"Há uma grande falta de espírito de equipa na UE"
Como vê a Alemanha o compromisso do governo português com as regras orçamentais europeias?
O governo português afirmou o seu compromisso com o cumprimento das regras orçamentais europeias. Juntamente com a Comissão foi conseguido um acordo relativamente ao orçamento nacional.
Nota verdadeiras diferenças de abordagem entre o novo governo de António Costa e o anterior, de Pedro Passos Coelho?
O novo governo é pró-europeu e trabalha de forma estreita e numa base de confiança com os parceiros europeus. Face aos desafios que atualmente estamos a enfrentar na Europa, fico muito satisfeito com esta continuidade da política europeia e com os sinais de solidariedade. O governo de António Costa pretende seguir um caminho em que o objetivo da consolidação orçamental é associado ao investimento no crescimento, no emprego e na inovação e quer dar uma maior atenção aos assuntos sociais. Isso corresponde exatamente às nossas prioridades comuns na UE.
Como reage às críticas, comuns em Portugal e noutros países da Europa do Sul, de que a Alemanha é egoísta na sua relação com os parceiros da União Europeia?
A Europa só pode realmente ser convincente e funcionar se todos avançarmos na mesma direção. A União Europeia foi concebida como jogo de equipa e, por conseguinte, precisa de jogadores capazes de jogar em equipa. Isso não significa que não possamos ter opiniões divergentes. Mas se formos honestos, temos de admitir que neste momento há uma grande falta de espírito de equipa. Temos por isso de voltar a apostar mais no diálogo e na solidariedade. Todos os jogadores da equipa devem estar dispostos a mostrar espírito criativo, flexibilidade e pragmatismo. Podemos assim chegar no final a um objetivo comum que todos apoiamos e que beneficia a UE no seu todo.
O que pode ainda fazer a Alemanha para, no âmbito da União Europeia, ajudar a pôr fim à austeridade?
A UE põe claramente a tónica no crescimento, no emprego e no reforço da coesão social. A Agenda Estratégica e o programa de investimento da UE são a melhor prova disso. Mas também não podemos fechar os olhos à realidade só por não gostarmos de ouvir certas coisas: as reformas estruturais e a consolidação orçamental socialmente equilibrada, embora não sejam os únicos requisitos, são no entanto requisitos essenciais para uma recuperação sustentada das economias europeias.
A Alemanha foi muito aplaudida pelo acolhimento aos refugiados. Mas o entusiasmo inicial parece desaparecer. Isso significa que o governo alemão vai exigir que os outros países partilhem a sério a resolução do problema, acolhendo mais gente?
A Europa está a enfrentar um dos maiores desafios da sua história. Não haverá respostas simples e soluções a curto prazo. Vamos precisar de todo um conjunto de medidas nacionais e europeias, mas também de acordos com países terceiros, em particular com a Turquia. Fecharmos as nossas fronteiras a pessoas em busca de proteção seria manifestamente contrário aos nossos valores comuns na Europa. Ainda assim, temos de melhorar o controlo sobre os fluxos migratórios e reduzir o número de refugiados que chegam à Europa. Devemos combater não os refugiados mas sim os fatores que dão origem a que as pessoas se tornem refugiados. Estamos por isso a trabalhar afincadamente na busca de soluções europeias para a crise dos refugiados. Durante o Conselho Europeu de fevereiro, todos os Estados membros se mostraram disponíveis para procurar uma solução comum. Registámos com especial agrado a oferta portuguesa no sentido de acolher refugiados da Alemanha e da Áustria e de reduzir assim a pressão que incide sobre esses dois países. É um exemplo da solidariedade europeia autêntica de que tanto necessitamos nos dias que correm. Trata-se de um sinal de verdadeira amizade pelo qual estou grato.
Como classifica a gestão da crise dos refugiados feita pela Grécia? Há quem diga que se exige demasiado a um país em crise.
A Grécia e a Alemanha são os dois Estados membros da UE mais afetados pela crise dos refugiados. E é evidente que a superação destes desafios apresenta grandes dificuldades para a Grécia. Estamos muito gratos pelo empenho incansável dos nossos amigos gregos, da guarda costeira grega e da população grega, que está a ajudar os refugiados. Temos, naturalmente, de intensificar ainda mais os esforços neste sentido, de forma a garantir que todos os refugiados são registados nos hotspots. A UE já disponibilizou recursos significativos para apoiar a Grécia nesta situação, e estão previstos ainda recursos adicionais. Também a Alemanha prestou ajuda sob a forma de recursos humanos e assistência financeira e técnica.
A União Europeia tem sido abalada pela crise financeira e pela crise dos refugiados. A ameaça de saída do Reino Unido é sinal de que o projeto europeu está ferido de morte?
Os Estados membros da UE são unânimes quanto ao objetivo de manter o Reino Unido na UE. Neste momento é particularmente importante que a Europa emita um sinal claro de coesão e força, e não de fratura. Com o acordo sobre a relação do Reino Unido com a União Europeia, alcançado em fevereiro, o Conselho Europeu criou a base necessária para tal. Foram negociações duras, que exigiram dos outros 27 Estados membros uma grande disponibilidade para o compromisso. O primeiro-ministro Cameron pode regressar a casa com um pacote político em que as exigências do Reino Unido são plenamente tidas em consideração e que define um estatuto especial para o país dentro da UE. Cabe-lhe agora convencer os seus compatriotas a permanecer na UE. Estou confiante de que as pessoas no Reino Unido veem a UE como garante de paz, segurança e prosperidade e que, como tal, votarão, neste referendo histórico, por um Reino Unido forte e unido numa União Europeia capaz de agir.
Está hoje em Portugal para uma conferência sobre as relações entre a Alemanha e Portugal. Há ainda muito a fazer de parte a parte, sobretudo do ponto de vista económico, de investimento e de trocas comerciais?
As relações luso-alemãs são excelentes, em especial as relações económicas. Empresas alemãs desempenham um papel importante em Portugal como investidores e empregadores e são muito ativas nos setores inovadores e orientados para a investigação, tendo intensificado ainda mais o seu envolvimento em Portugal precisamente durante os anos da crise económica e financeira. As empresas alemãs reconheceram o potencial e as vantagens de Portugal e estão cientes da excelente formação dos trabalhadores portugueses. Em contrapartida, também empresas portuguesas aprofundaram de forma considerável as suas relações comerciais com a Alemanha ao longo dos últimos anos: Portugal foi país convidado em várias feiras, as exportações portuguesas para a Alemanha têm vindo a aumentar constantemente.