"Errei". Procuradora da Lava-Jato desculpa-se a Lula

Mensagens entre membros do Ministério Público a debochar dos falecimentos da mulher e do neto do antigo presidente, tornadas públicas em reportagens da Vaza-Jato, levam à inédita retratação. No Supremo, decisão de Moro é anulada pela primeira vez.

"Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula", escreveu a procuradora Jerusa Viecili nesta madrugada, via Twitter. O desabafo da integrante da equipa de investigadores da Operação Lava-Jato ganhou especial repercussão por ter sido a primeira vez que a veracidade das revelações das reportagens da Vaza-Jato, conduzidas pelo site ​​​​​​The Intercept Brasile por outros órgãos de comunicação social, é admitida por um dos visados.

Mais tarde, Viecili quis corrigir: "uma mensagem não autentica todo o conjunto", escreveu, para acrescentar que "a existência de mensagens verdadeiras não afasta o facto de que as mensagens são fruto de crime e têm sido descontextualizadas ou deturpadas para fazer falsas acusações".

O que levou a procuradora a pedir desculpas foram trocas de mensagens entre os integrantes da Lava-Jato a ironizar as mortes de Marisa Letícia, mulher de Lula, de Vavá, irmão do antigo presidente, e do seu neto Arthur, aos 7 anos. "Querem que eu fique para o enterro?", pergunta ela, ao partilhar notícia com a morte de Marisa Letícia, seguida de um emoji cómico. Após o falecimento de Arthur a procuradora afirma "preparem-se para nova novela de ida ao velório".

Outros procuradores discutem na troca de mensagens qual deveria ser a atitude dos responsáveis da Lava-Jato perante os falecimentos, ao mesmo tempo que debocham da situação.

"Um amigo de um amigo de uma prima disse que Marisa chegou ao hospital sem resposta, como vegetal", comenta Deltan Dallagnol, chefe da equipa de procuradores. "Estão eliminando as testemunhas", acrescenta Januário Paludo, outro procurador. "Quem for fazer a próxima audiência do Lula é bom que vá com uma dose extra de paciência para a sessão de vitimização", diz, entretanto, a procuradora Laura Tessler, a propósito da morte da antiga primeira-dama, a 3 de fevereiro de 2017, ao sofrer um aneurisma.

No dia seguinte, após notícias na imprensa sobre a agonia vivida por Marisa nos seus últimos dias de vida por ter sido alvo de operação de busca e apreensão na casa dela e dos filhos, Tessler rebate. "Ridículo... Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão... ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula", afirma.

Paludo volta então à conversa dizendo que "sempre teve uma pulga atrás da orelha em relação a esse aneurisma". "A morte da Marisa fez uma mártir petista e ainda o liberou para a gandaia sem culpa ou consequência política", acrescenta o procurador Antônio Welter.

Ainda a 4 de fevereiro, a procuradora da Thaméa Danelon critica a participação de outra procuradora, Eugênia Augusta Gonzaga, no velório da antiga primeira-dama. Para ela, a situação equivaleria a ir ao enterro da "esposa do líder de uma fação do PCC", comparando a maior organização criminosa do Brasil ao partido de Lula.

Sobre a morte, a 29 de janeiro, de Vavá, irmão mais velho de Lula, o procurador Weller opina que seria melhor permitir a ida do ex-sindicalista ao enterro, como manda a lei. Dallagnol, no entanto, alerta para o tumulto que isso causaria. E Paludo afirma: "O safado [Lula] só queria passear e o Welter com pena".

Lula acabaria por não ir ao enterro - o irmão foi sepultado antes da justiça se decidir.

A propósito da morte de Arthur, neto de 7 anos de Lula vítima de infeção generalizada, a procuradora Monique Cheker acusa o avô: "Fez discurso político (travestido de despedida) em pleno enterro do neto, gastos públicos altíssimos para o translado, reclamação do policial que fez a escolta... vão vendo." Outros procuradores criticam Gilmar Mendes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), por se ter solidarizado com Lula pelo falecimento do neto.

Lula emitiu nota a dizer sentir "repulsa" pelo teor das conversas. "Foi com extrema indignação, com repulsa mesmo, que tomei conhecimento dos diálogos em que procuradores da Lava-Jato se referem de forma debochada e até desumana às perdas de entes queridos que sofri nos anos recentes: minha esposa, Marisa, meu irmão, Vavá, e meu netinho, Arthur."

"Não imaginava que o ódio que nutriam contra mim, contra o meu partido e meus companheiros, chegasse a esse ponto: tratar seres humanos com tanto desprezo, como se não tivessem direito, no mínimo, ao respeito na hora da morte. Será que eles se consideram tão superiores que podem se colocar acima da humanidade, como se colocam acima da lei?", questiona-se.

Marlene, nora de Lula e mãe de Arthur, revelou ao jornal Folha de S. Paulo sentir "náusea" do que leu.

SUPREMO ANULA DECISÃO DE MORO

A equipa de procuradores da Operação Lava-Jato, entretanto, sofreu outro revés, horas antes. O STF anulou pela primeira vez uma condenação de Sergio Moro na operação. Segundo o entendimento de três dos quatro juízes que se pronunciaram, a sentença aplicada por corrupção e lavagem de dinheiro a Aldemir Bendine, que presidiu ao Banco do Brasil e à Petrobras, fica sem efeito por ter sido cerceado o direito de defesa do réu.

Considerada a maior derrota da história da Lava-Jato e do hoje ministro da Justiça do Brasil, a decisão do STF pode causar efeito cascata sobre as outras sentenças proferidas no âmbito da operação. "Se o entendimento for aplicado nos demais casos da Operação Lava-Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos", diz texto divulgado pelos procuradores.

Segundo Cristiano Zanin, advogado de Lula, a mesma questão técnica que presidiu à decisão do STF sobre Bendine pode aplicar-se ao antigo presidente. Em entrevista ao jornal O Globo disse que vai avaliar se entrará com novo recurso pedindo para o tribunal anular condenações contra Lula. "Essa situação ocorreu nos processos do ex-presidente em Curitiba. Precisamos fazer uma avaliação específica sobre o tema após essa decisão do STF", disse Zanin.

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