"É muito triste o Brasil estar nas mãos de Eduardo Cunha"
Nascida no Rio de Janeiro, Mariana Patrício, de 34 anos, é neta de Rui Patrício, o último chefe da diplomacia do regime do Estado Novo
Mãe de um rapaz de 3 anos e meio, que levou para a manifestação de 12 de novembro contra o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, a professora e ativista de esquerda é a autora do slogan "Mulheres contra Cunha". Ao DN fala do Brasil, de Portugal, das suas convicções e do avô.
Como nasceu o slogan "Mulheres contra Cunha" que se tornou o símbolo das manifestações feministas no país?

Rui Patrício, último ministro dos Negócios Estrangeiros do regime do Estado Novo em Portugal, tem hoje 83 anos e vive no Rio de Janeiro
© Global Imagens - Orlando Almeida
Eu propus um evento através das redes sociais chamado "Mulheres contra Cunha", que se disseminou. Depois, esse evento juntou-se a uma passeata, já marcada, sob o slogan "O Conservadorismo Não Nos Irá Parar". Mas foi o nome do evento que eu propus que acabou colando. Começou aqui no Rio de Janeiro, passou para São Paulo, Brasília e o Brasil todo.
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Em que se fundamenta o evento?
O evento foi uma resposta ao projeto de lei da autoria de Eduardo Cunha [presidente da Câmara dos Deputados que pertence à bancada evangélica] que dificulta o atendimento a mulheres vítimas de violação. O projeto prevê que elas terão de realizar um exame de corpo de delito. Ora uma pessoa que é violada não tem condições de ir a uma esquadra apresentar queixa, deve é ter atendimento médico e psicológico. No fundo, Cunha parte do princípio de que a mulher violentada é mentirosa. Mas esta violência contra a mulher não é a única. Desde que chegou à presidência da Câmara, ele tem desenvolvido um 'show' de horrores, como o projeto que prevê a terceirização [subcontratação], o projeto de emenda constitucional que prevê a demarcação das terras indígenas pelo Congresso em vez de feita por um organismo especializado para defender a bancada ruralista [também conhecida como Bancada do Boi] que ajudou a elegê-lo, a lei que revoga o Estatuto do Desarmamento e flexibiliza a aquisição de armas. Este país já é um dos que mais homicídios têm no mundo, agora vai virar mesmo um 'bang bang' completo.

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, aceitou na semana passada que o pedido de 'impeachment' da presidente Dilma Rousseff pode ser votado no Congresso em 2016
© Reuters - Ueslei Marcelino
No entanto, é ele quem tem o poder de avançar com o 'impeachment' contra a presidente, como avançou na quarta-feira.
É muito triste o Brasil estar nas mãos de Eduardo Cunha. Os motivos que levam ao pedido de 'impeachment' são bizarros mas é preferível isso a que se mantenha tudo como está, com o governo nas mãos de Cunha.
Como vê os pactos de governabilidade que o PT faz com o PMDB?
Votei quatro vezes no PT, duas no Lula, duas na Dilma, mas é impossível não reconhecer a inabilidade deste governo no combate com a direita. Cede, vive acuado e a fazer concessões a quem não o quer ali... Com o Lula, este pacto de governo ainda funcionou mas com Dilma não resulta. Está parado.
Em 2018 não vai votar PT?
Penso que votarei no PSOL [partido de esquerda cujos membros mais destacados são Luciana Genro e Jean Wyllys]. Mas votar num partido que não será governo é ajudar a direita...
Não vota no Lula?
Lula, não! Bom, não quero queimar a língua, se fosse hoje, decididamente não. Mas se for uma situação em que tenha de optar entre ele e a direita, entre ele e Cunha, por exemplo, não posso dizer que não.
O que pensa do caso de Pedro Paulo, o candidato do PMDB à prefeitura do Rio em 2016, acusado de agredir a ex-mulher?
O caso do Pedro Paulo é revoltante, sentimos uma impotência incrível, sentimo-nos agredidas. Como é que o partido dele não acha esse passado suficiente para lhe retirar o apoio? Neste país morre uma mulher agredida a cada 13 horas. E a ex-mulher juntou-se a ele em conferência de imprensa jurando que ele não é agressivo... Triste, ela no fundo foi agredida de novo.
O Brasil passa uma imagem para a Europa de país liberal nos costumes - na relação com o corpo, nos excessos de Carnaval, etc. - e no entanto está numa via conservadora. A que se deve isso?
O Brasil não é para principiantes, como se costuma dizer. Sempre foi machista, racista e homofóbico. O que acontece é que é também festivo e exporta para o mundo o Carnaval: a mulher aparece pelada e as pessoas ficam com a sensação de que é um país muito liberal. Mas no dia seguinte, ela se sair pelada na rua é presa e volta o machismo, o racismo e a homofobia a funcionar de novo. Mas não está pior agora, como se quer fazer crer, sempre foi assim. Dá ideia de que a corrupção agora é enorme, não é, simplesmente agora é investigada, denunciada, noticiada, punida. Às vezes acho que só a do PT é punida... E também não é de hoje que meninos da periferia são assassinados pela polícia. Mas agora eles revoltam-se e agora eles abrem noticiários.
Portugal, país de que descende, tem hoje uma legislação menos conservadora do que o Brasil.
Em Portugal, o aborto está legalizado, a maconha despenalizada, há casamento entre pessoas do mesmo sexo, agora foi aprovada a coadoção entre casais do mesmo sexo, está de parabéns. E a ideia que eu tinha de Portugal, por causa da minha família, é que era superconservador...
... a família da sua mãe e do seu avô, que foi ministro do Estado Novo. Tendo você posições de esquerda, como é o relacionamento?
O meu avô provoca-me e diverte-se. Numa das últimas vezes que estive com ele disse-me que a única ministra decente do governo era a Kátia Abreu [ministra da Agricultura ligada aos interesses dos latifundiários].
E você, provoca-o?
Eu? Não... Não provoco, evito conversas.
Como se tornou de esquerda?
Por causa da minha mãe [Inês Patrício, filha de Rui Patrício], foi ela que me politizou, sempre foi solidária.
No Brasil e no mundo, as famílias mais abastadas são conotadas com posições mais à direita.
O meu avô é abastado, eu não, sou classe média, professora de Literatura, tentando ser admitida na faculdade.
O Estado Novo ou o 25 de Abril são tema de conversa em família?
Não, a Revolução dos Cravos é algo muito distante para mim. Estranho mesmo, prefiro nem me envolver.
Em São Paulo