"É preciso uma forma legal de os refugiados chegarem à Europa"
O projeto de acordo alcançado na cimeira UE-Turquia parece-lhe um bom plano, uma vez que já foi criticado pela ONU e por várias ONG como podendo ser ilegal do ponto de vista do direito internacional?
Isso é ainda um rascunho. É preciso trabalho intenso até à cimeira de dia 17 para chegar a um texto final. Vi o que disseram ONU e ONG e há questões legais, mas a verdade é que é preciso uma solução. E a solução deve conter uma forma legal de os refugiados chegarem à Europa e encontrarem aí abrigo. Não é correto deixar esta gente nas mãos das redes de traficantes e, por isso, é preciso encontrar um compromisso entre o que diz o direito internacional e o que, na prática, pode ser feito. Há um problema, de facto, em devolver um refugiado e depois em recolocar esse refugiado. Mas politicamente é eficaz porque se envia uma mensagem muito forte dizendo às pessoas para não arriscarem a vida, não darem dinheiro aos traficantes para atravessar ilegalmente o mar da Turquia para as ilhas gregas, para confiarem neste mecanismo que se quer estabelecer. As pessoas poderão registar-se e submeter a sua candidatura. É preciso quebrar a rota ilegal. É nisso que se baseia esta proposta.
Vimos que Croácia, Eslovénia e Sérvia fecharam agora as fronteiras. Faz parte desse plano para encerrar esta rota dos Balcãs ou são meras ações unilaterais?
São ações unilaterais, claro, pois não se decidiu nada disso. Este é um problema político da UE: decide-se uma coisa e alguns países depois fazem outras coisas.
A crise dos refugiados pode acabar com o espaço Schengen?
O espaço Schengen corre perigo mas acho que o vamos salvar. Temos ao mesmo tempo que proteger o espaço Schengen e os direitos fundamentais das pessoas que tentam chegar à Europa.
Vimos alguns Estados membros, como a Áustria, culpar a Grécia por não resolver este problema. Sente que, uma vez mais, os gregos são usados como bode expiatório num problema maior da UE?
Pensei isso, mas há umas semanas. Agora acho que todos percebem que quem culpa a Grécia não tem razão. Qualquer pessoa séria que sabe o que é uma fronteira marítima sabe que não se pode matar pessoas no mar mas sim salvá-las. É assim há séculos.
Terça-feira houve um encontro cordial entre os primeiros-ministros grego e turco, que é uma imagem pouco usual. Por causa da crise dos refugiados, Grécia e Turquia são agora aliados ou apenas parceiros por conveniência?
Durante 200 anos, Grécia e Turquia tentaram, conseguindo por vezes, sentar-se à mesa e conversar. Este encontro entre governos já estava agendado há muito tempo. Falámos com a Turquia para que a readmissão de imigrantes ilegais seja mais rápida e eficaz. É um passo significativo. E concordámos que iremos tentar resolver problemas comuns. A crise migratória ajudou os dois países a aproximarem-se e a encontrar soluções.
Esta aproximação pode ser útil na resolução da questão de Chipre?
Pode ser. Não há necessidade de presença militar na ilha, mas ainda há 40 mil militares turcos, é um Exército de ocupação. Nós dizemos que os soldados devem sair. Chipre não precisa de garantias militares, seja da Turquia, da Grécia ou do Reino Unido.
Ainda sobre a Turquia. Como antigo jornalista como vê a repressão sobre os media que está em curso nesse país? A democracia está em perigo na Turquia?
É inaceitável a repressão da liberdade de imprensa. Esperamos que a aproximação da Turquia à UE ajude a democracia na Turquia. Mas este é o receio agora na UE. Não há democracia suficiente nalguns países da UE. Não é como na Turquia. Mas às vezes é parecido.
Refere-se à Hungria ou Polónia?
Há muitos sinais. Na Hungria a democracia não é algo ideal, como em Portugal, como na Grécia, como na Alemanha. Infelizmente, após muitos anos de neoliberalismo, agora a crise dos refugiados ajuda ao renascimento da extrema-direita, com um discurso de ódio contra todos. É uma perspetiva negra para a UE. É preciso lutar contra isso no século XXI.
Ter em mente a História...
Sim. Não podemos deixar a História repetir-se de forma semelhante ao período entre as duas guerras mundiais ou ao período da Guerra Fria, com vedações, muros, países e povos separados. Acho que isso já ficou para trás. Não devemos erguer mais muros.