ERC dá 48 horas a Sánchez para chegar a acordo com Podemos

No segundo dia do debate de investidura, Pedro Sánchez, líder do PSOE, reafirmou o seu pedido: "Eu quero um governo, estabilidade e legislatura e isso é o que lhes peço também excelências. Governo, estabilidade e legislatura"

Depois dos líderes do Partido Popular, do Ciudadanos, do Unidas Podemos e do Vox, que na segunda-feira interpelaram Pedro Sánchez no primeiro dia do debate de investidura, no Parlamento espanhol, hoje é a vez dos líderes dos grupos parlamentares da Esquerda Republicana da Catalunha, do Partido Nacionalista Basco e do Grupo Mixto apresentarem os seus argumentos e exigências ao candidato socialista à investidura como primeiro-ministro de Espanha.

No final das intervenções, a presidente do Parlamento, Meritxell Batet, fixará a hora da votação. Neste primeiro voto, Sánchez precisa do apoio de uma maioria absoluta de deputados. Maioria absoluta que não tem. Portanto é de esperar que não passe, tendo que submeter-se a nova votação, na quinta-feira, onde voltará a falhar se não contar com o apoio da Unidas Podemos, seja porque, até lá, houve um acordo entre PSOE e Unidas Podemos, seja porque a aliança liderada por Pablo Iglesias se decide abster para permitir um governo, em minoria, do Partido Socialista Operário Espanhola.

A matemática não está fácil. PP e Ciudadanos indicaram, na segunda-feira, que vão votar contra Sánchez, apesar de este lhes ter pedido que se abstenham ou então que assumam a responsabilidade de ir a novas eleições. Também o Unidas Podemos disse que não apoiará, pelo menos hoje, o líder socialista, mas não esclareceu o que fará na quinta-feira. Fora do hemiciclo, citada pelo El País, a vice-primeira-ministra em funções, Carmen Calvo, desabafou: "Ficámos surpreendidos com a posição do senhor Iglesias, que colocou a negociação numa posição mais complicada. Nós preferíamos trabalhar de forma mais discreta". O certo é que, mesmo aliado ao Unidas Podemos, Sánchez não consegue ter maioria absoluta dos deputados. E por isso precisaria do apoio, mesmo que pontual, dos nacionalistas, como os catalães ou os bascos.

O líder parlamentar da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Gabriel Rufián, fez um ultimato ao primeiro-ministro em funções. "Senhor Sánchez, não dê por garantida a nossa abstenção. Tem 48 horas para se pôr de acordo [com o Unidas Podemos]. E veja o enorme esforço de generosidade que estamos a fazer", declarou o dirigente catalão, que na véspera chegou ao Parlamento espanhol com flores amarelas, em homenagem aos políticos catalães presos e julgados pela organização do referendo ilegal de 1 de outubro de 2017 na Catalunha. Um dos réus é o líder da ERC, Oriol Junqueras.

Se houver novas eleições, todos vão pagar

Rufían alertou para a tentação de ir a novas eleições no dia 10 de novembro. "Senhor Sanchéz veio aqui sem números, sem os deveres feitos. E ontem parecia mais um debate pré-eleitoral da esquerda, com a direita a aplaudir. Como se pode salvar esta situação? Seria uma irresponsabilidade histórica que só pagará a esquerda, seja qual for a sua bandeira: equivoca-se ou mente quem acredite que se voltarmos a chamar as pessoas a votar no dia 10 de novembro estas vão distinguir entre nomes, siglas e discursos. Vamos pagar todos, todos. Respeito-o, senhor Sánchez. Respeito-o porque é o primeiro secretário-geral do PSOE que ganhou contra a PRISA (empresa proprietária do El País), é um mérito importantíssimo. Respeito-o porque disse de forma obstinada e corajosa "não é não" a Rajoy. Estamos condenados a entender-nos. A nossa oferta, hoje aqui, é entendamo-nos. A minha pergunta a si e ao Unidas Podemos é se nos respeitam, se querem fazer política. Porque nós viemos fazer política".

