Ensinar a pescar em Moçambique também é parir em segurança

Avião da Cruz Vermelha, com apoio para grávidas e recém-nascidos, chegou à Beira esta segunda-feira de manhã.

O dilúvio passou, ficam os estragos, cuja real dimensão se vai conhecendo à medida que as águas escoam e regressam ao leito dos rios, particularmente ao rio Búzi. Os operacionais e os voluntários, que se deslocaram à cidade da Beira para as buscas, salvamento e resgate, começam a regressar, aos países de origem. Reforçam-se os cuidados de saúde.

O avião da Cruz Vermelha Portuguesa chegou às 09:05 à Beira (horas locais, mais uma hora do que em Lisboa). Muitas estradas, bairros e campos ainda alagados, os ramos das árvores arqueados, consegue-se imaginar a violência do ciclone Idai.

As Forças Armadas, GNR, Bombeiros e Proteção Civil regressam a Portugal deixando o equipamento que levaram, nomeadamente máquinas para a purificação das águas, uma preocupação para evitar doenças como a cólera. Também os mosquitos são grandes transmissores de doenças, sobretudo à noite quando o calor abranda e há que duplicar as doses de repelente.

Todas as estruturas oficiais e Organizações Não Governamentais (ONG's) dizem querer deixar conhecimento. Conhecimento que a nível da saúde significa saber como prevenir infeções, tratar os doentes, assistir não só aos feridos mas a uma população particularmente fragilizada com as consequências do ciclone Idai, a 14 de março.

2ª fase

A cidade da Beira, capital da província de Sofala, devastada pelo ciclone Idai e as cheias, entra, agora, na segunda fase; tratar da saúde a quem sobreviveu.

No avião fretado pela Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), com o investimento do grupo Jerónimo Martins e Fundação Francisco Manuel dos Santos, em cooperação com os Médicos do Mundo (MdM), vão materiais, medicamentos, roupas para recém-nascidos, mas também dois simuladores para explicar como assistir a um parto, produtos para tratar de um bebé e de uma grávida, materiais esterilizados para que os procedimentos clínicos sejam feitos em segurança.

Maria de Jesus Maceiras é enfermeira obstetra que vai passar algum desse conhecimento. Exerceu a profissão no Hospital Garcia de Orta, atualmente é professora da Escola Superior de Lisboa CVP. Esteve em Timor a dar formação a parteiras e colaborou na organização da maternidade do Hospital Guido Valadares. Esta é uma missão diferente, uma vez que vai preparada para assistir a nascimentos. Essa é a maior alegria, "poder ajudar". A maior tristeza "são as doenças".

Fica 20 dias na Beira, o período de tempo que, normalmente, os membros da organização permanecem consecutivamente numa missão. O objetivo deste voo é ajudar a equipa que está no hospital de campanha que montaram no bairro de Macurungo. 25 no total, na área da saúde materna e pediátrica.

"O grande objetivo é ver nascer crianças saudáveis", diz a enfermeira. Ao mesmo tempo formar os profissionais moçambicanos, através de dois bonecos (simuladores) para explicar como assistir a um parto.

Maria de Jesus tem estado em contacto com os colegas portugueses que a informaram de que há muitos partos e grávidas e necessitar de cuidados. São realizados entre cinco e sete partos por dia.

"Mas o número de partos depende também do contexto, numa situação de stresse pós-traumático pode haver muitos partos prematuros e temos de tratar essas mulheres para evitar que isso aconteça", explica.

Os nascimentos prematuros é um dos problemas que mais preocupa a professora. "Havendo alguma patologia na área da mulher, nomeadamente as pré-clampsias (hipertensão, uma doença específica da gravidez), isso é que é preocupante, de resto, levamos material para fazer um parto seguro e sem problemas".

As Nações Unidas estimam que 75 mil grávidas tenham sido afetadas pelo furacão Idai só em Moçambique e que sete mil dos 45 mil partos previstos nos próximos meses possam registar complicações.

Duas maternidades

O hospital de campanha da Cruz Vermelha Portuguesa e Médicos do Mundo em Macurungo apoia os doentes que chegam ao centro de saúde local. São sete tendas, a que se vai juntar um módulo levado no avião e equipamento para o funcionamento da maternidade.

"Na realidade, vamos montar duas maternidades, a do hospital da campanha e a do Centro de Saúde de Maracurungo, que ficou totalmente destruído", sublinha Francisco George, o presidente da CVP.

Nesse sentido, vai ser assinado esta segunda-feira, à tarde, um protocolo com o delegado de saúde de Sofala para a reconstrução da unidade de saúde, reconstrução essa realizada com os donativos para a Operação Embondeiro por Moçambique da CVP. E que vão a caminho dos dois milhões de euros. A reconstrução será a terceira fase.

Embondeiro é uma árvore e que, para muitos dos sobreviventes, foi o tronco de salvação quando as águas subiram, chegando a ultrapassar os telhados.

"O hospital de campanha está montado, agora é apetrechar com o material que levamos e organizar a maternidade. E com as parteiras africanas, ver quais são as necessidades e trabalhar em conjunto", refere Maria de Jesus Maceiras. Acreditando que leva tudo o que é necessário para fazer um bom trabalho. "Nestas situações, sente-se falta é mesmo deste material esterilizado que levamos, o que é um risco para a infeção, material para estancar as hemorragias pós-partos que também levamos, bem como as profilaxias necessárias a um recém-nascido".

"Agora é apetrechar com o material que levamos e organizar a maternidade"

A missão da CVP está ao lado da UNICEF, outras sete tendas, estas vocacionadas para despistar infeções e doenças, como a cólera.

72,4 mortes em mil até aos 5 anos

Em Moçambique, morrem 72,4 crianças em cada mil com menos de cinco anos. 80 562 crianças com menos de cinco anos morreram em 2017, registam-se 27 mortes em cada mil recém-nascidos.

A proporção das mulheres entre os 20 e 24 anos que deram à luz antes dos 18 é de 40%. E entre as mulheres em idade fértil (convencionou-se entre os 15-49 anos) apenas 55% foram assistidas no parto numa unidade de saúde.

Uma realidade que a equipa portuguesa quer conhecer melhor. "Esse levantamento tem vindo a ser feito e é uma das coisas que vou fazer, com mais calma, perceber o que existe para ver como podemos atuar e, também, que colegas é que são necessários. Em breve, vão seguir mais técnicos da CVP, mais enfermeiros da área da obstetrícia, e eu vou na frente para identificar as necessidades atuais", diz Maria de Jesus Maceiras.

Seguem no avião seis membros da CVP, entre eles Francisco George, tantos como dos MdM, sendo a logística uma componente importante.

Maria Luísa Porto é uma as técnicas de logística dos MdM nesta missão e é a segunda vez em curto espaço de tempo que apoia às populações que sobreviveram a uma catástrofe. Esteve em Castanheira de Pera a assistir as vítimas dos incêndios de 2017, onde os MdM ainda se encontram. Com o objetivo de acompanhar quem ficou sem nada, não só do ponto de vista material como psicológico.

Mais uma vez no terreno, diz que houve muita gente a voluntariar-se para a missão na Beira, não só técnicos de saúde como a nível da logística. Regressa no mesmo avião, com partida prevista para a noite desta segunda-feira.

Balanço

O número de mortes é de 518, 1 641 feridos e 843 723 afetados. O que inclui todas aquelas que perderam as casas, precisam de alimentos ou de algum tipo de assistência, explicaram as autoridades.

O total de desalojados em centros de acolhimento é de 146 mil e 29 098 famílias estão a receber assistência humanitária, segundo a agência Lusa.

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