"Se houvesse novas eleições nós PSOE melhoraríamos, mas a Espanha pioraria"

Entrevista a Guillermo Fernández Vara, presidente do governo da Extremadura e dirigente do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).
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Aqui na Extremadura houve um acordo entre o PSOE e o Podemos que lhe permite governar a região. Porque não é possível repetir essa fórmula em Espanha?

Eu governo, mas não foi fruto de um acordo e sim de conversas. E no fim não se chegou a nenhum acordo. Mas parte dos temas que o Podemos levantou eu acabei por incorporar no meu programa. E na hora de votar, votaram a favor, mas também recordo que não houve nenhum voto contra, pois o PP absteve-se. E a prova de que não há um acordo formal é o orçamento, que continuamos a discutir ao fim de meses porque o PP e o Podemos votaram contra. Mas o maior problema é que a nível de Espanha o Podemos não é uma só coisa, mas muitas. O Podemos é a confluência de muitas organizações numa lista eleitoral mas no País Basco são uma coisa, na Catalunha outra, na Comunidade Valenciana outra ainda. E isso justifica a nossa recusa da opção do Podemos pelo direito a decidir, de que uma região possa decidir pela independência.

Está a falar da defesa que Podemos faz do referendo na Catalunha?

Eles não falam só da Catalunha. Defendem o direito de autodeterminação em geral. Começa por ser a Catalunha, depois pode ser o País Basco ou a Comunidade Valenciana.

A defesa da unidade de Espanha é a linha vermelha para o PSOE?

Sim, é a nossa linha vermelha. A 28 de dezembro houve uma reunião do comité central do partido em que decidimos que nunca governaríamos como o apoio, por ação ou omissão, de uma força que defendesse o independentismo.

Para haver uma solução de governo que além dos socialistas e do Ciudadanos incorporasse o Podemos bastaria que esse partido renegasse essa posição?

Sim, claro. Porque, de resto, há muitos pontos de coincidência.

Vê semelhanças entre a situação pós-eleitoral em Espanha e a que aconteceu em Portugal, já que em ambos os países a direita ganhou mas sem maioria para governar?

Sim, mas a diferença é que os comunistas portugueses e o Bloco de Esquerda apoiam o governo mas não o integram, enquanto o Podemos quer estar no governo. Tanto o Partido Comunista como o Bloco têm história. Têm memória. Sabem das consequências que teve a política conservadora. Enquanto o Podemos é um partido sem história e sem memória e só olha para o futuro e quer um papel de protagonista. Em Portugal, nem o PCP nem o Bloco ambicionam substituir o Partido Socialista, mas o que quer o Podemos é ocupar o lugar do PSOE.

Acredita que, a haver novas eleições, haja o risco do que se chama, por analogia com a débâcle dos socialistas gregos perante o Syriza, uma pasokização do PSOE?

Isso não vai acontecer, mas é aquilo que o Podemos está a procurar. Mesmo assim acho que a emergência de partidos como o Podemos ou o Ciudadanos é positiva, porque nos obriga a mudar. Faz-nos melhores.

Os grandes jornais espanhóis descrevem-no a si e a Susana Diaz, presidente da Junta da Andaluzia, como os grandes críticos da liderança de Pedro Sánchez no PSOE. Provavelmente porque nas vossas regiões o partido mostrou mais força. Acredita que Sánchez chegará a chefe do governo?

Acredito que sim, que é possível. Mas aquilo que é evidente é que o PSOE não conseguirá formar governo sozinho e que não pode haver um governo que não inclua o PSOE. E por isso, Pedro Sánchez está destinado a ter um papel fundamental. Já agora esclareço que não tenho sido crítico com ele. Sim, é verdade que não o apoiei quando foi eleito secretário-geral, mas desde o primeiro minuto em que assumiu a liderança do partido tem tido em mim o seu aliado mais leal. E dentro da lealdade está o dever de a cada momento cada um diga o que pensa. Ajudei em tudo o que podia, mas como outros companheiros, depois das eleições gerais de 20 de dezembro, defendi que tínhamos de marcar o nosso território. Defender o que temos. Os nossos votos. E a única região onde o PSOE teve mais de 40% dos votos foi na Extremadura.

Pensa que se este impasse prosseguir tenha de acontecer uma saída de cena tanto de Mariano Rajoy, primeiro-ministro cessante e líder do PP, como de Sánchez?

Não é justo que Rajoy e Sánchez sejam tratados da mesma maneira. Rajoy está há décadas na política e tem sido presidente de um partido cheio de casos de corrupção. E Pedro leva 20 meses como secretário-geral. Não creio que fosse justo dizer-lhe que tinha de se ir embora.

Se houver eleições antecipadas em Espanha acredita que o PSOE vai ter um resultado melhor?

Acredito que se houvesse novas eleições nós o PSOE melhoraríamos, mas o país pioraria.

Então não é favorável a um regresso às urnas?

Não. Seria um fracasso da política.

Esta ausência de solução governativa está a prejudicar a economia?

Sim.

E sente-se na Extremadura?

Os efeitos aqui são sempre retardados. Mas basta pensar que a Administração está parada. Não avança nenhuma obra pública.

Como está aqui o desemprego?

Está mal. Na ordem dos 28%. Mas não é o mais alto de Espanha. Andaluzia e Canárias estão pior.

O futuro da Extremadura, tradicionalmente uma das regiões mais pobres de Espanha, passa muito por maior ligação a Portugal?

Portugal tem um papel transcendental no desenvolvimento económico da nossa região. Basta dizer que 40% das exportações vão para Portugal. E que a relação de interdependência entre a Extremadura, o vizinho Alentejo e o resto de Portugal é enorme. Há muito movimento empresarial e também de turistas. Houve agora a festa dos touros em Olivença e boa parte das pessoas eram portugueses. Queremos desenvolver a nossa relação com Portugal e isso significa não nos ficarmos pela economia, queremos também reforçar os laços culturais.

Está a falar do seu Plano Portugal? Pode explicar no que consiste?

Atividades em todos os setores. Desde o português na escola, sendo que 70 a 80% dos espanhóis que aprendem português estão aqui, até aos projetos de apoio a empresas que atuem dos dois lados da fronteira. Temos de conversar. Converso muito com os presidentes de câmara do lado português, de Campo Maior, Elvas ou Portalegre.

Mas a ausência de regionalização em Portugal impede-o de ter interlocutor óbvio. Fala só com os presidentes de câmara ou também com o governo português?

Esta semana vou estar em Lisboa e conhecer ministros e secretários de Estado. E tenho um encontro com António Costa. Outras vezes falo com as comissões de coordenação.

Seria mais fácil se Portugal tivesse avançado com a regionalização?

Cada país escolhe o seu sistema. A regionalização tem aspetos positivos e negativos. Portugal, ao optar, evitou a parte negativa. Se noutras partes de Espanha houve excessos, na Extremadura a autonomia trouxe mudanças para melhor.

Tem defendido melhores infraestruturas de ligação. Ferroviárias?

Claro. Quero saber qual a estratégia do governo português. Para nós, é estratégico o transporte de mercadorias. A conexão com os portos de Sines e de Setúbal é fundamental, porque vivemos num mundo globalizado em que o custo dos transportes afeta a competitividade.

Nasceu em Olivença. É verdade que os oliventinos mantêm um sentimento especial por Portugal?

Nós, oliventinos, sentimo-nos filhos de Espanha e netos de Portugal. Somos uma cidade aberta. Sentimo-nos muitos espanhóis, mas para nós é um orgulho partilhar cinco séculos da nossa história com Portugal.

*) Em Mérida

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