Na véspera, Pablo Casado (PP), Abert Rivera (Ciudadanos) e Santiago Abascal (Vox) acusaram o líder do PSOE e candidata à Moncloa de estar nas mãos - e de se submeter à chantagem - dos nacionalistas catalães e bascos, que querem romper Espanha e que não respeitam a lei e a Constituição espanhola. E que, por isso, nada disse sobre a questão da Catalunha durante o discurso de duas horas que fez na segunda-feira no Parlamento.

"Convém recordar que não humilha quem quer, mas quem pode"

Durante a intervenção do Partido Nacionalista Basco, Aitor Esteban, fez questão de explicar porque considera que o seu partido é diferente da ERC catalã ou da EH Bildu basca. "Nós não estamos na mesma dinâmica em que está a ERC e a EH Bildu. Se chegam a acordo com eles, eles não falam connosco. Nós teremos que falar. Precisa tentar seduzir outros possíveis aliados, não apenas o Podemos, também outros partidos. Se bem entendi, entendi que 'vocês têm que fazer algo, ser responsáveis, essa é a única opção, mas parece que o senhor não tem que fazer nada. Entendo que fale com o PP, mas numa fase posterior e para determinados assuntos".

No tempo do Grupo Mixto, Laura Borràs, do Junts per Catalunya, afirmou: "A repressão na Catalunha já vai em quase mil acusados. Autarcas, mas também ativistas civis. Vocês em vez de seduzirem, culpabilizam. Em vez de pactar, preferem encurralar. Democracia Made in Spain. Temos 155 motivos para votar não à investidura. Tentou humilhar aos seus possíveis aliados de governo. Mas convém recordar que não humilha quem quer, mas quem pode".

Mertxe Aizpurua, do EH Bildu (herdeira do Batasuna), declarou, depois de recordar exemplos como o do Quebeque (no Canadá): "O Estado espanhol não fará democracia plena sem plurinacionalidade. Os problemas nacionais devem resolver-se com diálogo, negociação e, por suposto, democracia. Na Catalunha e no País Basco deve ser a cidadania basca e catalã a determinar que relação querem terem com o Estado".

"Os nacionalismos não são um bom companheiro de viagem"

Pelo Navarra Suma, Sergio Sayas, apontou o dedo a Sánchez, pelos pactos que o PSOE tem feito em Navarra. "Ontem ouvimo-lo pedir responsabilidade a alguns grupos desta Câmara e, apesar disso, levamos semanas a vê-lo em Navarra a abraçar o nacionalismo que não tem coerência nem princípios. Também o ouvimos a parecer querer dizer que quer um governo a qualquer preço. Os governos não são um fim em si mesmo. Os nacionalismos não são um bom companheiro de viagem".

Joan Baldoví, do Compromís, sublinhou a sua abertura para negociar, dizendo que sempre esteve disponível, mas que o PSOE o tem ignorado. O responsável nota que, tendo isso e conta, agora o PSOE surge pressionando tudo e todos para que aprovem a investidura de Sánchez. "Ou eu ou o caos", apontou, criticando Sánchez. "Para chegar a acordos é preciso negociar, é preciso vontade, generosidade, flexibilidade, é preciso sentar-se à volta da mesa e, na verdade, sentámo-nos muito poucas vezes. No Compromís sempre demonstrámos a nossa vontade em chegar a acordos. De novo reiteramos o compromisso de facilitar a governação, de facilitar um novo governo, para evitar novas eleições", declarou o responsável valenciano. No final perguntou que ministérios quer oferecer ao Unidos Podemos, se é que tenciona fazê-lo. Ou se, por outro lado, prefere cantor a solo na banda.

Finalmente pelo Grupo Mixto, José María Mazón, do Partido Regionalista de Cantábria, manifestou-se contra a realização de novas eleições em Espanha. "O mundo avança rápido, não se pode perder tempo com alguns temas. Quatro anos é muito. Oito, uma barbaridade. O tempo está a passar, sim, sem haver grandes avanços nos grandes temas. Vamos dizer aos espanhóis que mudem outra vez, que mudem o seu voto, que não gostamos da forma como votaram? Vão dizer-nos: 'entendam-se vocês'".

