votem PP. Os eleitores deram um enorme castigo ao Ciudadanos.
A demissão de Albert Rivera é a saída cinzenta de um político que podia ter chegado longe?
Rivera podia até ter sido presidente do Governo. Nas sondagens de 2017, o Ciudadanos aparecia como a primeira força política deste país. Rivera era o homem do centro, a alternativa à confrontação do PSOE e PP. O que aconteceu desde então é um caso de estudo dos maiores erros de um político que pode existir. Um dos elementos foi estar rodeado de uma equipa muito frágil, de pessoas muito fieis, sem capacidade de o enfrentar. Estruturalmente falando, o Ciudadanos não é um partido político, é um clube de fãs, pessoas contratadas pelo líder para ajudá-lo. Erro após erro acabou com o partido.
Há futuro para o Ciudadanos sem Albert Rivera?
Eu sou otimista em relação ao futuro porque em Espanha é necessário um partido de centro. Se o Ciudadanos é capaz de mudar o rumo e oferecre o que falta na política espanhola, uma mulher como líder, vai poder recuperar. Agora tem dez deputados e um senador mas tem força em Câmaras Municipais e Comunidades.
O PP melhorou os resultados. Está num lugar mais cómodo ou comprometido?
É um lugar comprometido. A sua sorte vai depender da sua capacidade de influir na formação do governo. Se PSOE e PP chegarem a um acordo de governabilidade, Casado vai sair reforçado. Mas se há um governo de esquerdas vai ter muitas dificuldades para ser o líder da oposição porque vai ter o Vox, com uma oposição mais selvagem.
Qual é o cenário de governabilidade mais viável?
Espanha está numa grande encruzilhada. Precisa de resolver um grande problema de caráter social. Enquanto não houver um acordo sobre as rendas para que as classes baixas se sintam apoiadas, estas vão votar nas opções mais radicais. A pobreza relativa leva ao voto com o sentimento, não com a razão, e é onde os populismos, de esquerda e direita, têm força. Do ponto de vista da urgência, o Parlamento espanhol deve apresentar uma solução para a situação catalã. No fim do ano, Quim Torra [o presidente do governo da Catalunha] vai ser julgado e pode ser inabilitado. Isso vai provocar uma campanha eleitoral na primavera. O Estado espanhol tem um tempo para dar uma resposta em relação à Catalunha que pode ser pela via judicial ou política. E o Governo deve saber com quem vai chegar a um acordo para enfrentar este problema. E tem de ser uma solução que não faça crescer o Vox. Umas terceiras eleições iam causar muito dano. Não só porque o Vox poderia crescer, mas também porque o Unidas Podemos ia demonstrar que o sistema de partidos falha. Seria um fracasso do sistema e os eleitores iam procurar refugio em opções radicais.
Em poucos anos passámos de um grande apoio ao Podemos a um grande apoio ao Vox, em extremos opostos.
Em Espanha em 2015 houve uma possibilidade real de o Podemos ultrapassar o PSOE. Havia muitos eleitores de esquerda que apoiaram o Podemos nesse momento para que governasse. Quando isso não aconteceu, o Podemos baixou e esse voto voltou para o PSOE, confirmando que Sánchez era um candidato viável. E isso fez com que tivesse um apoio eleitoral. Tal não está a acontecer na direita. O único travão possível ao Vox é que Pablo Casado seja um candidato eleitoral viável para a presidência do governo. Se a direita pensar que ele pode ser primeiro-ministro, vamos ver uma reestruturação da direita. No futuro, uma parte do voto do Vox vai voltar para o PP. O grande risco do Vox agora é que contamine a agenda política. Que o medo do diferente entre na agenda dos outros, há um risco real. Há uma parte do debate público que partilham muitos espanhóis e o PP pode cair na tentação de querer ser mais duro do que o Vox em alguns temas.
Entrevista realizada antes do anúncio da coligação entre PSOE e Podemos