Fazia limpezas, depois fez-se engenheiro e no fim comprou a empresa

Jim DeMello subiu a pulso na vida em New Bedford e depois de fazer fortuna decidiu apostar na filantropia, investindo na comunidade luso-americana
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"Tem de conhecer o Jim DeMello", diz--me entusiasmada, ainda ao telefone, quando marcamos encontro em New Bedford para o dia seguinte, Leslie Ribeiro Vincente, professora na Discovery, a principal escola de Português nessa cidade que a caça à baleia tornou famosa. Saído da estação de autocarros depois de uma hora de viagem a partir de Boston, são poucos minutos até ao edifício onde fica a Discovery Language Academy e percebo que se chama DeMello Internacional Center (DIC) e que o escudo com as quinas e os sete castelos, em fundo verde e vermelho, garantem que estamos numa espécie de enclave especial português numa terra em que os luso-americanos são muitos, mas nem todos muito ligados ao país de origem.

Estou a visitar a Discovery, num dos cinco pisos do DIC, quando surge finalmente Jim DeMello, "homem de coração grande", segundo a professora que nos apresenta. Aceita a conversa comigo, mas pede para primeiro irmos visitar outro piso, onde "a Discovery vai ter ainda melhores condições. Eu e a Leslie queremos que os miúdos estejam bem, que gostem de estar aqui a aprender português". A diretora da escola concorda e a verdade é que o ano letivo começou com 125 alunos e o objetivo é chegar aos 200. Há também adultos, gente que tem apelido português, netos ou filhos de portugueses, e que agora querem falar a nossa língua. "Há um grande entusiasmo com Portugal hoje", sublinha Jim, pedindo que o trate mesmo só pelo primeiro nome americano.

A escola de Português é claramente a menina querida de Jim no prédio batizado com o seu apelido, mas faz questão de me levar também à escola de cabeleireira, onde é recebido em festa pelo grupo de luso-americanas que ali ensinam ou estudam. "Está também aqui a SATA airlines e a Luso-American Life Insurance dos seguros. Temos muita gente portuguesa, é quase tudo portugueses dentro do prédio", diz, a rir.

Percebe-se que por trás deste filantropismo bem americano tem de estar uma vida de sucesso também bem americana. Jim, sem nunca ter deixado de estar ligado à comunidade portuguesa, perseguiu o sonho americano, como muitos imigrantes desde os primórdios dos Estados Unidos. Só que Jim, apesar do excelente português que fala, nasceu já na América e os pais também. Quem imigrou foram os avós.

"O meu nome é Jim George DeMello. Nasci em New Bedford, Massachusetts, em novembro de 1940. Os meus pais também nasceram aqui nos Estados Unidos. Os meus avós da parte da minha mãe nasceram no continente, os da parte do meu pai nasceram nos Açores, no Pico. Uns eram do Bombarral, os outros de Terra do Pão", conta Jim, que explica ainda que, como tanto o pai como a mãe trabalhavam, em pequeno ficava muito tempo com os avós maternos e por isso sabe bem português. "Quando vinha da escola tinha de falar português. Se não pedisse a comida em português, não comia nada", relembra-se, entre risos. Os avós viveram muitos anos na América e nunca chegaram a falar bem inglês, acrescenta. Também não sabiam ler e escrever. "Quando era preciso assinar alguma coisa era com a cruz", acrescenta.

Analfabetos mas trabalhadores árduos. Jim recorda-se de o avô arranjar carros e de a avó dar conta da casa e criar cinco filhos. Foi uma lenta ascensão social a desta família, mas segura. "O meu pai era assistente de um advogado e a minha mãe trabalhava numa empresa de venda de mobílias", diz. "E eu fui o primeiro da família a ir para a universidade. Estudei Engenharia".

É com tremendo carinho que o luso-americano fala dos avós e sobretudo do pai e da mãe. Ele chamava-se George e ela Ermelinda. Uma fotografia a preto e branco do casal, quando eram jovens, ocupa um lugar de honra no átrio do DeMello Center e uma placa testemunha que o prédio e todo o projeto do DIC é uma homenagem a George F. DeMello e Ermelinda R. DeMello por parte do filho, que assina James G. DeMello (sim, Jim é oficialmente James).

Foi em Engenharia Química que Jim se formou e ainda estudante começou a trabalhar na Acushnet Rubber, empresa já centenária que é famosa pelo material de golfe que produz, em especial as bolas. Acabou dono. É, de facto, uma história incrível, que vale a pena ouvir contada da boca do próprio: "Comecei a trabalhar lá, a fazer limpezas, quando estava ainda a estudar. Trabalhava lá no verão. Depois graduei-me e comecei a ser engenheiro na Acushnet Rubber. Depois daí fui subindo até chegar a ser presidente da companhia. Depois de ser presidente, passados três ou quatro anos, comprei-a."

Durante cinco anos, Jim foi presidente, CEO e dono da Acushnet Rubber. Depois, em 2000, decidiu vendê-la e lançar-se em novos negócios. "Depois de vender a companhia, onde estive 40 anos, comecei então a ver prédios e a comprar casas. Os investimentos passaram a ser em imobiliário, tanto aqui em New Bedford como em Dartmouth, perto da universidade", explica. Mas ao mesmo tempo decidiu reforçar o apoio à comunidade portuguesa, sobretudo à educação, não só ajudando a criar a Discovery, que tanto o orgulha, como financiando bolsas de estudos portugueses na universidade.

"É o estudo e o trabalho que nos puxam para cima. E eu quero puxar estas crianças, os jovens portugueses, para terem as mesmas oportunidades que eu tive", conta o filantropo. E acrescenta: "Os portugueses são muito trabalhadores. E estavam muito bem em 1940, em 1950, até aos anos 2000. Mas agora para garantir o futuro é preciso mais educação, para arranjarem trabalhos que deem mais lucros. Para mim, a educação é fundamental."

Envolvido na vida da comunidade, faz parte da administração do Museu da Baleia de New Bedford, onde tanto se lembra Herman Melville e Moby Dick como os baleeiros açorianos, e da Universidade do Massachusetts em Dartmouth, terra onde vive, a poucos quilómetros. Mas se está envolvido com os luso-americanos do Massachusetts, não deixa também de olhar com carinho para Portugal. Visita muito os Açores, onde está o amigo Vasco Cordeiro, presidente do governo regional. Também é próximo de Carlos César, que já ocupou esse cargo. "Quando vem cá vem sempre ver a gente, estar um bocadinho connosco. É um grande amigo", nota. E Portugal continental também o atrai, basta pensar que nos tempos de CEO da Acushnet abriu uma fábrica de borracha no Carregado ("perto do Bombarral", terra dos avós).

Casado com Natália, nascida nos Açores e que conheceu na América, Jim tem uma filha de um anterior casamento, Chery. Já tem planos de voltar a visitar Portugal e muita vontade de conhecer Marcelo Rebelo de Sousa, um presidente que, mesmo de longe, os portugueses dos Estados Unidos admiram, como tenho ouvido de muitos.

Para tirar a foto, Jim põe um boné e mantém na boca o charuto apagado. Cá fora, o cenário ideal é a placa que identifica o DeMello Internacional Center. Segundo um jornal local, o número 128 da Union Street, a principal rua da baixa de New Bedford, custou ao luso-americano 3,1 milhões de dólares. O dono anterior era o Santander, que manteve o balcão no DIC e por isso o nome tem ainda destaque, uma presença espanhola no tal enclave especial português que Jim está a criar com a ajuda de muitos na comunidade, como Leslie, que já teve direito a perfil nestas reportagens pela América do Tio Silva.

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