Ao mesmo tempo, no Twitter, Alberto Garzón, líder da Esquerda Unida, um dos partidos que compõem o Unidas Podemos, fazia as contas: "Depois de três meses... Pedro Sánchez NÃO conseguiu os apoios de. PP, Ciudadanos, Podemos, ECP, IU, Vox, ERC, PNV, JxCAT, EH-Bildu, UPN, CC, Compromís. Pedro Sánchez convenceu sim: PSOE, PRC. Não sei, talvez Pedro Sánchez não esteja a fazer o suficiente".

No tempo de réplica, Pedro Sánchez começou por responder a Laura Borràs, do Junts per Catalunya. "Há um ponto em relação ao qual não estamos, desde logo, de acordo. A senhora não reconhece a legitimidade desta Câmara nem do Estado espanhol. Eu reconheço-lhe legitimidade, a senhora não reconhece legitimidade ao Partido Socialista da Catalunha, a segunda força na Catalunha. Os senhores instalaram-se na antipolítica. Há um problema de fundo. Quando saírem do labirinto em que estão metidos há anos, o da vitimização, pode ser que nos entendamos. Mas não me fale de diálogo, quando temos o senhor [Quim] Torra a falar de unilateralidade e a dizer que vão voltar a fazer tudo de novo. Se tenho uma responsabilidade, é a de conseguir um diálogo dentro da Constituição e da lei para a crise de convivência que existe na Catalunha".

Em resposta a Mertxe Aizpurua, do EH-Bildu, o candidato à investidura sublinhou: "83% dos bascos e das bascas estão satisfeitos com o Estatuto de Gernika. Isso é o que vamos defender: ontem, hoje e sempre. O Estado das autonomias é o melhor modelo para combinar todas as identidades".

O líder do PSOE voltou a apelar ao diálogo: "Creio que em Espanha temos membros suficientes para, através do diálogo, conseguirmos entender-nos todos. Eu, ao seu grupo, não o veto, respeito a legitimidade que tem, mas é evidente que temos sérias discrepâncias, de presente e de futuro, mas também de passado, mas não posso partilhar consigo que a justiça social ou a desigualdade tenham a sua origem na crise territorial, como descreveu. Vivemos num país descentralizado", disse, à representante daquela aliança basca.

"O problema da Catalunha está identificado. E chama-se Estado espanhol"

Em resposta a Sánchez, Laura Borràs exigiu respeito pelo presidente da Generalitat da Catalunha, Quim Torra. E sublinhou que, na Catalunha, "não há um problema de convivência". E porquê? "Quem apresenta as queixas-crime é a procuradoria-geral do Estado. Quem tem um problema de convivência é o Estado espanhol. O problema da Catalunha está identificado. E chama-se Estado espanhol. O senhor é aspirante a primeiro-ministro. Não fomente Fake News. Na Catalunha não há uma crise de convivência".

"Lamento que pense que não respeito o senhor Torra. Quando lhe falo de antipolítica é porque fez referência ao catalanismo. A senhora não é catalanista, é independentista, respondeu o primeiro-ministro interino, sublinhando que se apresentou à investidura "apesar de saber" que pode "provavelmente falhar essa tentativa". Respondendo em seguida, a Mertxe Aizpurua, da EH-Bildu, afirmou: "Não é preciso fazer nenhuma consulta porque pelo que os bascos e as bascas se manifestam. em eleições, vemos uma maioria de cidadãos que defende o autogoverno com diferentes intensidades".

Em relação à pergunta 'que ministérios vai dar ao Unidas Podemos?', Sánchez replicou: "Eu tenho outra forma de negociar. Eu não digo as coisas em público". E foi interrompido por aplausos. "Se alguém quer chegar a um acordo, não vem para aqui dizer as coisas que quer e, muito menos, desqualificar dizendo que há palavras decorativas. O que posso garantir é uma coisa. Ou melhor, duas. Assumi o que vai fazer um governo de coligação. Entenderá que nenhuma das políticas do governo de Espanha são decorativas. A partir daí, se deixarmos de lado a desqualificações, podemos chegar a um acordo". O líder do PSOE referia-se ao facto de, na véspera, o líder do Unidas Podemos o ter acusado de querer usar a sua formação política apenas para fazer papel decorativo no próximo Executivo.

