Equador escolhe entre Moreno e Lasso num teste à Revolução Cidadã de Correa
Em 2006, Rafael Correa foi eleito na segunda volta das presidenciais equatorianas depois de ter ficado quatro pontos percentuais atrás de Álvaro Noboa na primeira volta. Era a terceira vez que um candidato que partia em desvantagem conseguia surpreender o adversário e chegar ao poder. Uma situação que o ex-banqueiro Guillermo Lasso espera que se repita hoje, de forma a derrotar o favorito, o antigo vice-presidente Lenín Moreno, que a 19 de fevereiro ficou a menos de um ponto percentual de vencer na primeira volta. Agora, as sondagens dão-lhe apenas uma ligeira vantagem.
Independentemente de quem será o vencedor, este terá pela frente um país em recessão e o desafio de governar na sombra de Correa.
Nessa primeira volta de fevereiro, o candidato da Aliança País enfrentava sete adversários. Depois de vários dias para contar os votos em que se repetiram as denúncias e receios de fraude, Moreno conseguiu 39,36% frente aos 28,09% de Lasso, que conquistou o passaporte para a segunda volta. Se tivesse chegado aos 40%, e como tinha mais de dez pontos percentuais de vantagem para o segundo classificado, Moreno teria evitado uma nova ida às urnas. Especialmente complicado, visto que agora Lasso espera conseguir reunir todos os votos anti-Correa.
O rosto do presidente equatoriano não está no boletim de voto que será entregue aos cerca de 12,8 milhões de eleitores, mas estas presidenciais são um teste à força da sua Revolução Cidadã. Quase uma década de crescimento económico, beneficiando dos elevados preços do petróleo, permitiram investir em programas sociais (de 4% do PIB em 2006 a mais de 8% em 2016) e reduzir a pobreza (de 41,7% em 2008 a 28,2% em 2016). Mas desde 2015 que o país está em recessão e a situação não deve melhorar neste ano - as projeções do Fundo Monetário Internacional falam num crescimento negativo de 2,7%, com a situação agravada pelo défice público equivalente a 27% do PIB.
Moreno ou Lasso (a última sondagem dá 52% de intenções de voto ao primeiro, mas com uma margem de erro de 3,5 pontos percentuais) terão de fazer mudanças na política económica. O candidato da esquerda não levanta o véu, prometendo apenas aumentar os benefícios sociais para as mães solteiras, pensionistas e deficientes (Moreno ficou paraplégico em 1998, após ter sido atingido a tiro num assalto).
Moreno acusa o adversário, do partido Criando Oportunidades (CREO, acredito em espanhol), de ser um elitista que quer acabar com as políticas sociais - este promete contudo baixar impostos e criar um milhão de empregos, mantendo os benefícios sociais. Neste ponto, estas eleições são também um teste para a esquerda latino-americana - depois de derrotas para a direita na Argentina, Brasil e Peru.
Lasso foi presidente executivo do maior banco equatoriano, o Banco Guayaquil, durante quase duas décadas e Moreno acusa-o de ter beneficiado da crise financeira de 1999 que obrigou milhares de equatorianos a deixar o país, após perderem as suas poupanças. O ex-banqueiro nega tudo - incluindo que parte dos lucros que teve foram parar a um offshore - e reage falando do escândalo de corrupção que alegadamente envolve os membros do governo de Correa.
A construtora brasileira Odebrecht admitiu à Justiça dos EUA ter pago 33,5 milhões de dólares em subornos "a funcionários do governo" de 2007 a 2016 (um investimento que gerou lucros de mais de 116 milhões de dólares). Alguns desses negócios terão sido feitos com a petrolífera Petroecuador e diz-se que ali nada ocorria sem a luz verde do vice-presidente, Jorge Glas, que é o parceiro de candidatura de Moreno. Sobre a corrupção, este promete uma "grande cirurgia" e não permitir que os "corruptos de ontem e de hoje" continuem impunes.
Independentemente de quem for o vencedor - a votação decorre das 07.00 às 17.00 (13.00 às 23.00, em Lisboa) -, terá de enfrentar o fantasma Correa. O presidente diz que vai viver para a Bélgica, país de origem da sua mulher, Anne Malherbe, que conheceu quando fazia lá o mestrado em Economia. Mas resta saber como se comportará a Revolução Cidadã sem o seu timoneiro, sabendo-se que Moreno não tem o carisma de Correa, apesar de ser mais conciliador do que este.
Se o vencedor for Lasso, além de ter um Parlamento onde a Aliança País tem maioria, o ex-banqueiro teria de enfrentar Correa. "Num ano estarão a pedir eleições antecipadas que a Constituição permite com a morte cruzada e terei de voltar a apresentar-me às eleições e vencê-los novamente", disse. A "morte cruzada" é a faculdade que os poderes executivos e legislativo têm de dissolver-se mutuamente, obrigando à realização de novas eleições gerais.