A última a falar na investidura de Sánchez, Adriana Lastra, líder parlamentar do PSOE, defendeu um governo progressista de esquerda. Apesar de, segundo o El País, muitos socialistas não verem com bons olhos uma coligação entre o PSOE e o Unidas Podemos. "O PSOE tem a responsabilidade de formar governo, mas os outros partidos também. Todos temos de velar interesse geral. Não serve de nada bloquear o governo. Não há alternativa viável a Pedro Sánchez como primeiro-ministro".

"Senhor Rivera, onde está a sua alma?"

"Sabem que sempre defendi que a esquerda sabe e deve entender-se. Porque sabemos entender-nos. Seria um erro virar as costas ao resultado das eleições legislativa de 28 de abril. Porque também há algo negativo no resultado eleitoral de alguns grupos nesta Câmara. A esquerda sabe, deve e pode entender-se. O contrário seria um erro histórico. Seria um erro histórico não formar um governo progressista, porque há milhões de cidadãos que não podem esperar, os seus problemas precisam se soluções o quanto antes. É esse o espírito do PSOE neste debate", sublinhou Adriana Lastra.

À ERC, Lastra disse: "Sempre estivemos de mão estendida para o diálogo e nesse caminho estou certa que nos vamos encontrar". E dirigiu-se em seguida aos líderes do Ciudadanos e do PP. "Desta investidura é possível sair com um governo ou com um bloqueio que impeça que este país avança. Senhor Rivera, senhor Casado, o governo ou o bloqueio. Ganhámos as eleições porque isso é a democracia. As eleições podem perder-se ou ganhar-se, o importante não é perder a alma. Porque se perdes a alma, acabas por perder tudo. Senhor Rivera, onde está a sua alma?".

Num discurso amplamente aplaudido, a líder parlamentar dos socialistas carregou na ferida de Rivera. "Aproximaram-se tanto da extrema-direita que perderam as referências. É preciso combater a homofobia. É preciso combater o machismo. Deslocaram-se tanto para a direita, que compraram a alma dessa extrema-direita, a mesma que elabora listas negras e persegue os defensores dos direitos humanos", declarou, enquanto alguns deputados do Ciudadanos tentavam levantar a voz. Lastra referia-se a acordos como o firmado entre Ciudadanos, PP e Vox na Andaluzia.

"Em política, pode ganhar-se ou perder-se, mas não se pode perder a alma. Pedimos-lhes responsabilidade, mesmo que isso não sirva de nada. Qual é o sentido de bloquear a formação de um governo que foi votado pelos cidadãos e para o qual não há alternativa? Não lhes pedimos o vosso voto, só lhes pedimos a si [Rivera] e ao senhor Casado que ajam com sentido de Estado. Apesar de estarmos a constatar nesta sessão que os senhores são constitucionalistas só de garganta e homens de Estado só de garganta", sublinhou Lastra, acusando os líderes do Ciudadanos e do PP de virarem as costas aos partidos que estão de mão estendida e não aos que estão de mão erguida.

Numa palavra final dirigida a Pablo Iglesias, do Unidas Podemos, Adriana Lastra, cujo discurso foi amplamente aplaudido no Parlamento, afirmou: "Há quem diga que estamos condenados a entender-nos. E prefiro que esta seja a oportunidade para nos entendermos".

Em seguida Sánchez, classificou o discurso de Lastra como "brilhante". E mais uma vez houve aplausos. O primeiro-ministro interino voltou a pedir o apoio dos partidos, para conseguir ser investido e não passar à História como o candidato que teve duas investiduras falhadas seguidas.

"Eu quero um governo, estabilidade e legislatura e isso é o que lhes peço também excelências. Governo, estabilidade e legislatura", declarou Sánchez, de 47 anos, na última intervenção neste debate de investidura que durou dois dias. Seguiu-se a votação.

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